Virada legal na biotecnologia: Brasil adere ao Tratado de Budapeste

Por Pedro Moreira, farmacêutico e agente da propriedade industrial

25.06.2025 | 15:27 (UTC -3)

No dia 24/06/2025, foi publicado o Decreto Legislativo nº 174 que oficializa a adesão do Brasil ao Tratado de Budapeste. A partir desta data, com essa medida, o país passa a integrar formalmente o sistema internacional que facilita a proteção patentária de invenções biotecnológicas, especialmente aquelas baseadas em microrganismos, eliminando barreiras operacionais e elevando o patamar de competitividade da pesquisa científica e da indústria nacional. A nova legislação representa um avanço significativo para o sistema de propriedade intelectual brasileiro, com impactos diretos sobre diversos setores industriais, particularmente na agricultura (biodefensivos e bioinsumos).

Em um pedido de patente, é necessária a descrição completa da invenção que se busca proteger. As orientações precisam ser claras o suficiente para que um técnico da área consiga reproduzir o produto comercial ou o processo produtivo sem esforços desnecessários ou exagerados. Nos casos em que a invenção envolve material biológico - microrganismos - a descrição por escrito não é considerada suficiente para atender a esse objetivo, sendo, assim, necessário, em complemento ao texto do pedido de patente, o depósito de amostras dos microrganismos em um centro de referência.

Nos últimos anos, o Brasil tem avançado em importantes frentes legislativas relacionadas com a proteção patentária em biotecnologia, com destaque sobre a discussão em torno do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 466/2022, visando ao ingresso do país no Tratado de Budapeste.

Esse tema traz implicações diretas para a proteção jurídica de inovações biológicas, sobretudo aquelas que envolvem o uso de microrganismos. A compreensão adequada desse cenário é essencial para pesquisadores, empresas, universidades e escritórios de consultoria que atuam com Propriedade Intelectual no Brasil.

O que é o Tratado de Budapeste e por que ele importa para o Brasil?

O Tratado de Budapeste, criado em 1977 e administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), estabelece que o depósito de microrganismos em uma Autoridade Depositária Internacional (IDA) seja reconhecido por todos os atuais 90 países signatários para fins de patentes. Assim, um depósito em uma dessas autoridades é válido para todos os signatários.

Até então, o Brasil ainda não era signatário desse tratado, o que obrigava empresas e pesquisadores brasileiros a enviarem amostras de microrganismos a centros no exterior, envolvendo altíssimos custos, exigências logísticas complexas e longos prazos.

Além disso, a adesão do Brasil ao tratado abre caminho para que instituições nacionais, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ou o Banco de Células do Rio de Janeiro, se tornem IDA’s reconhecidas, viabilizando os depósitos em território nacional. Hoje existem 52 IDA’s estrangeiras certificadas pelo tratado. As mais conhecidas são a American Type Culture Collection (ATCC), localizada nos EUA, e a Coleção Alemã de Microrganismos e Culturas Celulares (DSMZ), situada na Alemanha. Na América Latina, há apenas duas IDA’s: a Coleção Chilena de Recursos Genéticos Microbianos (CChRGM), no Chile, e a Coleção de Microrganismos do Centro Nacional de Recursos Genéticos (CM-CNRG), no México.

Há urgência em desburocratizar, agilizar e reduzir custos

Em 2010, a Embrapa precisou enviar três plasmídeos da bactéria Escherichia coli ao ATCC, nos EUA. Para isso, contratou um transporte especializado de material biológico, responsável por coletar os exemplares no laboratório e levá-los ao aeroporto internacional de Brasília. A remessa exigiu trâmites complexos, incluindo embalagens específicas, formulários técnicos e o pagamento de uma taxa adicional à companhia aérea. Já nos EUA, foi necessário acionar um procurador local para liberar o material na alfândega e entregá-lo ao ATCC, que cobra atualmente US$ 2.500,00 por microrganismo (mais de R$ 12 mil), valor que cobre recebimento, teste de viabilidade e conservação do material por 30 anos.

Outro benefício direto da adesão ao Tratado de Budapeste é o ganho de tempo na solicitação e no trâmite de patentes biotecnológicas. Atualmente, o inventor só pode protocolar o pedido no INPI após o depósito do material biológico em uma IDA no exterior, o que envolve longos prazos de envio, alfândega e controle sanitário. Como microrganismos têm vida útil limitada, atrasos podem torná-los inviáveis. Foi o que ocorreu com a Embrapa no envio dos plasmídeos de E. coli em 2010: na primeira tentativa, os materiais chegaram mortos aos EUA, obrigando a repetição de todo o processo, com custos e tempo duplicados. A existência de um centro depositário no Brasil evitaria esse tipo de contratempo, acelerando o ciclo da inovação.

Exemplos práticos

Impactos setoriais da adesão ao Tratado de Budapeste

A adesão trará benefícios significativos a diversos setores.

Agronegócio e biotecnologia agrícola:

  • A principal utilização dos microrganismos no Brasil atualmente é na área da agricultura, com os bioinsumos.
  • Facilita a proteção de bioinsumos, como microrganismos promotores de crescimento e agentes de controle biológico.
  • Incentiva pesquisa e desenvolvimento (P&D) em agricultura sustentável e o fortalecimento de cadeias produtivas baseadas em inovação nacional.

Farmacêutico e saúde:

  • Permite a patenteabilidade plena de probióticos, vacinas, antibióticos e terapias inovadoras baseadas em microrganismos.
  • Reduz barreiras para startups e centros de pesquisa biomédica no Brasil.

Ambiente e recursos genéticos:

  • Valoriza a biodiversidade brasileira, ao permitir a proteção formal envolvendo microrganismos endêmicos ou simbióticos.
  • Exige mecanismos sólidos de repartição de benefícios e combate à biopirataria, promovendo o uso sustentável e soberano dos recursos naturais.

Academia e pesquisa pública:

  • Democratiza o acesso ao sistema de patentes para pesquisadores, universidades e instituições públicas de pesquisa.
  • Transforma o Brasil em possível referência regional na proteção de ativos microbiológicos.

Indústria química:

  • Estimula o desenvolvimento de produtos e processos fermentativos, enzimas industriais e biotransformações patenteáveis.
  • Aumenta a competitividade internacional de produtos brasileiros com base biotecnológica.

Conclusão: momento decisivo e janela de oportunidades

A aprovação do PDL e sua conversão em decreto legislativo, incorporando o Brasil ao Tratado de Budapeste, é um marco histórico para o sistema de patentes no país, com potencial de gerar ganhos de eficiência, soberania tecnológica e competitividade global. Estamos diante de uma janela estratégica para fomentar a inovação, ampliar a proteção de ativos biológicos e apoiar os diferentes elos da cadeia produtiva nacional. Além disso, a adesão ao Tratado tende a reduzir significativamente o tempo e os custos com envios internacionais e trâmites no exterior, promovendo celeridade e economia financeira direta para pesquisadores, empresas e instituições brasileiras que atuam com biotecnologia.

Por Pedro Moreira, farmacêutico e agente da propriedade industrial

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