Como planejar irrigação por sulcos em declive

Por Bruno Pilecco Bisognin, Lucas Rodrigues Bastos e Lucas Migotto Alves, Campo e Lavoura

19.01.2024 | 10:56 (UTC -3)
Um trator com uma bomba envia a água pelos politubos ou mangueiras, que fazem a distribuição final no sulco - Fotos: Campo e Lavoura
Um trator com uma bomba envia a água pelos politubos ou mangueiras, que fazem a distribuição final no sulco - Fotos: Campo e Lavoura

Assim como os demais fatores determinantes da produtividade, como, por exemplo, sementes de qualidade, fertilidade do solo, manejo técnico e equipamentos de precisão, a irrigação vem se tornando um investimento indispensável quando se pensa em agricultura economicamente sustentável e com estabilidade produtiva.

A água tem seu papel fundamental, onde sua falta ou excesso pode ocasionar prejuízos em várias culturas, como da soja, que por ser uma cultura que necessita de aeração radicular, não tolera períodos de encharcamento do solo maiores que 48 horas. Deste modo, ao irrigar devemos ter dois cuidados. Irrigar na hora e na quantidade certa e retirar a água sem demora, para que esta irrigação não seja um fator que prejudique a produtividade.

Irrigação por sulcos em declividade

Este sistema consiste em construir sulcos no sentido do aclive/declive, ou seja, os sulcos devem ser demarcados da parte mais alta do terreno para a mais baixa, de forma que a água entre no início do sulco e pela superfície o percorra até a parte inferior, denominado tecnicamente como “tempo de avanço” (Ta).

Depois de a água chegar ao final do sulco, inicia-se a irrigação propriamente dita, denominada “tempo de oportunidade” (To). Esta é a fase mais importante, pois é nesse momento que se aplica a lâmina requerida, ou seja, o To é o tempo exigido para que se infiltre a lâmina requerida no final do sulco.

Para a sua construção são utilizados sulcadores, que podem ser de um dos vários modelos disponíveis no mercado de implementos agrícolas, onde são feitos sulcos com profundidade média de 15 cm e com espaçamento de 0,9 m a 1,5 m entre os sulcos, dependendo das características físicas do solo e da inclinação do terreno. O número de hastes varia de acordo com a potência do trator disponível na propriedade, variando de três a seis hastes.

Para definir o sentido das linhas dos sulcos, inicialmente deve ser realizado um levantamento altimétrico da área, formando um mapa de curvas de nível do talhão onde será instalado o sistema.

A partir das curvas de nível é possível que o projetista defina o sentido das linhas de sulcação, de forma que a declividade seja sempre positiva, pois caso a linha de sulco seja implantada com variações no sentido de fluxo da água, o projeto não irá funcionar corretamente, ficando partes da área sem irrigar e áreas com dificuldade de drenagem.

Caso a área seja muito irregular, com “lagoas e coroas”, é indicado realizar previamente a suavização do terreno, utilizando equipamentos de terraplanagem como lâminas, “scrapers” e sistema de orientação e acionamento vertical dos equipamentos. Importante salientar que o corte do perfil do solo não pode ultrapassar o limite de 5 cm, pois de 0 cm a 10 cm é onde encontra-se a camada mais fértil do solo.

A distribuição da água nas entradas dos sulcos pode ser feita de duas formas:

• Pressurizada: estende-se um politubo ao longo da sessão de irrigação e são feitos orifícios na posição de cada sulco. Sendo assim, a vazão total que entra na mangueira é dividida pelo número de orifícios do politubo. Estes orifícios podem ter diâmetros variados que podem ser definidos pelo projetista. Normalmente, no início do politubo há uma pressão maior e então devem ser feitos orifícios menores e ir aumentando conforme a distância do politubo.

O ponto positivo desta técnica é a facilidade de instalação e manejo do sistema. Entretanto, o custo é um pouco maior e deve-se utilizar alguma espécie de filtro na entrada para evitar que materiais estranhos entrem no sistema, entupindo os orifícios. Em alguns casos, necessita-se utilizar uma motobomba para pressurizar o sistema caso não se tenha altura de coluna d’água no canal de irrigação para fazer a pressurização por gravidade.

• Por gravidade: é criada uma taipa em nível na entrada dos sulcos, onde posteriormente a água deve ser distribuída manualmente por um aguador, que deve fazer pequenos cortes nesta taipa para a água ser direcionada ao sulco. O ponto positivo desta técnica é o menor custo de instalação e não necessitar de motobomba para pressurizar, entretanto necessita de maior mão de obra braçal e experiência para realizar a abertura das cavas.

Desta forma, cabe ao produtor e técnico responsável pela propriedade definir qual a melhor técnica para sua realidade.

Outro ponto de extrema importância é o momento certo de irrigar, pois muitas vezes a área é irrigada quando já atingiu o ponto de murcha permanente, ou seja, a irrigação é realizada de forma tardia, onde os efeitos negativos da seca já afetaram o potencial produtivo da planta. Além disso, deve-se ter em mente o tempo de irrigação por seção, pois se iniciada tardiamente, até conseguir irrigar a última sessão, esta pode ter atingido o ponto de murcha permanente.

Avaliação de um sistema de irrigação por sulcos em declividade

Para entender melhor a eficiência da irrigação por sulcos, realizamos a avaliação de um sistema que estava em operação na safra 2023 no município de Alegrete (RS), onde a área estava com a cultivar de soja 66i68 no início do estádio de maturação e as folhas já estavam caindo, aproximando-se do dia da colheita.

O comprimento dos sulcos era de 900 m, com espaçamento de 1,15 m, onde foi possível visualizar uma variação de altura e desenvolvimento das plantas conforme maior a distância da entrada de água.

A distribuição de água foi realizada de forma pressurizada, utilizando uma bomba de lata, instalada dentro de um canal de irrigação e acionada por um trator, sendo distribuída com um politubo de 380 mm diâmetro. O turno de rega (Ta+To), segundo o produtor, foi de 14 horas diárias em cada seção.

Realizamos um experimento na área, medindo a altura das plantas de soja e a declividade do terreno a cada 50 m ao longo dos 900 m de sulcos, repetindo em quatro locais diferentes, totalizando 76 pontos avaliados, sendo que a primeira avaliação foi realizada a 10 m do politubo. Desta forma, objetivou-se verificar se o projeto estava bem dimensionado ou se seria necessária uma readequação, subdividindo o talhão em mais seções de irrigação, com comprimentos menores.

Conforme análise do Gráfico 1, verifica-se que conforme maior a distância da entrada de água, menor foi a estatura das plantas, o que interfere diretamente na produtividade da cultura da soja.

Gráfico 1 – variação da altura das plantas ao longo do sulco de irrigação
Gráfico 1 – variação da altura das plantas ao longo do sulco de irrigação

Entretanto, se o sistema fosse implantado com 200 m de comprimento, o turno de rega deveria permanecer com 14 horas de irrigação, observa-se que ao final do sulco, o tempo de oportunidade não foi atingido, reduzindo consequentemente a estatura das plantas devido à falta de água. Desta forma, verifica-se que o comprimento dos sulcos foi muito elevado, necessitando um reajuste na distribuição de água.

Na Tabela 1, realizamos um teste estatístico chamado de teste de Tukey, para avaliar estatisticamente a variabilidade entre os pontos avaliados.

Tabela 1 - resultado da análise do teste de Tukey e variação de altura das plantas
Tabela 1 - resultado da análise do teste de Tukey e variação de altura das plantas

Conforme o teste de Tukey, verificamos uma grande variabilidade ao longo do sulco, sendo que a maior altura (110,5 cm) foi encontrada logo na saída de água a 0 m (a), onde o tempo de oportunidade foi maior. Seguidos pelos primeiros 200 m (b), onde já se observou uma variação de 20% na altura das plantas, sendo reduzida para a média de 88,43 cm de altura. A partir dos 250 m, as médias das alturas das plantas foram reduzidas por valores maiores que 30% da altura inicial, onde concluímos que já teria uma grande perda de potencial produtivo.

Aos 500 m de distância, obteve-se uma altura semelhante à de 0 m, entretanto verificamos que era apenas uma mancha com declividade de 0,7% e nos próximos 50 m a declividade era de 0,2%, ou seja, a declividade baixa no ponto posterior, “freou” a água, mantendo este local com um nível de água maior que os demais pontos, encharcando inclusive o camalhão entre os sulcos, proporcionando um melhor desempenho para as plantas neste local.

Fator semelhante poderia ter acontecido no ponto dos 750 m (Gráfico 2), por possuir uma declividade baixa (0,3%), entretanto como localizava-se na parte final, o tempo de oportunidade foi menor, não expressando resultados semelhantes.

Gráfico 2 – influência da declividade do terreno na altura da soja
Gráfico 2 – influência da declividade do terreno na altura da soja

Por fim, concluímos que nas condições de extrema seca, como foram nos últimos anos, a área avaliada deve ter um comprimento médio dos sulcos entre 200 m e 250 m, para que não se tenha tanta variabilidade na produtividade da entrada para o fim dos sulcos e o tempo de oportunidade seja uniforme em todo o talhão.

Nesse sentido, evidencia-se o quanto é necessário realizar um estudo prévio da instalação do projeto, coletando informações do solo, como horizonte característico, textura, estrutura, relevo, declividade, capacidade de infiltração, porosidade, ponto de murcha permanente, capacidade de campo, água disponível, velocidade de infiltração básica e aeração, ou seja, todas as variáveis pedológicas de natureza físico-hídrica para se obter um sistema com boa qualidade e resultando em produtividade.

Por Bruno Pilecco Bisognin, Lucas Rodrigues Bastos e Lucas Migotto Alves, Campo e Lavoura. Artigo publicado na edição 242 da Revista Cultivar Máquinas

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