Cigarrinha-do-milho: desafios ao manejo dos enfezamentos do milho
Por Crébio José Ávila (Embrapa Agropecuária Oeste); Charles Martins de Oliveira (Embrapa Cerrados); Suélen Cristina da Silva Moreira (Fundação Chapadão); Rodolfo Bianco (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná); e Marco Antonio Tamai (Universidade do Estado da Bahia)
24.09.2024 | 16:00 (UTC -3)
A cigarrinha Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott) (Hemiptera: Cicadellidae) era até pouco tempo considerada um problema secundário no milho, mas a partir de 2015 tornou-se uma das principais pragas desta cultura. Dessa forma, elevadas populações desse inseto têm sido registradas nas últimas safras de milho em diferentes regiões produtoras, em especial nos cultivos de segunda safra.
Embora as ninfas e os adultos de D. maidis possam succionar a seiva das plantas do milho, os maiores prejuízos estão relacionados à capacidade desse inseto transmitir eficientemente patógenos causadores de doenças na cultura. A cigarrinha-do-milho é capaz de transmitir os patógenos conhecidos como molicutes de fitoplasma e espiroplasma, os quais causam os enfezamentos vermelho e pálido, respectivamente. Estes enfezamentos são considerados atualmente os principais desafios fitossanitários da cadeia produtiva do milho no Brasil, os quais podem resultar em perdas expressivas de rendimento e na qualidade dos grãos produzidos na cultura.
Aspectos taxonômicos e bioeocológicos
A cigarrinha-do-milho é um inseto sugador que apresenta quatro fileiras de espinhos nas tíbias das pernas posteriores e quando adultos apresentam coloração amarelo-palha e asas transparentes. Os adultos apresentam duas manchas circulares negras facilmente visíveis na parte dorsal da cabeça, entre os olhos compostos, característica essa que facilita a sua identificação no campo. Os insetos apresentam também o comportamento de se deslocarem lateralmente sobre a planta quando perturbados e são encontrados preferencialmente no interior do cartucho do milho.
As fêmeas que são geralmente maiores que os machos, fazem postura endofítica no mesófilo das folhas do milho, preferencialmente próximo da nervura central. Os ovos apresentam o formato de um grão de arroz, sendo inicialmente transparentes, tornando-se leitosos com o desenvolvimento e projetam tufos de microfilamentos brancos externamente. O inseto apresenta cinco instares ninfais e duração do ciclo de ovo-adulto entre 15 a 27 dias, dependendo da temperatura e da umidade do ambiente.
Agentes causais, transmissão e danos
Os enfezamentos (vermelho e pálido) são doenças sistêmicas decorrentes de patógenos que colonizam os vasos condutores (floema) do milho, provocando desordens fisiológicas, hormonais e bioquímicas, que se refletem em sintomas foliares e deformações das estruturas vegetativa e reprodutiva das plantas.
O modo de transmissão dos molicutes pela cigarrinha-do-milho é do tipo persistente e propagativa. Persistente, porque após a aquisição dos patógenos nas plantas, o inseto permanece infectivo por praticamente todo o resto de sua vida e propagativa, pois os patógenos se multiplicam e circulam no corpo do inseto-vetor. Após adquirir esses patógenos (molicutes), a cigarrinha necessita de 3 a 4 semanas para ser capaz de transmiti-los às plantas, intervalo de tempo esse chamado de período latente.
Os adultos e ninfas de D. maidis podem causar danos diretos ao se alimentarem continuadamente da seiva presente no floema das plantas, embora esse tipo de dano seja menor em comparação aos causados pela transmissão dos patógenos que causam enfezamentos. Quando ocorre em alta população, a cigarrinha pode sugar a seiva das plantas e excretar uma substância açucarada decorrente de sua alimentação, denominada de “honeydew”. Essa substância ao ser expelida pelo inseto favorece a proliferação de fungos do gênero Capnodium que causam escurecimento do limbo foliar do milho. A ocorrência de fumagina resseca as folhas do milho pela maior absorção do calor solar, o que interfere negativamente na fotossíntese da planta, afetando assim o desenvolvimento e a produtividade da cultura.
Os sintomas causados por molicutes no milho estão relacionados ao comprometimento da translocação de fotossimilados, alterações na absorção de nutrientes bem como desordens hormonais e bioquímicas nas plantas. No quadro de sintomas incluem a presença de manchas foliares cloróticas ou avermelhadas, presença de brotos axilares, perfilhamento basal, redução de porte das plantas devido ao encurtamento dos internódios, presença de múltiplas espigas com tamanho reduzido, má formação das espigas, tornando assim as plantas improdutivas. Outro sintoma comum decorrente da infecção por molicutes no milho é o acúmulo de sacarose no colmo, o que favorece a entrada de patógenos, que causa proliferação e colonização de fungos dos gêneros Pythium e Fusarium, especialmente na base do colmo, o que pode provocar o acamamento de plantas, particularmente em cultivares suscetíveis.
Manejo da cigarrinha-do-milho
O manejo da cigarrinha-do-milho é relativamente complexo, sendo necessário o uso de diferentes estratégias para redução dos danos causados pelos insetos e dos patógenos por eles transmitidos. A convivência dos enfezamentos do milho pelo produtor passa necessariamente pela adoção de um conjunto de boas práticas agrícolas que devem ser implementadas em nível regional. É importante ressaltar que nenhuma medida de controle isolada é 100% eficaz para o manejo adequado dos enfezamentos, dependendo assim da adoção de ações integradas de controle preventivas.
O milho é a única planta hospedeira conhecida no Brasil na qual D. maidis se alimenta e reproduz. Entretanto, a cigarrinha pode utilizar outras espécies de gramíneas para alimentação ou abrigo, tais como trigo, sorgo, milheto, capim colonião, braquiárias e capim elefante, especialmente, quando estas espécies são cultivadas próximas das lavouras de milho. Durante a entressafra, com a ausência de plantas de milho no campo, as populações da cigarrinha-do-milho são drasticamente reduzidas. Por outro lado, disponibilidade de plantas tigueras ou plantas voluntárias de milho na entressafra é condição essencial para a manutenção e multiplicação do inseto-vetor, dos molicutes e, consequentemente, para a disseminação dos enfezamentos. A presença de milho tiguera em lavouras de soja no cultivo de verão, aumenta grandemente a possibilidade da ocorrência de D. maidis no milho segunda safra e, consequentemente, dos enfezamentos. Trabalhos conduzidos na Fundação MS na safra 2022/2023 evidenciaram que 70% das plantas de milho tigueras presentes na soja apresentavam-se com molicutes em seus tecidos. Dessa forma, a eliminação das plantas de milho tiguera na cultura da soja é uma das estratégias mais importantes para se reduzir a incidência de enfezamentos no milho de segunda safra.
A utilização de genótipos de milho resistentes ou tolerantes aos molicutes é considerado outra estratégia eficiente para o manejo dos enfezamentos. Todavia, as variedades ou híbridos de milho disponíveis no mercado não têm apresentado resistência ou tolerância satisfatória. Alguns híbridos expressam sintomas, mas se mantêm produtivos, enquanto outros apresentam sintomas e têm sua produtividade drasticamente reduzida. Os híbridos podem apresentar índices de 10% a 60% de plantas com incidência de enfezamentos, sendo o uso de cultivares suscetíveis quando as populações de D. maidis estão elevadas na região produtora de milho, poderá ocorrer perdas expressivas na produção da cultura.
O controle das populações de D. maidis na fase inicial da cultura do milho é essencial visando reduzir os riscos de incidência dos enfezamentos. A fase inicial da cultura é considerada o período crítico para o controle, uma vez que quanto mais precoce for a infecção das plantas por molicutes, maiores serão os prejuízos. Alternativas para a redução de populações da cigarrinha-do-milho têm sido avaliadas por meio de métodos químicos, biológicos e culturais. Com relação ao emprego de inseticidas químicos, o controle do inseto-vetor deve ser realizado por meio dos produtos aplicados nas sementes e em pulverizações foliares da cultura entre a emergência e a fase V8 (oito folhas abertas).
Em regiões com baixa ocorrência de enfezamentos, apenas o tratamento da semente poderá garantir o controle satisfatório dessas doenças. O tratamento de sementes industrial tem sido mais adequado, quando comparado ao tratamento feito pelos próprios produtores em suas propriedades (“on farm”), em razão da maior precisão e uniformidade da dose do inseticida aplicado nas sementes. Nos locais onde a incidência dos enfezamentos é alta, o ideal é que a semeadura do milho e as pulverizações sejam realizadas simultaneamente por todos os produtores da região, o que evitaria o fluxo do inseto proveniente de migração de áreas vizinhas.
Estudo sobre o comportamento de dispersão de D. maidis na cultura do milho em três horários do dia (6h, 12h e 17h) em Chapadão do Sul/MS verificou-se que no período da manhã (6h) as cigarrinhas ficavam em repouso ou com pouca movimentação, mesmo quando perturbadas. Já no horário mais quente do dia (12h), o inseto ficava mais concentrado no cartucho da planta, enquanto que à tardinha (17h) as cigarrinhas apresentavam-se mais agitadas, provavelmente em comportamento de dispersão. Diante disso, verificou-se que pulverizações realizadas no final da tarde apresentaram uma melhor eficiência de controle da cigarrinha, quando comparado ao período matinal e do meio dia, sendo essa melhoria do controle provavelmente decorrente da maior mobilidade do inseto na área, o que proporcionou maior contato direto do inseto com a calda inseticida.
O controle biológico da cigarrinha-do-milho ocorre naturalmente através da ação de parasitoides e predadores de ovos bem como por meio do emprego de fungos entomopatogênicos em pulverizações. Formulações comerciais de Beauveria bassiana e Isaria fumosorosea têm sido utilizadas nas lavouras de milho para o controle de cigarrinha. Todavia, diferentemente dos inseticidas químicos, os produtos biológicos possuem ação mais lenta e requerem condições adequadas de umidade relativa do ar (UR) para se realizar as pulverizações. A associação de inseticidas químicos e biológicos tem proporcionado uma melhor performance na eficiência de controle da cigarrinha, quando comparado a utilização desses produtos isoladamente.
De forma geral, os maiores danos causados pelos enfezamentos ocorrem em plantios tardios, muitas vezes quando se faz o escalonamento de semeadura, quando as populações do inseto-vetor abandonam os plantios mais velhos para colonizar os plantios mais novos. Com isso, nunca deve fazer uma a semeadura nova próxima a plantios mais velhos, especialmente quando as plantas deste último já apresentam sintomas de enfezamentos.
Deve-se também sempre evitar ou mitigar perdas de espigas e de grãos de milho durante a colheita e o seu transporte nas lavouras. Os grãos de milho que caem no solo podem germinar quando encontrar umidade adequada e dar origem à uma planta tiguera.
Por fim, o convívio com enfezamentos no Brasil requer ações conjuntas e coordenadas de órgãos oficiais, da iniciativa privada e dos produtores para a adoção das práticas agrícolas adequadas para o manejo eficaz do inseto-vetor e dos enfezamentos nas paisagens agrícolas contendo a cultura do milho.
Por Crébio José Ávila (Embrapa Agropecuária Oeste); Charles Martins de Oliveira (Embrapa Cerrados); Suélen Cristina da Silva Moreira (Fundação Chapadão); Rodolfo Bianco (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná); e Marco Antonio Tamai (Universidade do Estado da Bahia)
Artigo publicado na edição 288 da Revista Cultivar Grandes Culturas
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