Impactos do milho voluntário na soja e estratégias para o manejo

Por Guilherme Braga Pereira Braz (Universidade de Rio Verde); Sergio de Oliveira Procópio (Embrapa Meio Ambiente); Dieimisson Paulo Almeida (Cooperativa Comigo)

27.09.2024 | 15:37 (UTC -3)

O sistema de produção que tem sido mais amplamente utilizado no Brasil é a sucessão soja e milho dada a boa rentabilidade que ambas as culturas apresentam. Mesmo possuindo pontos positivos, vale destacar que a continuidade de uso da sucessão soja e milho pode criar gargalos de produção para os ambientes no qual a mesma é adotada. Entre os entraves gerados pela utilização exclusiva deste sistema de produção, pode-se destacar a ocorrência de plantas voluntárias (tigueras) na lavoura subsequente. As plantas voluntárias quando em convivência com a cultura, passam a se comportar como plantas daninhas verdadeiras, interferindo no desenvolvimento e produtividade.

As plantas voluntárias podem emergir de sementes com anomalias que foram semeadas em safras anteriores, ou ainda, de grãos oriundos de perdas na colheita. Em função das características de agressividade do milho, verifica-se que esta espécie apresenta competitividade superior à da soja, tendo em vista que se trata de uma espécie de metabolismo fotossintético C4 em relação a uma C3. Neste sentido, a presença de plantas voluntárias de milho em lavouras de soja tem se constituído em um dos maiores desafios relacionados ao manejo de plantas daninhas na cultura (Figura 1).

A ocorrência do milho voluntário em convivência com a cultura da soja não é algo recente, uma vez que desde que houve a intensificação do cultivo de milho em condições de safrinha, a presença destas plantas voluntárias passou a ser comum. Apesar disto, previamente à introdução dos híbridos com tolerância ao glyphosate (RR), o manejo das plantas voluntárias de milho em lavouras de soja RR era simples, tendo em vista que o glyphosate apresenta boa eficácia no controle de milho convencional. Com a introdução dos híbridos RR, o manejo de plantas voluntárias desta espécie em cultivos de soja passou a ser mais complexo.

<b>Figura 1 -</b> milho voluntário infestando a soja
Figura 1 - milho voluntário infestando a soja

Além dos efeitos negativos que a ocorrência do milho voluntário traz quando infestando a soja, existem outros pontos que devem ser destacados, dos quais podem causar prejuízos não somente a produtividade da cultura, como também para a sustentabilidade dos sistemas de produção.

Atualmente, a grande maioria dos híbridos de milho apresenta transgenia que confere tolerância ao ataque de pragas mastigadoras (Bt). Esta transgenia também está disponível para a soja, fato que fez com que houvesse diminuição do uso de inseticidas nesta cultura.

Situações em que há a presença de plantas voluntárias de milho na soja, conciliado com a menor frequência de aplicações de inseticidas nesta cultura, cria um cenário favorável para a quebra da tolerância dos híbridos de milho ao ataque de pragas, uma vez que a planta fica exposta à infestação dos insetos durante todo o período em que convive com a soja. Ainda no âmbito da problemática das pragas, destaca-se que a cigarrinha-do-milho, que é vetora do complexo de enfezamentos, consiste em um dos principais problemas fitossanitários para exploração de milho no Brasil e apresenta a capacidade de sobreviver nestas plantas voluntárias.

Outro fator que dificulta o manejo do milho voluntário está relacionado aos ciclos de emergência que a espécie possuiu ao longo do cultivo da soja. Diferentemente de plantas daninhas que necessitam de disponibilidade hídrica e oscilações térmicas para o início do processo germinativo, para o milho voluntário, o principal estímulo para a emergência é a presença de umidade no solo. Desta forma, toda vez que houver chuvas e havendo a presença de grãos de milho no solo, poderá ocorrer um fluxo de emergência de plantas voluntárias, as quais irão interferir na cultura da soja.

O efeito negativo do milho voluntário sobre a produtividade é inegável, entretanto sua intensidade varia em função de fatores como a época em que ocorre a convivência, densidade de plantas de milho, cultivar e densidade populacional da soja, entre outros. Reduções próximas de 90% da produtividade da soja foram relatadas a depender da densidade populacional do milho voluntário em convivência com a cultura (Figura 2).

<b>Figura 2 -</b> produtividade da soja em função da infestação de milho voluntário. Fonte: Buchling et al. (2022)
Figura 2 - produtividade da soja em função da infestação de milho voluntário. Fonte: Buchling et al. (2022)

Assim, fica evidente a necessidade de se proceder ao manejo das plantas voluntárias de milho, visto que o potencial de interferência destas sobre a cultura da soja é elevado. Para assegurar que o manejo tenha êxito, as medidas utilizadas não devem ficar restritas apenas a situações em que já há a convivência do milho voluntário com a soja, mas sim à adoção de métodos de controle que previnam o incremento do banco de sementes com grãos oriundos de perdas na colheita do milho safrinha, bem como que inibam a emergência das plantas voluntárias na cultura da soja.

Manejo integrado de milho voluntário

O manejo integrado visa utilizar de forma conjunta os diferentes métodos de controle de plantas daninhas, fazendo com que as perdas provocadas na soja pela convivência com a comunidade infestante sejam diminuídas.

Entre os métodos de controle mais comumente utilizados na soja estão o preventivo, cultural, mecânico e químico. No contexto do controle preventivo de milho voluntário, a utilização de medidas que evitem aumentar a presença destes grãos no solo pode contribuir para redução da ocorrência de plantas voluntárias. Uma prática que pode contribuir para essa diminuição está relacionada à colheita adequada da cultura quando se procede ao cultivo em safrinha. Colhedoras mal reguladas, despreparo do operador e lavouras com grãos fora da umidade recomendada para colheita podem aumentar as perdas. Neste sentido, a operação de colheita realizada de maneira adequada irá contribuir para a diminuição das perdas de produtividade no milho e redução de plantas voluntárias.

A escolha do híbrido também pode auxiliar na redução dos problemas com o milho voluntário, uma vez que híbridos RR irão gerar descendentes tolerantes ao glyphosate, o que dificultará o manejo e consequentemente aumentará o custo de produção devido à necessidade de se adquirir outros herbicidas. Desta forma, o produtor deve ter a certeza da escolha de materiais com tolerância a glyphosate, sabendo dos prejuízos que a ocorrência de plantas voluntárias na soja poderá lhe trazer.

Apesar disto, mesmo o produtor que não cultive híbridos RR não está livre das plantas voluntárias de milho tolerantes ao glyphosate, visto que por ser uma espécie que possui polinização cruzada (alógama), é comum o fluxo de pólen de uma lavoura fertilizando áreas vizinhas.

Acerca do método mecânico, a utilização de roçadeira acoplada ao trator visando eliminar plantas que emergiram antes da semeadura da soja, além de rolo faca visando fracionar espigas são alternativas viáveis. Apesar de eficientes, é importante considerar o elevado gasto de óleo diesel e o rendimento operacional das mesmas antes de se proceder à sua recomendação. No âmbito do controle cultural, práticas como adubação equilibrada, densidade de semeadura e arranjo espacial de plantas que proporcionem melhor desenvolvimento da soja, bem como adoção da rotação de culturas poderão contribuir para minimizar os efeitos negativos do milho voluntário.

Por fim, o método químico consiste na utilização de herbicidas em diferentes modalidades, as quais se relacionam a dessecação pré-semeadura e as aplicações em pré e pós-emergência da soja. Para o manejo de milho voluntário na dessecação pré-semeadura, uma das alternativas consiste na utilização de glyphosate.

Porém, no caso de as plantas de milho serem tolerantes ao glyphosate, é necessária a utilização de herbicidas que apresentem eficácia no controle desta espécie, podendo ser indicados os inibidores da ACCase (clethodim, haloxyfop), ou produtos de contato (diquat ou glufosinate). No âmbito dos herbicidas aplicados em pré-emergência os trabalhos disponíveis na literatura têm demonstrado que apesar de os herbicidas não proporcionarem controle eficaz, servem como ferramenta para suprimir a taxa de crescimento do milho voluntário, fato que auxiliará no manejo em pós-emergência da soja. Entre os herbicidas que apresentam potencial para serem utilizados nesta modalidade estão diclosulam, imazethapyr e chlorimuron (Buchling et al., 2022).

A modalidade de aplicação que tem sido mais amplamente empregada no controle do milho voluntário na soja consiste na aplicação de herbicidas em pós-emergência. A adoção desta prática se dá pelos sucessivos fluxos de emergência do milho voluntário, que faz com que os produtores optem por esperar que estes aconteçam, visando reduzir os gastos com aplicações sequenciais de herbicidas. Apesar disto, já foi demonstrado na literatura que o manejo tardio do milho voluntário não só reduz a eficácia de determinados herbicidas, como também possibilita que estas plantas interfiram na produtividade da soja (Ovejero et al., 2016).

Na Tabela 1 estão apresentados herbicidas para o controle em pós-emergência de milho voluntário, além da indicação para qual(is) transgenia(s) cada ingrediente ativo possui eficácia. Vale destacar que a eficácia será determinada principalmente em função do ciclo de desenvolvimento do milho voluntário na ocasião da aplicação, uma vez que plantas em estádios mais avançados tendem a apresentar maior tolerância a ação dos herbicidas.

Para plantas voluntárias provenientes de híbridos de milho convencional, o glyphosate e os inibidores da ACCase (DIMs e FOPs) são as melhores opções para o controle. O glufosinate possui melhor desempenho quando aplicado em estádios iniciais, apresentando redução dos níveis de controle em aplicações tardias. O comportamento das plantas voluntárias provenientes de híbridos RR em relação à sensibilidade aos herbicidas é semelhante, exceto pela tolerância destas ao glyphosate. Isto ocorre também para materiais com transgenia que confere resistência ao glufosinate (Liberty Link - LL), o qual não poderá ser utilizado para o manejo das plantas voluntárias.

Em relação ao controle químico de milho voluntário proveniente de híbridos com a tecnologia Enlist, as alternativas que apresentarão maior eficácia consistem na utilização dos inibidores da ACCase do grupo químico dos DIMs (clethodim, sethoxydim), visto que esta transgenia confere tolerância ao glyphosate, glufosinate e os graminicidas do grupo químico dos FOPs. Um fato a ser citado sobre os herbicidas pertencentes ao grupo químico dos DIMs é que estes tendem a apresentar redução na eficácia quando aplicados sobre plantas em estádios avançados, o que dificulta o controle do milho voluntário quando da sua utilização. Vale destacar também que não são todos os inibidores da ACCase que apresentam eficácia no controle de milho voluntário, sendo fundamental consultar um técnico competente antes de selecionar o herbicida que será utilizado na lavoura com este objetivo. 

Por Guilherme Braga Pereira Braz (Universidade de Rio Verde); Sergio de Oliveira Procópio (Embrapa Meio Ambiente); Dieimisson Paulo Almeida (Cooperativa Comigo)

Artigo publicado na edição 288 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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