Podridão Floral dos Citros: atualizações sobre o manejo da doença
Por Geraldo José Silva Júnior (Fundecitrus), Maria Cândida de Godoy Gasparoto (Unesp), André Bueno Gama (Louisiana State University)
18.01.2024 | 14:42 (UTC -3)
De tempos em tempos, a podridão floral dos citros (PFC) mostra seu potencial de dano nos pomares paulistas: a produção de frutos cítricos é significativamente afetada pela queda precoce dos frutos infectados pelo fungo Colletotrichum abscissum (C. acutatum) e, em menor frequência, mas também presente, pelo fungo C. gloeosporioides. Os pomares que mais sofrem com a doença são aqueles em que o período de florescimento das plantas coincide com chuvas frequentes e bem distribuídas, além de temperaturas variando entre 20°C e 30°C, o que é mais comum, por exemplo, no sudoeste paulista.
Desde que ocorram condições climáticas adequadas ao desenvolvimento da doença, todas as variedades comerciais de citros são afetadas pela PFC. Porém, podem ser observados sintomas mais severos naquelas em que ocorrem diferentes surtos de florescimento das plantas, como no caso da laranja "Pera", ou naquelas com floradas longas, como a laranja "Natal". A infecção pelo fungo pode acontecer a partir do momento em que os botões florais estão iniciando a exposição do tecido branco das pétalas, porém as fases mais propícias são as de botão expandido (“cotonete”) e de flor aberta.
Os sintomas da PFC (Figura 1) são observados nas pétalas das flores infectadas, nas quais formam-se lesões alaranjadas ou marrons, e nos estiletes e estigmas que apresentam lesões negras. Os frutos recém-formados tornam-se amarelos e caem. Geralmente, após a queda do frutinho, o cálice permanece retido no ramo por até 18 meses e é então denominado “estrelinha”, nome popular da doença. As folhas próximas aos botões florais infectados ficam distorcidas. Sabendo-se que o principal meio de disseminação dos esporos do fungo é por respingos de água na copa das plantas, não é de se estranhar que as estrelinhas se mostrem agrupadas em um mesmo ramo ou setor da planta. Os esporos são estruturas microscópicas do fungo responsáveis pela infecção das flores, quando estas são presentes em condições climáticas favoráveis ao desenvolvimento da PFC. Entre as safras, os esporos se mantêm viáveis sobre as folhas após germinarem e formarem os apressórios, sem causar sintomas, esperando a próxima florada com chuva para novamente iniciar seu ataque.
A adoção de medidas de manejo que contribuam para uma florada mais uniforme e fora do período chuvoso previne a doença. Dentre essas medidas, pode-se citar: irrigação dos pomares de modo a antecipar a descontinuidade do estresse hídrico; adubação adequada dos pomares para evitar florescimentos desuniformes ou surtos de florescimentos, principalmente com bons níveis de cálcio; eliminação de plantas debilitadas e manutenção da sanidade geral do pomar, prevenindo surtos de florescimento antes da florada principal.
Adicionalmente, a pulverização preventiva das plantas com fungicidas é a medida mais aplicada pelos citricultores nas regiões onde as condições climáticas favorecem a doença. Para pomares que têm seus frutos destinados à industrialização e exportação do suco, os fungicidas recomendados são aqueles incluídos na lista ProteCitrus (Produtos para Proteção da Citricultura, fundecitrus.com.br/protecitrus). Esses fungicidas pertencem aos grupos químicos das estrobilurinas (inibidores da quinona externa, QoI) e dos triazóis (inibidores da desmetilação dos esteróis, DMI). As misturas formuladas de triazóis com estrobilurinas, mesmo sem adjuvantes, são as mais eficientes no controle da PFC.
Apesar da comprovada eficiência, a aplicação de fungicidas deve ser realizada cautelosamente, uma vez que ambos os fungicidas citados são sítio-específicos, ou seja, interferem em processos metabólicos específicos dos fungos e, dessa maneira, a seleção de indivíduos resistentes na população do fungo pode levar à perda da eficiência desses produtos ao longo dos anos de uso indevido. Ameaçados por uma doença altamente dependente das condições climáticas, muitos citricultores (principalmente aqueles que, no passado, já tiveram prejuízos em sua produção) ficam sem alternativa e acabam aplicando preventivamente os fungicidas em todas as safras, independentemente da real necessidade desse tipo de proteção, já que epidemias de PFC que causam perdas significativas são esporádicas.
Dessa maneira, para evitar aplicações desnecessárias e/ou em épocas desfavoráveis ao desenvolvimento da PFC, nos últimos anos, o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura), em parceria com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP) e a Universidade da Flórida, investiu e desenvolveu um sistema de previsão da doença (previsaopfc.fundecitrus.com.br), que é gratuito e pode ser acessado por qualquer citricultor ou parceiro do Fundecitrus, desde que entre em contato com o Fundecitrus (fundecitrus.com.br/contato). Este sistema alerta o citricultor sobre o momento mais adequado de proteger as flores, por meio da estimativa da intensidade da doença no pomar em função das condições climáticas locais. Detalhes sobre o sistema de previsão podem ser encontrados na reportagem da Revista Cultivar HF, nº 122, “Risco Calculado” (revistacultivar.com.br/revistas/hortalicas-e-frutas/122).
O sistema conta atualmente com mais de 220 estações meteorológicas instaladas em fazendas de citros em São Paulo, Minas Gerais e Paraná. No parque citrícola paulista, as estações já monitoram em torno de 40% da área citrícola. Estas estações permitem calcular os riscos de ocorrência da PFC com base nos dados coletados de temperatura e molhamento que estimam a germinação dos esporos do fungo. A porcentagem de esporos germinados tem relação com a quantidade de flores infectadas pelo fungo. Os dados são enviados ao sistema por meio das estações meteorológicas e são transformados em alertas de risco ao produtor (de baixo a extremo), que pode decidir sobre a pulverização de seus pomares, acessando o sistema por seu computador ou celular.
Devido ao tamanho das propriedades citrícolas do Brasil, o produtor pode não conseguir pulverizar a área toda logo após receber os alertas. Por este motivo, o sistema de previsão da PFC também fornece a previsão de risco de ocorrência da PFC para os próximos quatro dias, para que o produtor possa programar as pulverizações com antecedência. Contudo, em algumas situações, as pulverizações podem ser realizadas horas ou dias após a ocorrência das condições ótimas para o desenvolvimento da PFC. Esse atraso nas aplicações acontece por diversos motivos, tais como: disponibilidade de maquinário, impossibilidade de entrar em áreas muito afetadas por chuvas fortes, ou apenas pelas plantas ainda estarem molhadas, o que prejudica a eficácia dos fungicidas pulverizados. A redução do volume de calda (20 a 40 ml/m³), o aumento da velocidade de trabalho (até 7 km/h) e o uso de calda pronta ou fontes de água para abastecimento dos tanques próximas aos talhões são estratégias que ajudam a otimizar o rendimento operacional das aplicações em grandes fazendas.
Adicionalmente, estudos foram conduzidos em casa de vegetação com o objetivo de avaliar a eficácia de fungicidas pulverizados antes e depois da ocorrência de condições ótimas para o desenvolvimento da doença. Resultados preliminares mostram que as pulverizações realizadas anteriormente à ocorrência das condições favoráveis são mais eficazes (até 95% de controle) do que aquelas realizadas após a ocorrência de condições ótimas para o desenvolvimento da PFC.
Geralmente, a aplicação da mistura de triazol com estrobilurina confere proteção satisfatória desde que seja aplicada até um dia após a ocorrência das condições ótimas. Porém, a eficiência dos fungicidas aplicados de forma curativa tem sido muito variável, pois as temperaturas podem acelerar ou retardar tanto o desenvolvimento das flores, quanto a germinação dos esporos. Se as temperaturas estiverem muito altas, as flores poderão se desenvolver mais rapidamente e essa proteção, após a condição climática favorável, poderá ser inferior a 50%. Portanto, o controle efetivo da PFC requer o uso de fungicidas adequados ao controle da doença e necessita ser realizado no momento correto, preferencialmente antes da ocorrência de condições favoráveis à doença ou, no máximo, um dia após com as misturas dos fungicidas. As chuvas também podem aumentar a remoção dos fungicidas das flores e, quanto mais volumosas, maior será a lavagem dos produtos. Adicionalmente, as chuvas consecutivas que prolongam o molhamento das flores por três ou mais dias podem gerar alertas de risco extremo de PFC e a proteção adicional das flores com os fungicidas poderá ser requerida.
O Fundecitrus vem testando diferentes produtos, sejam químicos (ex.: carboxamidas, inibidores da succinato desidrogenase, SDHI) ou biológicos (ex.: bactérias Bacillus spp.). Entretanto, até o momento nenhum desses produtos apresentou potencial para ser introduzido no manejo da PFC. Resultados preliminares mostraram que plantas de laranja doce adubadas com nitrato de cálcio têm apresentado incidências de flores com PFC inferiores quando comparadas com laranjas adubadas com nitrato de amônio. A aplicação do caulim sobre a superfície das flores de citros também contribuiu para reduzir a intensidade dos sintomas de PFC. As informações atualizadas sobre a PFC e seu manejo podem ser encontradas nos materiais técnicos (guias e manuais), no site e nas redes sociais do Fundecitrus.
Por Geraldo José Silva Júnior (Fundecitrus), Maria Cândida de Godoy Gasparoto (Unesp), André Bueno Gama (Louisiana State University)
» artigo publicado na edição 143 da Revista Cultivar Hortaliças e Frutas
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