Radiografia da ferrugem-asiática

O controle químico continua sendo a principal ferramenta para combater a enfermidade e a resistência do fungo à aplicação de fungicidas permanece como a maior preocupação

05.09.2022 | 14:17 (UTC -3)

Na safra 2017/18 Phakopsora pachyrhizi não causou perdas significativas de produtividade na maioria das regiões brasileiras. O Paraná foi o estado mais afetado pela doença.  O controle químico continua sendo a principal ferramenta para combater a enfermidade e a resistência do fungo à aplicação de fungicidas permanece como a maior preocupação.

Com as lavouras de soja em fase final de colheita da safra 2017/18, estimativas divulgadas em meados do mês de abril mostram que a produção brasileira de soja deverá totalizar 114,962 milhões de toneladas, com aumento de 0,8% sobre a safra da temporada anterior e produtividade média de 3.276 kg/ha (Conab, 2018). A boa produtividade reflete as condições de clima que, de forma geral, favoreceram a cultura e desenha uma nova “supersafra” de soja no Brasil, com estados como Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, registrando recordes de produtividade. Nesse contexto, a ocorrência da ferrugem-asiática, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, continua tendo um papel relevante, pois o seu controle reflete no custo de produção das lavouras e na obtenção de boas produtividades.

O controle da ferrugem-asiática é feito por meio da adoção de diversas práticas de manejo, mas o patossistema que envolve a doença tem se mostrado dinâmico, com alteração a cada safra, trazendo a necessidade de constante aperfeiçoamento dessas práticas à medida que novos conhecimentos são adquiridos.

O vazio sanitário mantém-se como uma medida importante e, embora com frequência sejam debatidos assuntos como duração, datas de vigência e eficiência da medida, o consenso geral é de que deve ser mantido nos estados onde já existe e adotado onde ainda não existe. Com isso, o estado do Rio Grande do Sul, como o último grande produtor sem vazio sanitário, está discutindo a criação da medida. Por sua vez, os estados de Santa Catarina, em 2017, e do Piauí, em 2018, estabeleceram vazio sanitário e a Bahia aumentou seu período de 60 para 99 dias (Figura 1).

Figura 1 – Períodos de vazio sanitário da soja em estados brasileiros.
Figura 1 – Períodos de vazio sanitário da soja em estados brasileiros.

Outra medida legislativa que vem sendo adotada mais recentemente é a calendarização do período de semeadura da soja. Essa medida tem como objetivo restringir semeaduras muito tardias, que costumam demandar maior quantidade de aplicações com fungicidas, em razão da ocorrência precoce da ferrugem-asiática, consequentemente, podendo agravar o problema de resistência do fungo aos fungicidas. Até o momento, sete estados adotaram o calendário para limitar o período de semeadura da soja e, em alguns, o limite para colheita (Figura 2). Mesmo assim, casos de semeaduras tardias, infringindo as normativas estaduais, foram verificados.

Figura 2 – Calendário de período de semeadura da soja em estados brasileiros.
Figura 2 – Calendário de período de semeadura da soja em estados brasileiros.

A semeadura da soja no início da época recomendada é de extrema importância porque permite o “escape” em relação ao período de ocorrência mais severa da ferrugem-asiática. Nesta safra não foi diferente, pois apesar do atraso das chuvas em algumas regiões, a maioria das lavouras foi semeada cedo e, quando a doença ocorreu, as lavouras já estavam na fase de enchimento de grãos (R5) ou mais adiantadas, em 86% das ocorrências registradas no site do Consórcio Antiferrugem (Figura 3). Isso resultou em bom controle da doença com fungicidas e possibilitou que grande parte das lavouras não tivesse perda de produtividade causada pela doença.

Figura 3 - Número de ocorrências de ferrugem-asiática por estádio de desenvolvimento da soja. Safra 2017/18. Fonte: Consórcio Antiferrugem.
Figura 3 - Número de ocorrências de ferrugem-asiática por estádio de desenvolvimento da soja. Safra 2017/18. Fonte: Consórcio Antiferrugem.

O controle químico continua sendo a principal ferramenta para combater a ferrugem-asiática, e a resistência do fungo aos fungicidas permanece como a maior preocupação em relação a esse método de controle. A ocorrência da resistência é fato consumado, mas a complexidade de sua distribuição e de sua frequência parece ter aumentado nas duas últimas safras. O uso de diversos grupos químicos e programas mais elaborados de manejo, além da alta variabilidade natural do fungo, parecem estar contribuindo para situações variadas de maior ou menor eficiência dos fungicidas utilizados.

A oferta de cultivares com gene(s) de resistência foi um avanço, embora ainda em número reduzido de materiais no mercado. Embora não eliminem a necessidade de uso de fungicidas, a doença evolui mais lentamente nessas cultivares, o que pode dar maior segurança aos produtores, por exemplo, em uma situação em que a condição climática não permita a aplicação de fungicida no momento correto. É importante ressaltar que o uso contínuo de uma mesma cultivar pode resultar em perda de efetividade do gene de resistência que a cultivar possui, por isso deve-se rotacionar cultivares com diferentes genes de resistência.

Figura 4 – Datas das primeiras ocorrências de ferrugem-asiática, por estado, na safra 2017/18. Fonte: Consórcio Antiferrugem.
Figura 4 – Datas das primeiras ocorrências de ferrugem-asiática, por estado, na safra 2017/18. Fonte: Consórcio Antiferrugem.

A seguir é apresentado um resumo de como foi o andamento da safra 2017/18 de soja nos principais estados produtores do Brasil, com foco na ocorrência da ferrugem-asiática. As informações foram obtidas do Consórcio Antiferrugem, do Rally da Safra 2018, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), de agências estaduais ligadas a agricultura e de comunicações recebidas de técnicos e agricultores ligados a cadeia de produção da soja.

Raio-x da safra

Região Nordeste (Bahia, Maranhão e Piauí)

Nessa região, de forma geral, choveu de maneira regular durante a safra, proporcionando bom desenvolvimento das plantas. A pressão de ferrugem-asiática e outras doenças foi baixa durante grande parte do ciclo da cultura, com moderado incremento de severidade no final do ciclo, em final de março e início de abril. Com isso, estão previstas produtividades recordes nesses três estados. No site do Consórcio Antiferrugem o primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial foi em 03/01/18 na Bahia e 16/02 no Maranhão.

Região Norte (Rondônia, Tocantins e Pará)

Nessa região, de forma geral, as lavouras tiveram boas condições para o seu desenvolvimento e apresentaram alta produtividade de maneira geral. A pressão de ferrugem-asiática e de outras doenças foi baixa durante grande parte do ciclo da cultura. Com isso estão previstas produtividades recordes nesses quatro estados. No site do Consórcio Antiferrugem o primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial foi em 18/01 no Tocantins e 13/04 no Pará.

Em Rondônia, a semeadura de soja tardia (safrinha) no estado não está regulamentada e vem sendo realizada sob o monitoramento da Agência de Defesa Sanitária Agrossilvipastoril do Estado de Rondônia (IDARON). Embora a ferrugem-asiática tenha sido bem controlada na safra normal, foram comunicados registros de alta severidade de ferrugem em semeaduras mais tardias. O primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial foi no dia 28/12/17, dezenove dias mais cedo que na safra anterior.

Região Centro-Oeste (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás)

No Mato Grosso, a semeadura da soja ocorreu como planejado no médio-norte e no oeste, mas com algum atraso no sudeste e no leste. As boas condições climáticas proporcionaram altas produtividades em quase todo o estado, com exceções pontuais onde ocorreram perdas por causa da seca no meio do ciclo ou do excesso de chuva na colheita. O manejo da ferrugem-asiática foi eficiente, sendo a primeira ocorrência da doença em área comercial registrada no dia 22/12/17, dezenove dias mais tarde que na safra anterior.

No Mato Grosso do Sul, as condições climáticas foram favoráveis na maioria das regiões, proporcionando alta produtividade para o estado. Ocorrências de excesso de chuva na colheita causaram perdas pontuais. O manejo da ferrugem-asiática foi eficiente de forma geral, mas com maior severidade em cultivos tardios no sul do estado. O primeiro relato em área comercial foi no dia 02/01/18, 43 dias mais tarde que na safra anterior.

Em Goiás, embora tenha ocorrido atraso na semeadura no sudoeste, a maior parte das lavouras no estado se desenvolveram com uniformidade e apresentaram altas produtividades. O primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial foi no dia 27/12/17, e embora tenha ocorrido 14 dias mais cedo que na safra anterior, a doença apresentou baixa severidade e foi manejada com eficiência. Maiores perdas foram observadas em lavouras semeadas tardiamente no centro-norte. Áreas de soja safrinha semeadas em período irregular foram autuadas pela agência de defesa estadual nessa safra.

Região Sudeste (São Paulo e Minas Gerais)

Em São Paulo, as lavouras tiveram boas condições para o seu desenvolvimento e apresentaram alta produtividade de maneira geral. No entanto, a ocorrência irregular de chuvas e abaixo do normal no mês de fevereiro, prejudicou algumas lavouras. A ocorrência de ferrugem-asiática foi baixa na maior parte do ciclo da cultura, sendo o primeiro relato da doença em área comercial em 20/11/17, nove dias mais tarde que na safra anterior.

Em Minas Gerais, as produtividades das lavouras foram boas, superando a safra passada, que também teve bons resultados. Embora a ferrugem-asiática tenha sido relatada em área comercial em 30/11/17, 34 dias mais cedo que na safra anterior, a evolução da doença foi lenta, possibilitando bom controle na maioria das lavouras.

Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul)

No Paraná, apesar do atraso no início das chuvas no oeste do estado, 66% e 98% das áreas já estavam semeadas até o final de outubro e novembro, respectivamente. Períodos longos com chuva e alta nebulosidade, entre dezembro e janeiro, causaram distúrbios fisiológicos como queda de vagens, alongamento de ciclo e atraso da colheita, em algumas regiões, baixando a produtividade média do estado em relação à safra anterior. Com isso, a ocorrência de doenças também foi favorecida em algumas regiões, com registros de ocorrência de mofo-branco e podridão radicular de Phytophthora. De maneira geral, o controle da ferrugem-asiática foi eficiente, mas com perdas pontuais onde a chuva impediu a entrada na lavoura para realizar o controle da doença no momento adequado. Há relatos de soja semeada tardiamente com mais de seis aplicações. A Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (ADAPAR) autorizou, excepcionalmente nessa safra, semeadura até o dia 15/01/18, em decorrência do atraso no início das chuvas. O primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial foi realizado no dia 23/11/17, sete dias mais tarde que na safra anterior.

Em Santa Catarina, o excesso de chuva durante alguns períodos do ciclo da cultura, propiciaram a ocorrência de doenças em algumas áreas. Foram registradas ocorrências de mofo-branco, na região do Planalto, e maior severidade da ferrugem-asiática em áreas semeadas tardiamente. O primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial foi no dia 18/12/17, 20 dias mais cedo que na safra anterior. De forma geral, a produtividade do estado deve ser boa, embora abaixo da obtida na última safra.

No Rio Grande do Sul, a seca atingiu com maior intensidade o Sul do estado, o que provocou acentuada queda na produtividade esperada. Nas demais regiões as chuvas foram regulares, favorecendo principalmente as semeaduras com cultivares precoces. Cultivares mais tardias poderão ter a produtividade reduzida por causa da estiagem ocorrida no mês de março, principalmente na região oeste do estado. Na região serrana foram registradas ocorrências de mofo-branco e no Planalto Médio, ataques de oídio.  O primeiro relato de ferrugem-asiática em área comercial se deu no dia 16/11/17, 34 dias mais cedo que na safra anterior, sendo esse registro em lavoura semeada excepcionalmente cedo para a região, na primeira quinzena de setembro. De forma geral, a ferrugem-asiática foi bem controlada, mas a produtividade do estado será abaixo da obtida na última safra em decorrência dos problemas com seca, embora não configure uma quebra de safra.

Considerações finais

A ferrugem-asiática não causou perdas significativas de produtividade na maioria das regiões, sendo o Paraná o estado mais afetado com a doença na safra 2017/18.

Além de ter que contar com o clima favorável, o setor produtivo da soja tem conseguido bom controle da doença por meio da adoção conjunta das diversas ferramentas de manejo disponíveis. No entanto, essas estratégias devem ser utilizadas de forma adequada com objetivo de maior eficiência e menor custo. O manejo da resistência do fungo aos fungicidas é um tema prioritário, o desenvolvimento de cultivares com genes de resistência deve ser intensificado, e modernas tecnologias para monitoramento das doenças e para aplicação de produtos devem ser buscadas.

As medidas legislativas para regulação do cultivo da soja têm trazido benefícios no controle da ferrugem-asiática, mas também são passíveis de serem modificadas à medida que novos conhecimentos são adquiridos, de forma que atendam às necessidades do setor produtivo, sem colocar em risco o futuro da sojicultora do País.

Artigo publicado na edição 228 da Cultivar Grandes Culturas, mês maio, ano 2018.

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