Controle biológico dos pulgões do trigo: uma contribuição histórica

Por Douglas Lau (Embrapa Trigo); Marcus Vinicius Sampaio (UFU); José Roberto Salvadori (Embrapa Trigo); Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (Embrapa Florestas); Carlos Diego Ribeiro dos Santos (UFRGS); Eduardo Engel (Esalq); Antônio Ricardo Panizzi e Alberto Luiz Marsaro Júnior (Embrapa Trigo)

20.09.2024 | 10:43 (UTC -3)
Colônia do pulgão-da-aveia (<i>Rhopalosiphum padi</i>) sob ataque de inimigos naturais (vespinhas parasitoides); os pulgões parasitados foram mumificados - Foto:&nbsp;Douglas Lau
Colônia do pulgão-da-aveia (Rhopalosiphum padi) sob ataque de inimigos naturais (vespinhas parasitoides); os pulgões parasitados foram mumificados - Foto: Douglas Lau

Controlar uma praga por meios biológicos requer conhecer o seu papel em redes tróficas e utilizar, manipular os organismos que compõem esta rede de forma a reduzir a sua população.

O crescimento populacional dos seres vivos é determinado pelo potencial biótico, reprodução máxima em condições favoráveis, e pela resistência do ambiente resultante de fatores físicos e biológicos que atuam reduzindo o crescimento populacional. Em sistemas agrícolas, a densidade populacional das pragas é regulada de um lado pela disponibilidade de alimento e, de outro, pela ação de inimigos naturais (Figura 1). Fatores abióticos, como condições meteorológicas, atuam sobre estes componentes das redes tróficas e sua interações definindo a taxa dos processos envolvidos nos ciclos biológicos.

Figura 1 – Curvas de crescimento populacional de pragas na presença e ausência de inimigos naturais
Figura 1 – Curvas de crescimento populacional de pragas na presença e ausência de inimigos naturais

Insetos fitófagos introduzidos em uma nova região podem beneficiar-se da abundância de fontes de alimento e da ausência de inimigos naturais eficientes. De 1965 a 1979, a área cultivada com trigo aumentou de 354.680 para 4.104.144 hectares no Brasil. Essa rápida expansão da área de cultivo de trigo na região subtropical da América do Sul, associada à baixa eficácia do controle biológico natural, levou a um surto populacional de pulgões introduzidos, gerando desequilíbrio no agroecossitema e exigindo o uso intensivo de inseticidas (Figura 2).

Figura 2 - Linha do tempo de eventos relacionados ao Controle Biológico de Pulgões do Trigo no Brasil e efeitos 45 anos após seu início
Figura 2 - Linha do tempo de eventos relacionados ao Controle Biológico de Pulgões do Trigo no Brasil e efeitos 45 anos após seu início

Pulgões em cereais e seus danos

Pulgões de cereais da região Paleártica (Europa, Norte de África, grande parte da Arábia e a Ásia a norte do Himalaia) foram introduzidos na Região Neotropical (América Central, ilhas do Caribe e a América do Sul). A primeira espécie estabelecida na América do Sul foi o pulgão-verde-dos-cereais, Schizaphis graminum, registrado em 1914 na Argentina e, posteriormente, no Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Outra espécie com relatos entre 1930 e 1970, foi o pulgão-do-milho, Rhopalosiphum maidis, com observações na Argentina, Brasil, Colômbia, Uruguai e Venezuela, mas sendo incomum no trigo.

A partir da década de 1960, o pulgão-da-espiga, Sitobion avenae, o pulgão-da-folha, Metopolophium dirhodum, e o pulgão-da-aveia, Rhopalosiphum padi, foram reportados pela primeira vez na região (Figura 2). S. avenae e M. dirhodum tornaram-se as duas espécies mais importantes nas lavouras de trigo da América do Sul. Entre 1970 e 1980, as densidades populacionais atingiram mais de 100 indivíduos de S. avenae por espiga e ao redor de 200 indivíduos de M. dirhodum por planta. Considerando todas as espécies de pulgões, níveis próximos a 250-300 pulgões por planta foram alcançados. Consequentemente, danos à produção de trigo tornaram-se frequentes. Em parcelas sem controle de pulgões, danos de rendimento de grãos superiores a 50% costumavam ser registrados. Em geral, no período de 1967-1972, estimou-se que os danos causados por pulgões na produção de trigo no sul do Brasil foram superiores a 20%.

O controle químico passou a ser prática comum para evitar perdas. No Brasil, em 1977, 98,6% das lavouras de trigo nos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná foram pulverizadas uma ou duas vezes e, em muitos casos, três a quatro pulverizações foram necessárias para o controle de pulgões. O uso de inseticidas químicos também ocorria em outros países da região. Na Argentina, antes de 1979, os pulgões M. dirhodum, S. graminum e S. avenae só podiam ser controlados por inseticidas. Esse uso intensivo de inseticidas atingia os poucos inimigos naturais endêmicos, criando um círculo vicioso que tornava a produção de trigo totalmente dependente dessa prática.

Inimigos naturais

O crescimento populacional dos pulgões é afetado por ação de parasitoides, predadores e microrganimos entomopatogênicos. Parasitoides são microhimenópteros, pequenas vespinhas, pertencentes em sua grande maioria às famílias Braconidae (subfamilia Aphidiinae) e Aphelinidae. A fêmea deposita um ovo dentro do pulgão, onde ocorre o desenvolvimento larval do parasitoide, que mata seu hospedeiro pouco antes da pupação, formando uma “múmia” que proteje o parasitoide até a emergência do adulto. Os principais predadores de pulgões são coccinelídeos (Coleoptera, Coccinellidae), crisopídeos (Neuroptera: Chrysopidae) e sirfídeos (Diptera: Syrphidae). Esses insetos consomem vários pulgões durante o seu desenvolvimento, alguns destes durante sua fase larval e outros também na fase adulta.

Antes dos relatos de M. dirhodum e S. avenae no Brasil, os registros de inimigos naturais de pulgões do trigo eram restritos a S. graminum. Como o pulgão-da-folha e o pulgão-da-espiga desenvolveram grandes populações, considerava-se que seu controle biológico era ineficiente. No centro-sul do Paraná, na década de 1970, relatavam-se altas populações dessas espécies e um nível muito baixo de parasitismo. Também havia uma incidência significativa, embora tardia, do entomopatógeno Entomophthora sp. e a presença abundante de sirfídeos predadores de pulgões antes do pico populacional. Mas isso não evitava os danos causados pelos pulgões à produtividade de grãos.

A fauna de parasitoides de pulgões na América Latina é caracterizada pela prevalência de Aphidius platensis, Diaeretiella rapae e Lysiphlebus testaceipes. Estes eram os únicos parasitoides relatados no Brasil e no Chile antes da introdução de outras espécies pelos programas de controle biológico. A. platensis e D. rapae são de origem paleártica e, provavelmente, foram introduzidos acidentalmente na América do Sul junto com seus pulgões hospedeiros. L. testaceipes, de origem Neártica, pode ter sido introduzido acidentalmente ou migrado naturalmente da América do Norte para a América do Sul. Na Argentina, as espécies de parasitoides de pulgões Aphelinus asychis, A. abdominalis e Praon volucre também estavam relatadas em pulgões de trigo e podem ter sido introduzidas acidentalmente naquele país junto com seus pulgões hospedeiros.

Programa de controle biológico

O programa de controle biológico de pulgões em cereais de inverno na América do Sul, sobretudo, por meio da importação e introdução de parasitoides de pulgões pode ser considerado um dos casos de controle biológico mais bem-sucedidos do mundo. Programas de controle de pulgões em cereais de inverno foram lançados na Argentina, Brasil e Chile.

Esses programas seguiram o esquema descrito por Van den Bosch e Messenger (1973), com introdução, criação massal e liberação de inimigos naturais, caracterizando o chamado método clássico de controle biológico. A hipótese era que o desequilíbrio populacional de pulgões no trigo poderia ser pelo menos parcialmente revertido por inimigos naturais que coevoluíram com esses insetos. A introdução de inimigos naturais permitiria que alguns se adaptassem às condições ecológicas da região subtropical úmida da América do Sul, estabelecendo-se e multiplicando em pulgões do trigo, ajudando a controlar as populações dessas pragas.

Introdução de parasitoides

Programas de controle biológico específicos para pulgões do trigo introduziram seis espécies de parasitoides de pulgões na Argentina, oito no Chile e 12 no Brasil (Tabela 1). Esses parasitoides eram originários dos EUA e de países da Europa e do Oriente Médio.

Tabela 1 - Espécies de parasitoides (Hymenoptera) introduzidas para controle biológico de pulgões do trigo no Brasil
Tabela 1 - Espécies de parasitoides (Hymenoptera) introduzidas para controle biológico de pulgões do trigo no Brasil

No Brasil, o programa foi conduzido pela Embrapa Trigo (Centro Nacional de Pesquisa do Trigo) com apoio da FAO e da Universidade da Califórnia. Os parasitoides foram os insetos-chave neste programa, constituindo o logotipo do programa de controle biológico no Brasil (Figura 2). Após o processo de introdução e quarentena, foi realizada a criação em larga escala de parasitoides no insetário da Embrapa Trigo. Esta instalação, construída em 1978, recebeu o nome de Robert Van den Bosch, em homenagem à sua contribuição para o programa e trabalho pioneiro no controle biológico de insetos-praga em geral.

As liberações de parasitoides em lavouras de trigo, realizadas pela equipe da Embrapa no Brasil em todas as regiões tritícolas do Rio Grande do Sul, foram sistemáticas e frequentes. Também foram feitas solturas esporádicas nos estados de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Após as liberações, os locais foram monitorados para avaliar o estabelecimento das espécies e os níveis de parasitismo em pulgões do trigo.

De 1982 a 1992, com algumas espécies já estabelecidas, as solturas continuaram com menor intensidade e foram feitas diretamente pelos agricultores com parasitoides fornecidos pela Embrapa. O objetivo era consolidar a tecnologia e manter a motivação para o uso racional de inseticidas. Durante o período de 1978-1992, cerca de 20 milhões de parasitoides foram produzidos e liberados.

Resultados do programa

No Brasil, no início da década de 1980, A. rhopalosiphi, A. uzbekistanicus e P. volucre foram considerados estabelecidos e, posteriormente, A. ervi. Parasitoides estabelecidos desenvolveram mecanismos adaptativos para sobreviver com sucesso e parasitar espécies de pulgões de gramíneas, mantendo-se durante a entressafra de trigo em gramíneas silvestres e outras culturas. Após as introduções, o parasitismo em S. avenae e M. dirhodum aumentou gradativamente. Em diferentes locais avaliados, o parasitismo em S. avenae variou de 46 a 62% em 1980 e de 30 a 64% em 1981.

Níveis de parasitismo altos e crescentes continuaram a ser registrados, enquanto o hiperparasitismo foi baixo e não afetou significativamente a ação dos parasitoides. Outro resultado significativo foi a sincronia na relação parasitoide-hospedeiro, com o parasitismo começando cedo nos primeiros pulgões no outono e inverno. Os níveis populacionais e danos de S. avenae e M. dirhodum foram drasticamente reduzidos. Em 1979-1981, a densidade máxima de pulgões / perfilho variou de 6,4 a 15,0 para S. avenae e de 4,7 a 9,0 para M. dirhodum. O parasitismo em 1980 e 1981 manteve a densidade dessas espécies abaixo do nível econômico.

Nenhum grande surto de pulgões ocorreu nos anos seguintes à introdução de parasitoides no Brasil. O uso de inseticidas caiu drasticamente. Além disso, o controle biológico foi naturalmente estendido para outros cereais de inverno, como cevada, aveia e triticale.

Guilda parasitoide atual e níveis de parasitismo

Das 12 espécies exóticas de parasitoides introduzidas, três (A. uzbekistanicus, A. rhopalosiphi e A. ervi) ainda estão presentes no sul do Brasil. A. colemani e L. testaceipes já ocorriam na região; assim, não é possível saber se a população atual é composta por descendentes de populações preexistentes, populações introduzidas ou uma mistura de ambas. No caso de A. colemani, os espécimes coletados durante o programa de controle biológico (1978 a 1982), previamente identificados como Aphidius colemani, são de fato A. platensis.

Atualmente, na guilda de parasitoides de pulgões dos cereais de inverno, a espécie dominante tem sido A. platensis. Em uma série temporal recente de oito anos (2011–2018) em Coxilha (RS) foram encontrados A. platensis (61,4%), A. uzbekistanicus (7,3%), A. ervi (1,6%), A. rhopalosiphi (6,8%), D. rapae (18,6%) e L. testaceipes (1,3%).

A dinâmica populacional dos parasitoides tem sido sazonal com um pico no inverno e outro na transição inverno-primavera. Por exemplo, A. platensis e D. rapae atingem o pico no meio do inverno, enquanto A. uzbekistanicus e A. rhopalosiphi atingem o pico no final do inverno e início da primavera. Os altos níveis de parasitismo no início do inverno podem explicar a redução drástica das populações de pulgões na primavera. Levantamentos recentes durante a safra de trigo indicaram que nas fases iniciais da cultura (período vegetativo) ocorreram níveis entre 60 e 85% de parasitismo.

De seu centro de distribuição na região subtropical, os parasitoides se espalharam para regiões tropicais, tornando-se importantes não apenas no controle biológico de pulgões de cereais, mas também em outras culturas agrícolas.

Colônia de <i>Sitobion avenae</i> com indivíduos mumificados - Foto: Douglas Lau
Colônia de Sitobion avenae com indivíduos mumificados - Foto: Douglas Lau

Perspectivas no controle biológico de pulgões de cereais de inverno

Com a expansão dos cereais de inverno para a região tropical (cerrado brasileiro), é importante avaliar qual a contribuição dos parasitoides estabelecidos para o equilíbrio dos sistemas agrícolas. Algumas espécies de parasitoides são estabelecidas na região tropical, mas temperaturas mais altas nos trópicos podem limitar os serviços ecológicos dos parasitoides.

Com a confirmação do estabelecimento desses parasitoides nas condições sul-americanas, é fundamental desenvolver, avaliar e estimular a adoção de práticas de manejo para conservar e aumentar as populações de inimigos naturais. A estruturação do agroecossistema em benefício do controle biológico conservacionista é uma abordagem que requer conhecimento e transformação da paisagem agrícola. O biocontrole de conservação atua a longo prazo e é mais estável e menos dispendioso do que o controle químico.

Após a introdução de parasitoides para controle de pulgões do trigo na América do Sul, houve uma mudança quantitativa e qualitativa significativa nos padrões populacionais das diferentes espécies de pulgões, mostrando que mais de 40 anos depois, esse projeto de controle biológico continua trazendo resultados positivos. Considerando que o manejo de insetos-praga adotado pelos produtores de trigo é baseado principalmente no controle químico, torna-se obrigatória a utilização de práticas de controle que reduzam o efeito negativo dos inseticidas sobre a população de inimigos naturais. Deve ser incentivada a adoção de procedimentos de monitoramento de insetos-praga que apoiem as decisões de controle de insetos com base em limites de ação. Essas práticas associadas ao uso de inseticidas seletivos podem favorecer a situação atual para o controle biológico de pulgões-praga de cereais de inverno.

Por Douglas Lau (Embrapa Trigo); Marcus Vinicius Sampaio (UFU); José Roberto Salvadori (Embrapa Trigo); Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (Embrapa Florestas); Carlos Diego Ribeiro dos Santos (UFRGS); Eduardo Engel (Esalq); Antônio Ricardo Panizzi e Alberto Luiz Marsaro Júnior (Embrapa Trigo)

Artigo publicado na edição 289 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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