Melhor época para semeadura de soja em terras baixas

A escolha da data de semeadura da soja não acarreta custos ao produtor e modifica o potencial produtivo e a disponibilidade de água ao longo do ciclo de desenvolvimento. Além disso, é uma estratégia para minimizar o risco de perda de produtividade em função de estresses.

25.08.2022 | 17:41 (UTC -3)

A escolha da data de semeadura da soja não acarreta custos ao produtor e modifica o potencial produtivo e a disponibilidade de água ao longo do ciclo de desenvolvimento. Além disso, é uma estratégia para minimizar o risco de perda de produtividade em função de estresses.

Para a obtenção de alto potencial produtivo da soja é necessário coincidir a condição climática de acordo com as necessidades da soja nos diferentes estágios de desenvolvimento. Isso pode ser ajustado pela adequada definição da época de semeadura, assim como do Grupo de Maturidade Relativa (GMR) das cultivares.

Entretanto, nem sempre as maiores produtividades são obtidas em lavouras semeadas na época previamente considerada ideal. Isso ocorre em função dos inúmeros estresses que podem ocorrer ao longo do ciclo devido a variação do tempo entre anos. Particularmente, as áreas de terras baixas apresentam relevo plano e baixa taxa de infiltração de água no solo, o que torna frequente a ocorrência de excesso hídrico, reduzindo a germinação de sementes, a população de plantas e a fixação biológica de nitrogênio. Esse ambiente também prejudica o crescimento de raízes e consequentemente o reduz o volume de solo explorado, intensificando a deficiência hídrica.

A essa altura, você deve estar se perguntando: Como fazer para evitar a ocorrência desses estresses e obter uma alta produtividade no final da safra? Não se trata de uma resposta simples e objetiva, pois as condições meteorológicas são diferentes a cada ano. Entretanto, o conhecimento de padrões, ou seja, do que normalmente acontece pode auxiliar no estabelecimento de estratégias de manejo visando à minimização dos riscos, dentre as quais, a definição da época de semeadura.

Então, como saber o que normalmente acontece se a obtenção de dados e o cultivo de soja em terras baixas passaram a apresentar maior relevância há poucos anos? Esse foi exatamente o foco desse trabalho, ou seja, obter dados de excesso e déficit hídrico que ocorreram no ciclo para diferentes datas de semeadura em mais de 45 anos agrícolas a partir da modelagem matemática do desenvolvimento da soja, dados de solo, balanços hídricos diários e análises de probabilidade. Desta forma, foi determinada a magnitude dos riscos de ocorrência de déficit e excesso hídrico em função da data de semeadura para duas regiões de grande importância, Central e Sul do RS.

De maneira geral, o risco de ocorrência de déficit hídrico durante o ciclo da soja apresenta tendência decrescente ao longo do calendário de semeadura em ambos os locais estudados (Figura 1). O risco de seca foi menor em Pelotas do que em Santa Maria, principalmente devido à menor evapotranspiração da cultura no Sul do RS. De maneira geral, essa tendência de decréscimo pode ser considerada similar para as demais regiões de cultivo de soja no RS, porém com as diferenças específicas de magnitude de acordo com as características pluviométricas, da capacidade de armazenamento de água dos diferentes solos e de demanda atmosférica por água em cada região.

Figura 1. Probabilidade de ocorrência de déficit hídrico igual ou maior que 50, 75, 100 e 150 mm durante o ciclo da soja, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A) e Pelotas (B)
Figura 1. Probabilidade de ocorrência de déficit hídrico igual ou maior que 50, 75, 100 e 150 mm durante o ciclo da soja, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A) e Pelotas (B)

Analisou-se também o risco de déficit hídrico especialmente para dois subperíodos críticos da soja. Para o subperíodo compreendido entre o início da floração (R1) e o início do enchimento de grãos (R5), verifica-se que o maior risco de ocorrência de déficit hídrico coincide com as semeaduras de outubro, principalmente para os níveis de 25, 50 e 75 mm de déficit hídrico, sendo que a partir de 01/nov há um decréscimo linear dos valores de probabilidade (Figura 2A, 2C). Já para o subperíodo entre R5 e a maturação fisiológica (R7) verifica-se uma tendência decrescente de 21/set para 31/dez, considerando os níveis de risco de 25, 50 e 75 mm em ambas as regiões (Figura 2B, 2D).

Figura 2. Probabilidade de ocorrência de déficit hídrico igual ou maior que 5, 10, 25, 50 e 75 mm acumulados durante os subperíodos R1-R5 e R5-R7, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A, B) e Pelotas (C, D)
Figura 2. Probabilidade de ocorrência de déficit hídrico igual ou maior que 5, 10, 25, 50 e 75 mm acumulados durante os subperíodos R1-R5 e R5-R7, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A, B) e Pelotas (C, D)

O risco de ocorrer excesso hídrico durante o ciclo de desenvolvimento é maior para a soja semeada precocemente (Figura 3). Assim, por exemplo, semeaduras de 21/09 em Santa Maria apresentam probabilidade de 78% dos anos de que ocorra 35 ou mais dias de excesso hídrico ao longo do ciclo da soja, reduzindo esse risco para 35 % dos anos para a semeadura de 21/dez (Figura 3A). Essa interpretação pode ser utilizada para todas as demais datas de semeadura. Para a região de Pelotas tem-se menor risco de excesso hídrico no ciclo para semeaduras a partir de 21/nov (Figura 3B).

Figura 3. Probabilidade de ocorrência de excesso hídrico igual ou maior que 25, 30, 35, 40 e 45 dias durante o ciclo da soja, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A) e Pelotas (B)
Figura 3. Probabilidade de ocorrência de excesso hídrico igual ou maior que 25, 30, 35, 40 e 45 dias durante o ciclo da soja, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A) e Pelotas (B)

O risco de ocorrência de excesso hídrico nos subperíodos compreendidos entre a semeadura (S) e a emergência (EM) e entre a EM e primeira folha trifoliolada (V2) é maior nas primeiras datas de semeadura (Figura 4). Para o nível de risco de ocorrência de pelo menos quatro dias de excesso hídrico, as semeaduras simuladas até 01/nov apresentaram probabilidade acima de 80% dos anos. Assim, com exceção dos anos em que não ocorre excesso hídrico nesses subperíodos (cerca de 25% dos anos), em oito a cada dez anos em que for realizada a semeadura da soja nestas datas ocorrerão quatro ou mais dias de excesso hídrico no solo, o que é extremamente prejudicial ao processo germinativo podendo levar à necessidade de ressemeadura. Por outro lado, a partir de 11/nov os riscos são significativamente menores, inclusive o risco de ocorrer 8 ou 12 dias com excesso hídrico (Figura 4), havendo maiores chances de obter um adequado estabelecimento inicial da soja.

Figura 4. Probabilidade de ocorrência de excesso hídrico igual ou maior que 2, 4, 8, e 12 dias acumulados durante os subperíodos S-EM e EM-V2, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A, B) e Pelotas (C, D)
Figura 4. Probabilidade de ocorrência de excesso hídrico igual ou maior que 2, 4, 8, e 12 dias acumulados durante os subperíodos S-EM e EM-V2, considerando onze datas de semeadura simuladas em cada ano do período de 1971 a 2017 em Santa Maria (A, B) e Pelotas (C, D)

Considerações finais

De maneira geral, verificam-se situações opostas que dificultam a definição da data de semeadura ideal para a soja em terras baixas. Se por um lado há um decréscimo do potencial de produtividade em semeaduras realizadas a partir do início de novembro, de outro é no início do calendário de semeadura da soja que os riscos de estresse, tanto por déficit quando por excesso hídrico são maiores.

Considerando os dados desse trabalho e os dados da literatura, pode-se afirmar que a janela de semeadura preferencial, com alto potencial produtivo e menor risco hídrico, estaria compreendida entre 15/10 e 15/11. Semeaduras realizadas antes de 15 de outubro, apesar de apresentarem alto potencial de produtividade em anos sem falta ou excesso de chuva, devem ser evitadas visando reduzir o risco de perdas por estresse hídrico, que é muito alto. Semeaduras a partir de 01/Nov reduzem significativamente os riscos na Metade Sul do RS. Cabe ressaltar também, que semeaduras realizadas na segunda quinzena de outubro deveriam ser consideradas apenas por produtores com práticas de manejo já consolidadas, em áreas com bom sistema de drenagem e sem risco de alagamento por elevação do nível dos rios.

Mateus PossebonBortoluzzi,

Universidade de Passo Fundo (UPF)

Arno Bernardo Heldwein,

Universidade Federal de Santa Maria

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