Ácaro-rajado: um problema crescente na cultura do algodão

Por Jacob Crosariol Netto e Guilherme Gomes Rolim (Instituto Mato-grossense do Algodão); Raphael de Campos Castilho (Esalq/USP); Eduardo Moreira Barros (Barros Proteção de Plantas); e Daniela de Lima Viana (Comdeagro)

05.04.2024 | 15:30 (UTC -3)

Fator muito importante para o desenvolvimento de pragas e doenças é o sistema de produção adotado no cerrado brasileiro, que se caracteriza pela rotação de cultivos, sendo que, em grande parte das áreas, predominam os modelos soja-milho e soja-algodão. Essa constante sucessão dos mesmos cultivos impacta em ambientes cada vez mais favoráveis a determinados grupos de pragas, seja pela grande disponibilidade de alimentos ou pelos constantes desequilíbrios ocasionados pelo manejo praticado. Esses fatores potencializam os problemas com pragas, impactando na perda de produtividade, e encarecendo os custos de produção.

Nos últimos anos, dentre as pragas, o ácaro-rajado (Tetranychus urticae - Tetranychidae) foi o que mais cresceu de importância nesse sistema de cultivo adotado no cerrado brasileiro. No algodoeiro, o ácaro-rajado sempre foi considerado o principal ácaro-praga no Brasil. A ocorrência do ácaro-rajado no cultivo do algodoeiro é característica, com uma infestação inicial sempre em reboleira, com os ácaros alimentando-se na parte de baixo das folhas, no terço médio das plantas. Devido ao processo de alimentação, os sintomas na parte de baixo das folhas são pontos esbranquiçados ou prateados, e na parte de cima das folhas aparecem manchas amareladas, que com o passar do tempo tornam-se pardo-avermelhadas. Em ataques severos ocorrem necroses, e posteriormente o secamento e a queda das folhas. Também pode ocorrer danos nos frutos, que ficam endurecidos e secos, com coloração marrom. Em estudos recentes, realizados pelo Instituto Mato-grossense do Algodão, constataram-se diferenças de até 60 arrobas de algodão em caroço por hectare, comparando-se áreas infestadas com ácaro-rajado com e sem manejo de acaricidas.

Os problemas com ácaro-rajado aumentaram muito nas últimas cinco safras nos cultivos de algodoeiro em Mato Grosso. Tomando como referência a safra 2014/2015, o ácaro-rajado já era uma praga presente, no entanto a sua ocorrência normalmente acontecia no final de ciclo dos cultivos, e em ambientes mais secos. Naquela situação normalmente eram realizadas de duas a três aplicações com acaricidas, e o controle era efetivo. No entanto, atualmente o cenário de ocorrência dessa praga é totalmente diferente, sendo sua ocorrência constatada em algodão recém-semeado, mesmo em ambientes com alto índice de umidade. Essa situação tem provocado um aumento considerável no número de aplicações para o controle específico do ácaro-rajado no algodão, tendo variado entre 8 e 12 operações. Além disso, os problemas com ácaro-rajado aumentaram nos cultivos de soja e milho, ou seja, tornou-se uma praga muito importante em todo o sistema de produção.

Deste modo, uma pergunta é cada vez mais frequente dentro das unidades produtivas: qual(is) o(s) motivo(s) dessa praga ter crescido abruptamente de importância, elevando de maneira significativa os custos de produção? Sendo assim, nas últimas safras temos levantado pontos para tentar explicar o aumento na ocorrência dessa praga, com o intuito de preparar as unidades produtivas para combatê-la de maneira mais eficaz.

Causas do aumento

Dentre as causas do aumento populacional do ácaro-rajado, podemos citar:

• Sistema de produção: o atual sistema de produção (soja-algodão; soja-milho) faz com que existam plantas cultivadas na área em grande parte do ano, criando a chamada “ponte-verde”, que representa a disponibilidade de alimento e abrigo para o ácaro-rajado. Além disso, o manejo empregado em todo o sistema acaba afetando a ocorrência do ácaro-rajado.

• Intensificação do uso de fungicidas no sistema: o uso intensivo de fungicidas no sistema de produção, motivado pela crescente ocorrência de doenças associadas principalmente aos cultivos de soja e algodão. Esses fungicidas não seletivos deixam o ambiente menos propício para o controle biológico natural de ácaros pelos fungos benéficos, como aqueles do gênero Neozygites, que geralmente são muito eficientes no controle do ácaro-rajado. Desta forma, sem o controle natural, as populações do ácaro-rajado crescem de maneira livre, tornando-se problema relevante nesses cultivos.

• Uso de inseticidas de amplo espectro de ação: os inseticidas de amplo espectro são aqueles que apresentam efeito de controle sobre pragas e sobre inimigos naturais, ou seja, com baixa seletividade, também deixando o sistema desfavorável para a ocorrência do controle biológico natural. Na cultura do algodoeiro, infelizmente, grande parte dos inseticidas que performam bem para o controle do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) é de amplo espectro, o que impacta de forma negativa na população de insetos e ácaros predadores que atuam no controle natural do ácaro-rajado.

• Populações sob constante efeito de hormoligose/hormese: a hormoligose ou hormese é um efeito estimulatório em determinados parâmetros biológicos provocado pelo uso de subdoses de alguns compostos. O uso constante e crescente de inseticidas dos grupos dos piretroides e neonicotinoides no sistema para o controle de outras pragas, como por exemplo bicudo no algodão, percevejos (Euschistus heros e Diceraeus spp.) na soja e no milho e cigarrinhas (Dalbulus maidis) no milho, proporciona um impacto secundário em populações do ácaro-rajado, acelerando o seu ciclo de desenvolvimento e elevando as taxas reprodutivas, ou seja, aumentando sua infestação. Esse aumento na infestação do ácaro-rajado ocorre principalmente em cultivos que antecedem (soja) ou margeiam (milho) o algodão, aumentando os seus problemas.

• Perda de sensibilidade das populações a moléculas acaricidas: devido ao uso constante, algumas moléculas acaricidas não apresentam a mesma taxa de controle do que o observado no passado, impactando inicialmente em aumento de dose, e posteriormente em perda da ferramenta de controle. Dentre os acaricidas mais utilizados no sistema, produtos à base de abamectina são os grandes exemplos, sendo no passado a principal ferramenta utilizada, e atualmente, na maior parte das áreas, quando aplicados de maneira isolada, essas moléculas apresentam baixa eficácia sobre populações do ácaro-rajado. Essa diminuição na taxa de controle está relacionada a uma possível evolução da resistência em determinadas populações do ácaro-rajado a algumas moléculas acaricidas.

Recomendações para um bom manejo

Um manejo adequado do ácaro-rajado requer diversas medidas conjuntas. Dentre elas, podemos citar:

• Monitoramento constante e eficiente: para o manejo de qualquer praga, o monitoramento eficiente é o principal trunfo. Para isso, é necessário ter uma equipe compatível com o tamanho da área semeada, e bem treinada, com as amostragens sendo realizadas de maneira periódica e frequente. A identificação de reboleiras do ácaro-rajado, principalmente em início de formação, é primordial para o bom manejo da praga, possibilitando inclusive que o controle seja feito de maneira localizada, economizando nos custos de aplicação. Nos cultivos de algodão o nível de controle adotado é de 10% de plantas infestadas.

• Uso de inseticidas seletivos: utilizar moléculas inseticidas que controlam as pragas de maneira eficaz e ainda possibilitam a permanência de inimigos naturais no sistema de cultivo. A utilização desses produtos seletivos possibilita o controle natural do ácaro-rajado, impactando em ressurgências menos frequentes, mantendo o ambiente mais equilibrado. Sabe-se que, atualmente, a depender da praga a ser controlada, há pouquíssimas opções de moléculas seletivas, no entanto essas pequenas escolhas podem trazer impactos positivos no sistema como um todo.

• Programa de controle com rotação de ativos: a utilização de inseticidas ou acaricidas em sistema de rotação de modos de ação é primordial, pois reduz o processo de seleção natural de indivíduos resistentes. Sendo assim, a orientação para culturas como milho, soja e algodão, ou seja, em todo o sistema de produção. Além disso, que sejam definidas janelas de ação, desde o período de pré-plantio até o momento da colheita, evitando-se expor a molécula utilizada para controle em duas janelas sequenciais.

• Uso integrado de ferramentas de controle: como mencionado anteriormente, devido ao crescente problema de ácaro-rajado nos sistemas de cultivos do Cerrado, o número de aplicações de produtos químicos tem aumentado, pressionando a uma maior utilização das poucas moléculas eficientes para o controle dessa praga. Dentre os estudos realizados pelo Instituto Mato-grossense do Algodão, as principais moléculas químicas utilizadas para o controle do ácaro-rajado são: diafentiuron, tolfenpyrad, espiromesifeno, propargite, abametina + etoxazole, diafentiuron + etoxazole e clorfenapir. Todas essas moléculas, quando aplicadas em doses adequadas e quando a praga atinge o nível de controle, entregam boa performance. Uma nova molécula, isocycloceram, foi registrada recentemente, e apresentou boa performance. No entanto, ainda assim, são poucas as opções para um programa estruturado de rotação de ativos, sendo necessárias novas opções de moléculas, além da integração com agentes de controle biológico.

Em relação ao controle biológico, vários resultados foram gerados na safra 2022/2023 com o fungo Beauveria bassiana, principalmente com a Cepa IBCB 66. Os resultados observados foram totalmente positivos quando esse produto foi aplicado em final de tarde, com alta umidade, e no intervalo de aplicações de fungicidas.

Outros agentes de controle biológico estão em processo de estudo, como por exemplo a utilização de ácaros predadores Phytoseiidae. Muitos cultivos agrícolas não extensivos, como morango e ornamentais, utilizam esses predadores para o controle do ácaro-rajado, com ótimos resultados. Porém, em cultivos extensivos, como o algodão no Mato Grosso, esses predadores ainda não são utilizados de maneira aplicada. Estudos têm sido desenvolvidos pelo Laboratório de Acarologia da Esalq/USP visando o uso de ácaros predadores em um sistema de manejo integrado, para atender a grande demanda para o controle do ácaro-rajado em cultivos de algodão, com bons resultados iniciais. A liberação desses predadores, no momento correto - por isso a importância do monitoramento -, e em condições adequadas em relação aos produtos químicos, como discutido acima, também poderá evitar que o ácaro-rajado atinja altas populações.

• Manejo do ácaro-rajado no sistema de produção: essas recomendações para o manejo do ácaro-rajado, citadas acima, para que sejam realmente efetivas, devem ser realizadas em todo o sistema de produção (algodão/milho/soja), e não apenas para os cultivos do algodoeiro de maneira isolada.

Por Jacob Crosariol Netto e Guilherme Gomes Rolim (Instituto Mato-grossense do Algodão); Raphael de Campos Castilho (Esalq/USP); Eduardo Moreira Barros (Barros Proteção de Plantas); e Daniela de Lima Viana (Comdeagro)

Artigo publicado na edição 297 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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