Efeitos dos eventos climáticos extremos na produção e comercialização de alface hidropônica no RS

Por Narielen Moreira de Morais, Marcia Xavier Peiter, Adroaldo Dias Robaina e Nicolas Gerotto (Laboratório de Engenharia de Irrigação - UFSM)

25.09.2024 | 08:33 (UTC -3)

As mudanças climáticas estão transformando profundamente o ambiente global e têm um impacto significativo na produção de hortaliças. O aumento das temperaturas médias, as alterações nos padrões de precipitação e a maior frequência de eventos climáticos extremos estão criando desafios sem precedentes, tanto para os agricultores quanto para os ecossistemas agrícolas. Em meio a este cenário de condições climáticas incertas, os desafios se voltam para a adequação e manutenção das estruturas de cultivo, bem como para técnicas de produção que atendam altas produtividades associadas aos parâmetros de qualidade das hortaliças.

O Rio Grande do Sul (RS) é um dos estados brasileiros mais importantes para a produção agropecuária. As enchentes catastróficas que assolaram o estado entre abril e maio de 2024 nos apresentaram, além da vulnerabilidade das áreas urbanas, impactos ainda não mensurados nas áreas rurais. Estudos recentes na região indicam que eventos desta categoria se tornarão mais frequentes e intensos no futuro (Clarke, et al., 2024), sendo fundamental considerar técnicas de cultivo mais resilientes.

Esses eventos, que incluem tempestades intensas, alagamentos, secas prolongadas e ondas de calor ou frio, criam condições adversas que impactam na manutenção das estruturas de cultivo, nos ciclos de desenvolvimento e no padrão de qualidade das plantas. Ao longo deste texto vamos explorar alguns fatores, e como influenciam os sistemas de produção e comercialização da alface hidropônica, especialmente neste momento de reconstrução que vivenciamos no estado do RS.

1) Efeitos das tempestades e enchentes nas estruturas de hidroponia

As tempestades intensas podem ter efeitos devastadores sobre a produção de hortaliças em hidroponia e na infraestrutura de estufas agrícolas, causando prejuízos significativos e desafiando a capacidade de recuperação dos produtores. A figura 1 apresenta uma área de cultivo hidropônico totalmente comprometida pelo avanço das águas na região do Vale do Taquari.

<b>Figura 1 -</b> alagamento em estruturas de cultivo hidropônico durante enchente na região do Vale do Taquari, RS
Figura 1 - alagamento em estruturas de cultivo hidropônico durante enchente na região do Vale do Taquari, RS

Além dos danos nas estruturas principais da estufa agrícola, onde se percebe avaria dos postes de sustentação, rompimento dos filmes e telas de revestimento, foram observadas perdas de todo o conjunto hidráulico e do sistema de distribuição de solução nutritiva, conforme ilustrado na figura 2.

<b>Figura 2 -</b> alagamento em estruturas de cultivo hidropônico durante enchente na região do Vale do Taquari, RS
Figura 2 - alagamento em estruturas de cultivo hidropônico durante enchente na região do Vale do Taquari, RS

2) Efeitos das temperaturas extremas na produção e na qualidade das hortaliças

A qualidade da alface pode ser significativamente afetada por eventos climáticos extremos. Períodos com ondas de calor e frio intensos, com altos gradientes de temperatura em curtos espaços de tempo, como os registrados a partir dos meses de maio e junho (pós-enchentes) criam condições adversas, que impactam tanto o crescimento quanto a qualidade das plantas.

Em relação ao frio extremo, os primeiros sintomas nas plantas se manifestam pela redução da taxa de crescimento, levando a um desenvolvimento mais lento e ao atraso na colheita. Isso ocorre porque as baixas temperaturas afetam os processos metabólicos e a atividade enzimática, essenciais para o crescimento e a formação de novas folhas.

Entretanto, quando o período de exposição a baixas temperaturas se prolonga, pode ocorrer congelamento das células vegetais, seguido da ruptura das membranas celulares e a desintegração dos tecidos. No caso das hortaliças folhosas, este processo compromete a integridade estrutural das folhas e seu padrão de qualidade para comercialização.

Os efeitos do frio extremo em folhas de alface podem ser observados na figura 3, onde foi observado que após quatro noites com registros de temperaturas oscilando entre -1 e -5° no município de Manoel Viana (RS), as plantas apresentaram sintomas de congelamento das bordas das folhas (figura 3, A) e encarquilhamento das folhas (figura 3, B).

<b>Figura 3 -</b> danos nas folhas de alface hidropônica após período de exposição em condições de baixas temperaturas (-4°C) no mês de julho de 2024, RS. <b>(A)</b> Bordas das folhas congeladas; <b>(B) </b>encarquilhamento
Figura 3 - danos nas folhas de alface hidropônica após período de exposição em condições de baixas temperaturas (-4°C) no mês de julho de 2024, RS. (A) Bordas das folhas congeladas; (B) encarquilhamento

Estratégias de manejo como o fechamento total da estrutura de cultivo para manutenção da temperatura, elevação dos teores de nutrientes (como potássio) na solução nutritiva, podem retardar o efeito das baixas temperaturas no ambiente de produção. Porém, há registros de condições tão extremas, a exemplo daquelas registradas na Argentina, também no mês de julho de 2024 (Figura 4), onde o congelamento de toda a estrutura demonstra que algumas regiões estão propensas a eventos climáticos em que não há possibilidade de contenção ou reversão dos danos.

<b>Figura 4 -</b> congelamento de estrutura de cultivo hidropônico, em condição de temperaturas extremas (-16°C) na Argentina durante o mês de julho de 2024
Figura 4 - congelamento de estrutura de cultivo hidropônico, em condição de temperaturas extremas (-16°C) na Argentina durante o mês de julho de 2024

3) Efeitos dos eventos climáticos extremos na comercialização

Os eventos registrados no RS durante os meses de maio, junho e julho trouxeram uma condição excepcional para a comercialização de hortaliças. A própria CEASA/RS (Companhia Estadual de Abastecimento) teve sua sede inundada, necessitando de um plano emergencial e sede temporária para as operações de comercialização.

Entretanto, os maiores desafios são enfrentados pelos agricultores, que enfrentam cenário de caos em suas estruturas de cultivos, em estradas de acesso ou em manter as atividades em um cenário de inflação dos custos de produção e pouca interferência de políticas públicas que atendam, em curto prazo, as urgências que surgiram neste período excepcional do ano de 2024.

Em meio ao cenário de enchentes, foram registrados preços recordes de comercialização de muitos alimentos, inclusive a alface (Figura 5) teve seu valor máximo de R$ 60,00 por dúzia (R$ 5,00 a unidade) na cotação do CEASA/RS durante o mês de maio. Estes valores se justificam primeiro pela escassez de produto, considerando a destruição de muitas áreas de produção e pela restrição logística imposta pela destruição de pontes e estradas em quase todo estado do RS neste período.

<b>Figura 5 -</b> evolução da cotação de preços de alface no RS, de janeiro a agosto de 2024
Figura 5 - evolução da cotação de preços de alface no RS, de janeiro a agosto de 2024

Buscando minimizar os impactos de tempestades intensas e melhorar a resiliência das operações agrícolas, é crucial adotar estratégias de mitigação e recuperação, tais como:

•Fortalecimento da infraestrutura: investir em estufas e sistemas hidropônicos com estruturas mais robustas e resistentes pode ajudar a suportar melhor as tempestades.

•Planos de emergência: ter um plano de emergência que inclua estratégias para lidar com interrupções de energia, inundações e danos estruturais. Isso pode envolver a instalação de geradores de energia, a implementação de sistemas de drenagem de emergência e a criação de protocolos para a rápida reparação de danos.

•Plano de gestão de riscos: implementar planos de gestão de riscos climáticos, que incluam seguros agrícolas e estratégias de resposta rápida, pode ajudar os produtores a se recuperarem mais rapidamente e a proteger suas operações contra perdas futuras.

•Apoio governamental: políticas públicas e programas de apoio financeiro são essenciais para ajudar os produtores a enfrentar as consequências dos desastres climáticos e investir em medidas de adaptação.

Em síntese, as mudanças climáticas representam uma ameaça significativa para a produção de hortaliças, com possíveis impactos que vão desde deterioração das estruturas de cultivo até alterações irreversíveis no padrão de crescimento das plantas. Enfrentar esses desafios exige uma combinação de inovação, adaptação e políticas eficazes para proteger tanto a produção agrícola quanto a segurança alimentar global.

Por Narielen Moreira de Morais, Marcia Xavier Peiter, Adroaldo Dias Robaina e Nicolas Gerotto (Laboratório de Engenharia de Irrigação - UFSM)

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