Manejo eficiente de daninhas em trigo

Daninhas resistentes a herbicidas são um problema recorrente, que a cada safra ameaça ainda mais a produtividade e a sustentabilidade das lavouras de trigo. Pensar o sistema produtivo com um todo, com a integração de métodos químicos, físicos e culturais, bem como a rotação de culturas e de mecanismos de ação são medidas fundamentais para o manejo eficiente

24.03.2022 | 14:16 (UTC -3)

Daninhas resistentes a herbicidas são um problema recorrente, que a cada safra ameaça ainda mais a produtividade e a sustentabilidade das lavouras de trigo. Nabo, azevém e buva estão entre as que mais limitam os cereais de inverno. Pensar o sistema produtivo com um todo, com a integração de métodos químicos, físicos e culturais, bem como a rotação de culturas e de mecanismos de ação são medidas fundamentais para o manejo eficiente.

Anualmente os agricultores se deparam com novos desafios no manejo de plantas daninhas em cereais de inverno. São espécies indesejadas que vegetam simultaneamente com as culturas. Estão entre os principais fatores que causam perdas na produtividade agrícola e seu manejo/controle é fundamental para evitar perdas de produção. Os herbicidas são a ferramenta preferida de controle por parte dos produtores. Porém, o uso repetido dos herbicidas provocou o surgimento de espécies resistentes. A resistência reduz a eficiência e torna o controle oneroso com uso de herbicidas. Dentre as principais plantas daninhas em cereais de inverno que apresentam resistência a herbicidas estão o nabo (Raphanus sativus e R. raphanistrum), azevém (Lolium multiflorum) e buva (Conyza spp.).

O nabo é uma espécie de cobertura de solo de outono/inverno amplamente utilizada em sistemas agrícolas do Sul do Brasil, pois se estabelece rapidamente, realiza a ciclagem de nutrientes e melhora as características físicas do solo, além de suprimir o crescimento de outas plantas daninhas (Balbinot Jr et al., 2007). Porém, apesar dessas características desejáveis, o nabo é a principal planta daninha dicotiledônea presente nos cultivos de inverno, pois compete e reduz a produtividade final das culturas (Bianchi et al., 2011).

Os herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS) foram durante muitos anos a principal ferramenta para manejo do nabo, devido à alta eficiência, seletividade às culturas de inverno e baixo custo (Vargas & Roman, 2005). No entanto, o uso continuado do mesmo mecanismo de ação selecionou plantas resistentes (Walsh et al., 2007). Os primeiros registros da ocorrência de biótipos de nabo resistente aos inibidores da enzima ALS ocorreram no Brasil em 2001, sendo constatada resistência cruzada a metsulfurom-metílico, clorimurom-etílico, imazetapir, nicosulfuron e cloransulam-metílico (Heap, 2017).

Outra planta daninha importante de inverno é o azevém, que embora possa ser utilizado como espécie forrageira e no fornecimento de palha para o sistema de plantio direto, quando ocorre em cereais de inverno compromete a qualidade e quantidade do produto colhido (Roman et al., 2004; Vargas et al., 2005). Além disso, o surgimento de biótipos resistentes e a dificuldade de controle são fatores que contribuem para o agravamento do problema. A ocorrência de azevém resistente ao glifosato (inibidor da enzima 5-enolpiruvil shiquimato 3-fosfato sintase EPSPS) no Brasil, registrada em 2003, direcionou o controle do azevém por herbicidas inibidores da acetil coenzima A carboxilase (ACCase) e ALS.

Porém, o uso contínuo dos herbicidas inibidores da ACCase e ALS selecionou plantas de azevém resistentes aos inibidores da ALS em 2010. Para piorar o cenário foram registrados casos de resistência múltipla do azevém aos herbicidas inibidores da ACCase e EPSPS em 2011; ALS e ACCase em 2016; e EPSPS e ALS em 2017 (Heap, 2017).

Em 2017, a infestação com azevém resistente ao glifosato no Brasil é superior a quatro milhões de hectares, com a maior parte das áreas no Rio Grande do Sul (Figura 1). Já, as áreas infestadas com azevém resistente aos inibidores da ALS e ACCase no estado gaúcho eram superiores a 1200 hectares e 1000 hectares, respectivamente (Figuras 2 e 3).

Figura 1 – Região, em vermelho, infestada com azevém (Lolium multiflorum) resistente ao glifosato no Rio Grande do Sul. Embrapa Trigo, 2015.
Figura 1 – Região, em vermelho, infestada com azevém (Lolium multiflorum) resistente ao glifosato no Rio Grande do Sul. Embrapa Trigo, 2015.
Figura 2– Região, em azul, infestada com azevém (Lolium multiflorum) resistente aos inibidores da ALS no Rio Grande do Sul. Embrapa Trigo, 2015.
Figura 2– Região, em azul, infestada com azevém (Lolium multiflorum) resistente aos inibidores da ALS no Rio Grande do Sul. Embrapa Trigo, 2015.
Figura 3 – Região, em verde, infestada com azevém (Lolium multiflorum) resistente aos inibidores da ACCase no Rio Grande do Sul. Embrapa Trigo, 2015.
Figura 3 – Região, em verde, infestada com azevém (Lolium multiflorum) resistente aos inibidores da ACCase no Rio Grande do Sul. Embrapa Trigo, 2015.

A resistência consiste na capacidade inerente e herdável de um determinado biótipo de planta daninha sobreviver e reproduzir-se após a aplicação da dose recomendada de um determinado herbicida, que normalmente seria letal a população original (Heap & Lebaron, 2001; Gazziero et al., in Agostinetto, D.; Vargas, L, 2014). Existem dois tipos de resistência, a cruzada e múltipla. A resistência cruzada ocorre quando o biótipo é resistente a mais de um grupo químico dentro do mesmo mecanismo de ação herbicida. Já a resistência múltipla ocorre quando o biótipo é resistente a mais de um mecanismo de ação (Agostinetto; Vargas, 2014).

Para os casos de nabo resistente a ALS e azevém resistente a EPSPs, ALS e ACCase o aumento da dose não melhora o controle significativamente. Em trabalho realizado por Cechin (2016) foram necessárias doses 33 vezes e 274 vezes (115 g i.a/ ha e 959 g i.a/ha) superiores  a aquela recomendada para o herbicida iodosulfurom-metílico, para controlar nabo resistente a ALS, tornando a sua utilização inviável. Estudos realizados na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Embrapa Trigo, para determinar resistência cruzada entre os herbicidas iodosulfurom-metílico e pyroxsulam, evidenciaram que a aplicação de 16 vezes a dose comercial (56 g i.a/ ha  e 288 g i.a/ha) não controlou as plantas resistentes, o que torna inviável a aplicação desses herbicidas em plantas resistentes a inibidores da ALS. Já em trabalhos realizados com biótipos com resistência múltipla aos inibidores da ALS (iodosulfurom-metílico) e inibidores da ACCase (cletodim) foram necessárias 16 vezes e 15 vezes a dose comercial (56 g i.a/ ha e 1820 g i.a/ha), respectivamente, para se obter controle superior a 90% do biótipo resistente.

Plantas de azevém resistentes a herbicidas EPSPs e ALS
Plantas de azevém resistentes a herbicidas EPSPs e ALS

Os casos de resistência múltipla estão se tornando mais frequentes nos últimos anos, o que constitui uma ameaça para a agricultura. Este fato é preocupante pois reduz as alternativas de manejo químico para estas populações, juntamente com o aumento das perdas de produtividade nas culturas devido a presença de plantas daninhas nos cultivos. Além das dificuldades de controle devido à resistência, os custos de controle aumentam por conta da necessidade da aplicação de herbicidas com diferentes mecanismos de ação. Nesse contexto, o uso de diferentes métodos de controle de plantas daninhas (como por exemplo métodos físicos para evitar a produção de sementes dos biótipos resistentes) é fundamental para evitar a seleção, multiplicação e dispersão de plantas resistentes.

Manejo de azevém e nabo resistentes e perspectivas para controle

Práticas como a rotação de mecanismos de ação são importantes para aumentar o tempo de uso dos herbicidas e retardar a evolução da resistência. Para minimizar os efeitos da resistência e evitar o aumento da seleção de espécies tolerantes e resistentes e também prolongar o tempo de utilização eficiente dos herbicidas no controle de plantas daninhas recomenda-se adotar as medidas indicadas abaixo.

Medidas preventivas para minimizar efeitos da resistência

  • Realizar rotação de herbicidas com diferentes mecanismos de ação;
  • Destruir plantas suspeitas de resistência;
  • Fazer rotação de culturas;
  • Acompanhar a população de plantas daninhas a fim de detectar o aparecimento da resistência no início;
  • Evitar que plantas resistentes ou suspeitas produzam sementes e se disseminem pela área.

Os casos de resistência múltipla de azevém apresentam impacto direto no manejo, sendo necessária a utilização de herbicidas com distintos mecanismos de ação daqueles para os quais já há resistência documentada. Cada caso de resistência exige diferentes produtos e formas de manejo (Tabela 1).

Tabela 1
Tabela 1

Para o controle de azevém em pré-semeadura da cultura (dessecação) nos casos de resistência a EPSPs necessita-se a adição de herbicidas inibidores da ACCase ou aplicações isoladas de paraquat, paraquat+diuron ou glufosinato de amônio. Quando se utilizar paraquat, paraquat+diuron e glufosinato deve-se observar o estádio de aplicação, pois esses herbicidas controlam eficientemente plantas jovens de azevém, preferencialmente no início do perfilhamento.

Nos casos de resistência múltipla aos inibidores da EPSPs e ALS pode-se utilizar em dessecação paraquat, paraquat+diuron e glufosinato, ou glifosato associado com herbicidas inibidores da ACCAse. Em pós-emergência deve-se evitar o uso de iodosulfuron-metilico e pyroxsulam, ambos inibidores da ALS. Para os casos de resistência múltipla aos inibidores da EPSPs e ACCase, também restam os herbicidas de ação total, paraquat, paraquat+diuron e glufosinato para uso em dessecação. Em alguns casos de resistência a ACCase, o azevém pode apresentar resistência para apenas um grupo químico. Desta forma, se o azevém não é controlado pelos ariloxifenoxipropionatos (Fop’s), pode ser sensível as ciclohexanodionas (Din’s) e vice-versa. No entanto é necessário ter conhecimento prévio do histórico de aplicações na área para recomendação desse tipo de manejo e observar o intervalo entre a aplicação do herbicida e a semeadura, para evitar injúrias à cultura. Para pós-emergência deve-se evitar clodinafop-propargil em áreas com suspeitas de resistência a ACCase.

Quando o azevém apresenta resistência a ALS e ACCase, no manejo de dessecação seguem-se as mesmas recomendações para azevém resistente a ACCase. No entanto, para pós-emergência extinguem-se as ferramentas de controle, podendo ser utilizados inibidores da ALS ou ACCase, somente se previamente houver o conhecimento de  em quais grupos químicos ocorre a resistência, e se o biótipo presente na área apresenta resistência simples ou cruzada para aquele mecanismo de ação.

Diante desse cenário, a aplicação de herbicidas pré-emergentes é importante para reduzir a pressão de seleção na pós-emergência (Tabela 1). No entanto, atualmente não é registrado nenhum herbicida no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) para essa modalidade de aplicação, com controle de azevém em trigo. Pyroxasulfone é um novo herbicida pré-emergente, em fase de registro junto ao Mapa, que por ser um mecanismo diferente dos atualmente utilizados e que auxiliará no manejo de azevém resistente. Em fase de registro, também se encontra Pinoxadem, que apresenta seletividade para trigo e cevada em aplicações na pós-emergência, atuando como herbicida inibidor da ACCase mas em um novo grupo químico, o das Fenilpirazolinas (Den’s). Esses herbicidas auxiliarão no manejo de azevém resistente a ALS, e para ACCase quando o mecanismo de resistência não seja metabolização do herbicida. Outro fator preocupante é a perda da molécula paraquat por questões legais relacionadas à toxicologia do produto. Sem esse herbicida, lavouras com a presença de biótipos com resistência múltipla para EPSPs e ACCase, a única molécula disponível em dessecação será glufosinato de amônio, que além do problema da limitação quanto a estágio de aplicação, pode favorecer a seleção de biótipos de azevém resistentes como já é realidade nos Estados Unidos, por conta de seu uso continuado e repetido.

Figura 4 - Lavoura de trigo com azevém resistente a EPSPs e ACCase
Figura 4 - Lavoura de trigo com azevém resistente a EPSPs e ACCase

Os herbicidas disponíveis para uso em dessecação de nabo são 2,4-D, metsulfurom-metil, MCPA, dicamba, glifosato, glufosinato de amônio paraquate e paraquate + diuron. Enquanto os quatro primeiros controlam essencialmente nabo e outras folhas largas, o glifosato, glufosinato de amônio, paraquate e o paraquate + diuron são herbicidas de ação total, controlam tanto folhas largas quanto gramíneas.

Para pré-emergência somente metribuzim apresenta registro para controle de nabo, enquanto flumioxazin é uma importante ferramenta que pode ser utilizada nesta modalidade de aplicação, a fim de controlar a buva já no início do inverno, podendo o herbicida contribuir para redução da futura população de nabo na pós-emergência. Os herbicidas registrados para controle de nabo em pós-emergência são metsulfurom-metílico, pyroxsulam, iodosulfuron-metilico, bentazona, metribuzim, 2,4-D, dicamba e MCPA.

Metsulfurom-metílico, pyroxsulam, iodosulfuron-metilico são inibidores da ALS, enquanto metsulfuron controla apenas folhas largas, pyroxulam e iodosulfuron-metílico controlam tanto gramíneas quanto folhas largas. Bentazona e metribuzim, herbicidas inibidores do fotossistema II, podem ser aplicados para manejo de nabo em pós-emergência. No entanto, deve-se ter cuidado de realizar as aplicações nos estádios iniciais de crescimento da planta daninha. Os herbicidas auxínicos 2,4-D, dicamba e MCPA são eficientes no controle de nabo, mas a precaução quanto ao uso destes herbicidas reside no estádio da cultura para a aplicação. O uso destes produtos deve-se restringir apenas ao estádio de perfilhamento, pois aplicações precoces afetam os primórdios de espiguetas causando retenção das espigas, enquanto aplicações tardias afetam a esporogênese reduzindo a produtividade da cultura.

A presença de nabo resistente a ALS dificulta o manejo da planta daninha principalmente na pós-emergência do trigo, pois acaba-se restringindo a moléculas menos seguras em relação a injúrias à cultura, no caso dos auxínicos, ou estádios inicias de aplicação no caso de inibidores do fotossistema II. Para manejar os biótipos resistentes, o agricultor deve evitar o uso de herbicidas inibidores da ALS e utilizar a rotação de mecanismos de ação, principalmente na dessecação, onde se têm maiores alternativas, como também a utilização de pré-emergente, a fim de reduzir a pressão de seleção. Infelizmente, na prática a escolha do herbicida fica baseada apenas no custo e eficiência do produto, onde os auxínicos cumprem esses dois requisitos, e consequentemente são a principal forma de manejo em pós-emergência de nabo resistente a ALS em cereais de inverno. Caso a pulverização com auxínicos continuar nessa intensidade, possivelmente serão selecionados biótipos de nabo resistentes a estes herbicidas, como já é realidade na Austrália. Por isso, o máximo de esforços são necessários para evitar a perda deste importante grupo de herbicidas. Outro herbicida que pode ser boa alternativa para o controle de dicotiledôneas em pré-emergência em trigo é o saflufenacil (inibidor de Protox). Porém, este produto é limitado quanto ao estádio de aplicação da mesma forma que os herbicidas de ação total.

Diante do preocupante cenário da resistência de plantas daninhas aos herbicidas, é imprescindível que sejam seguidas as recomendações técnicas pensando-se no sistema produtivo com um todo. No manejo de plantas daninhas, além dos métodos químicos, devem-se ser empregados métodos físicos e culturais, com o objetivo de minimizar a reprodução e reabastecimento dos bancos de sementes de plantas daninhas no solo, bem como, sua dispersão para outras áreas. A rotação de culturas ajuda na diversificação dos tratos culturais e nos mecanismos de ação de herbicidas aplicados, o que favorece o manejo. Atitudes proativas irão contribuir para a sustentabilidade da atividade agrícola do ponto de vista da resistência de plantas daninhas aos herbicidas, garantindo a máxima produtividade das culturas e rentabilidade aos agricultores.

Artigo publicado na edição 217 da Cultivar Grandes Culturas, mês junho, ano 2017. 

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