Pragas da cultura do trigo: pulgões

Por José Roberto Salvadori (UPF e Embrapa Trigo); Alberto Luiz Marsaro Júnior (Embrapa Trigo); Crislaine Sartori Suzana-Milan (UPF); Douglas Lau (Embrapa Trigo); Eduardo Engel (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"); Mauricio Paulo Batistella Pasini (consultor); Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (Embrapa Florestas)

26.09.2024 | 15:44 (UTC -3)
<b>Figura 1 –</b> pragas da cultura do trigo: A) pulgões, B) corós, C) percevejos, D) lagartas e E) brocas - adulto da larva-alfinete (<i>Diabrotica speciosa</i>)
Figura 1 – pragas da cultura do trigo: A) pulgões, B) corós, C) percevejos, D) lagartas e E) brocas - adulto da larva-alfinete (Diabrotica speciosa)

A cultura do trigo é infestada por diversos insetos e outros artrópodos fitófagos ao longo do seu desenvolvimento, destacando-se pulgões, corós, lagartas, percevejos e brocas (Fig. 1). Esses organismos podem afetar desde as raízes até as estruturas reprodutivas das plantas. Alguns, como os pulgões, também transmitem vírus. Para evitar danos e perdas, deve-se adotar o manejo integrado de pragas. Neste artigo, são abordados especificamente os pulgões.

Pulgões ou afídeos são, historicamente, as principais pragas da cultura do trigo e dos demais cereais de inverno no Brasil. Causam danos diretos pela sucção e excreção de seiva e injúrias aos tecidos das plantas, e são vetores do "barley yellow dwarf virus" (BYDV), agente causal do nanismo amarelo em trigo e em outros cereais de inverno.

Com elevado potencial biótico, em ambiente favorável, com disponibilidade de plantas hospedeiras e ausência de inimigos naturais, as populações de pulgões em pouco tempo atingem níveis alarmantes. O clima do Brasil é benéfico a esses insetos, permitindo que mantenham e ampliem suas populações pelo rápido processo de reprodução assexuada. Fêmeas produzem ninfas, que passam por quatro ínstares até atingirem a fase adulta, que também será de fêmea, repetindo sucessivamente o ciclo. As formas adultas podem ser ápteras ou aladas.

Nos anos 1960 e 1970 no Sul do Brasil, com a ampliação da área brasileira de trigo, os prejuízos causados por pulgões e vírus transmitidos se intensificaram. Em um cenário de controle biológico natural ineficiente, o manejo era realizado com inseticidas químicos. Como estes afetavam também os inimigos naturais, gerava-se um ciclo vicioso que intensificava o desequilíbrio do ecossistema agrícola.

Um marco histórico da triticultura ocorreu em 1978, quando visando reduzir os danos causados por pulgões, a Embrapa Trigo, em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), iniciou o Programa de Controle Biológico de Pulgões de Trigo (PCBPT). Através do PCBPT, foram introduzidas e multiplicadas 12 espécies de parasitoides, totalizando 3,8 milhões de indivíduos liberados nos cinco primeiros anos, nas regiões produtoras de trigo do Sul do Brasil. Algumas dessas espécies se estabeleceram promovendo redução da densidade populacional de pulgões. Atualmente, as populações dessas pragas são mantidas em equilíbrio e o manejo químico visa principalmente reduzir os danos por transmissão de vírus.

Espécies de pulgões

Diversas espécies de pulgões ocorrem em épocas do ano distintas e têm preferência por determinados estádios fenológicos da planta de trigo. A seguir, são descritas as espécies mais frequentes em trigo.

• Pulgão-verde-dos-cereais (Schizaphis graminum) - adultos ápteros (Fig. 2A) têm corpo oval alongado de coloração geral amarela-esverdeada e dorso com linha média longitudinal verde-escura; tamanho variando de 1,3 a 2,2 mm de comprimento. Ocorre em culturas de verão, como milho e sorgo, e em culturas de inverno, como aveia e trigo. Entre as espécies de pulgões de inverno, é a de maior prolificidade. Seu potencial biótico em associação à ação de sua saliva que desencadeia reações nas células vegetais, faz com que esse pulgão cause morte de plântulas, principalmente em regiões tritícolas nas quais o trigo é semeado entre fevereiro e abril.

• Pulgão-do-colmo-do-trigo (Rhopalosiphum padi) - adultos ápteros (Figura 2B) têm corpo ovalado de coloração verde-oliva acastanhada, com mancha avermelhada ao redor e entre as bases dos sifúnculos. É uma das espécies mais importantes como praga do trigo e de outros cereais de inverno no Brasil e no mundo. Tem uma ampla gama de hospedeiros, infestando diversos órgãos da planta, das raízes às estruturas reprodutivas. Sua principal importância se deve a sua eficiência na transmissão BYDV.

• Pulgão-da-espiga-do-trigo (Sitobion avenae) - adultos ápteros (Fig. 5C) com corpo alongado, de coloração amarela-esverdeada, às vezes bege-rosada, e sifúnculos negros. É mais abundante na fase de espigamento do trigo e pode causar danos quantitativos e qualitativos quando em altas populações durante o enchimento de grãos. Reduções de rendimento de grãos entre de 5% a 10% podem ocorrer. Transmite BYDV, porém, como coloniza mais tardiamente a lavoura em relação ao R. padi, seus danos como vetor do vírus tendem a ser menores.

• Pulgão-da-folha-do-trigo (Metopolophium dirhodum) - adultos ápteros (Fig. 5D) com corpo fusiforme de coloração verde-pálida ou amarela-clara, dorso com linha média longitudinal mais escura e tamanho entre 1,7 mm a 3,7 mm de comprimento. Predomina na época do ano em que o trigo está em alongamento. Nos anos 1970, era o principal transmissor de BYDV no Brasil, mas atualmente perde em importância para R. padi.

• Pulgão-preto-dos-cereais (Sipha maydis) - adultos ápteros (Fig. 5E) têm corpo oval de coloração geral marrom-escura a preta, totalmente esclerotizado, variando em comprimento de 1,0 mm a 1,9 mm e coberto por cerdas grossas; sifúnculos pequenos e pouco evidentes. É o pulgão associado ao trigo de introdução mais recente nas Américas e no Brasil. Forma colônias muito peculiares na base das folhas. Ao se alimentar, provoca reações nas células das plantas e a área da colônia amarelece e necrosa rapidamente.

• Pulgão-do-milho (Rhopalosiphum maidis) - adultos ápteros (Fig. 5F) têm corpo alongado de coloração amarela-esverdeada ou azul-esverdeada, com manchas negras na área ao redor dos sifúnculos. É comum em milho e outras gramíneas de verão como capim sudão (Sorghum sudanense). De porte maior que R. padi, tem associação com temperaturas mais elevadas, comuns no verão. Pode ocorrer em cereais de inverno, mas em baixa frequência. Não costuma ser problema para a cultura do trigo, embora possa transmitir BYDV, como BYDV-RMV, que possivelmente transite entre os cereais de inverno a partir do milho por meio desse vetor.

<b>Figura 2 -</b> colônias dos principais pulgões do trigo, compostas por ninfas e adultos ápteros: pulgão-verde-dos-cereais (<i>Schizaphis graminum</i>) <b>(A)</b>, pulgão-do-colmo-do-trigo ou pulgão-da-aveia (<i>Rhopalosiphum padi</i>) <b>(B)</b>, pulgão-da-espiga-do-trigo (<i>Sitobion avenae</i>) <b>(C)</b>, pulgão-da-folha-do-trigo (<i>Metopolophium dirhodum</i>) <b>(D)</b>, pulgão-preto-dos-cereais (<i>Sipha maydis</i>) <b>(E)</b> e pulgão-do-milho (<i>Rhopalosiphum maidis</i>) <b>(F).</b>&nbsp;Fotos: Douglas Lau (A, C, E, F), Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (B, D)
Figura 2 - colônias dos principais pulgões do trigo, compostas por ninfas e adultos ápteros: pulgão-verde-dos-cereais (Schizaphis graminum) (A), pulgão-do-colmo-do-trigo ou pulgão-da-aveia (Rhopalosiphum padi) (B), pulgão-da-espiga-do-trigo (Sitobion avenae) (C), pulgão-da-folha-do-trigo (Metopolophium dirhodum) (D), pulgão-preto-dos-cereais (Sipha maydis) (E) e pulgão-do-milho (Rhopalosiphum maidis) (F). Fotos: Douglas Lau (A, C, E, F), Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (B, D)

Danos causados por pulgões

Os danos causados por pulgões podem resultar diretamente do ato alimentar. Alguns pulgões desencadeiam reações rápidas e severas no sítio de alimentação como S. graminum (Figura 3A) e espécies do gênero Sipha (S. flava e S. maydis) (Figura 3B). As espécies que não geram lesões no sítio de alimentação, causam danos diretos significativos se atingirem elevadas populações. Essa situação ocorria com M. dirhodum na época pré-controle biológico, com populações superiores a 300 pulgões por afilho. Atualmente, devido à eficiência do controle biológico estabelecido, essa condição não costuma ser atingida. Danos diretos estimados entre 5 a 10% podem ocorrer para infestações elevadas do pulgão-da-espiga.

<b>Figura 3 -</b> danos causados por pulgões: necrose em sítio de alimentação de <i>Schizaphis graminum</i> <b>(A)</b>; clorose e necrose no sítio de alimentação de <i>Sipha flava</i> <b>(B)</b>. Danos devido à transmissão de barley yellow dwarf virus (BYDV): sintomas de amarelecimento em folha bandeira <b>(C)</b>; visão geral dos sintomas, planta sadia (esquerda) e planta infectada (direita) <b>(D)</b>; grãos em planta sadia <b>(E)</b> e grãos menores, malformados e encarquilhados, de planta infectada por BYDV <b>(F)</b>. Fotos: Douglas Lau (B, C, D, E, F), Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (A)
Figura 3 - danos causados por pulgões: necrose em sítio de alimentação de Schizaphis graminum (A); clorose e necrose no sítio de alimentação de Sipha flava (B). Danos devido à transmissão de barley yellow dwarf virus (BYDV): sintomas de amarelecimento em folha bandeira (C); visão geral dos sintomas, planta sadia (esquerda) e planta infectada (direita) (D); grãos em planta sadia (E) e grãos menores, malformados e encarquilhados, de planta infectada por BYDV (F). Fotos: Douglas Lau (B, C, D, E, F), Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (A)

O dano mais comum causado pelos pulgões é devido a transmissão de BYDV. Para a genética dos trigos brasileiros, danos médios à produtividade de grãos da ordem de 40% são comuns se a infecção pelo vírus ocorrer no início do ciclo (primeiro mês após a semeadura). Comparando-se parcelas com e sem tratamento com inseticidas (tratamento de sementes e aplicação em parte aérea) reduções de rendimento de grãos entre 15 e 30% costumam ser obtidas, variando com o ano em função das oscilações das populações de pulgões. A infecção por BYDV em trigo resulta em amarelecimento das folhas (Figura 3C). Os sintomas sistêmicos são caracterizados por raízes subdesenvolvidas, encurtamento de entrenós, redução da estatura e atraso de ciclo (Figura 3D). Por fim, os órgãos reprodutivos também são afetados com espigas de menor tamanho, com esterilidade basal e apical, menor número de grãos e grãos malformados e encarquilhados (Figuras 3E e 3F).

Controle da praga

Para redução de danos e obtenção da melhor relação custo-benefício, as várias medidas de controle de pulgões devem ser adotadas de forma integrada (tabela 1).

(1) <b>(+)</b> eficaz; <b>(±)</b>&nbsp;parcialmente eficaz; <b>(–)</b> ineficaz. Reproduzido a partir de Salvadori <i>et al</i>., 2022
(1) (+) eficaz; (±) parcialmente eficaz; (–) ineficaz. Reproduzido a partir de Salvadori et al., 2022

• Controle cultural: como as populações de pulgões oscilam ao longo das estações, existem épocas de maior risco. Semeaduras em pleno outono ocorrem em um momento em que as populações desses insetos são elevadas e as populações de parasitoides ainda são baixas, situação que se inverte no inverno. Assim, quanto mais próximo ao inverno menor a probabilidade de transmissão de BYDV. Por outro lado, para plantios tardios deve-se monitorar o segundo pico anual de populações de pulgões e implementar o controle com inseticidas.

• Controle genético: as cultivares nacionais de trigo são suscetíveis à infecção por BYDV, mas variam quanto à tolerância. Materiais intolerantes podem perder mais de 60% do seu potencial produtivo requerendo maior proteção por meio de inseticidas para evitar a transmissão do vírus.

• Controle químico: o tratamento das sementes com inseticidas neonicotinoides garante proteção entre 20 e 30 dias após a emergência das plantas. A fase inicial da cultura é mais vulnerável à infecção por BYDV, requerendo proteção. A aplicação de inseticida em parte aérea geralmente é necessária após o encerramento do efeito do tratamento de sementes. Dependendo da região e da época de semeadura será necessário variar o número de aplicações. Monitoramento das populações de pulgões é necessário para tomada de decisão adequada. O nível de ação recomendado é de 10% de plantas com pulgões do início da cultura até o final do emborrachamento. Em espigas, o nível de ação é de 10 pulgões por espiga.

• Controle biológico: reduz em torno de 95% o potencial de crescimento das populações de pulgões. A aplicação de inseticidas deve considerar o benefício dos inimigos naturais para não causar distúrbios que não permitam usufruir desse equilíbrio. Após sua introdução e liberação no final dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, os parasitoides se estabeleceram com sucesso, não sendo realizadas atualmente novas liberações.

Por José Roberto Salvadori (UPF e Embrapa Trigo); Alberto Luiz Marsaro Júnior (Embrapa Trigo); Crislaine Sartori Suzana-Milan (UPF); Douglas Lau (Embrapa Trigo); Eduardo Engel (Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz"); Mauricio Paulo Batistella Pasini (consultor); Paulo Roberto Valle da Silva Pereira (Embrapa Florestas)

Artigo publicado na edição 288 da Revista Cultivar Grandes Culturas

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

LS Tractor Fevereiro