Controvérsias sobre a propriedade intelectual, os royalties e a inovação na agricultura

Por Antônio Márcio Buainain, Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do INCT/PPED, Adriana Carvalho de Pinto Vieira, Pesquisadora do INCT/PPED, e Roney Fraga Souza, Professor da Faculdade de Economia da UFMT

25.03.2024 | 14:37 (UTC -3)

O eixo central do livro Propriedade Intelectual, Royalties e Inovação na Agricultura, recém-lançado pela ideiaD, é a inovação, sem a qual não há desenvolvimento, e as controvérsias relacionadas ao papel da propriedade intelectual no desenvolvimento da agricultura brasileira. Nele abordamos as condições, incentivos, riscos e regras do jogo da inovação, os beneficiários e a distribuição dos benefícios da inovação entre os stakeholders, assim como as dificuldades enfrentadas pelas empresas inovadoras e pelos produtores que utilizam as novas tecnologias. 

São temas relevantes que provocam polêmicas, em parte porque são complexos, já que os atores têm interesses e visões distintas sobre os problemas e propõem caminhos alternativos para enfrentá-los. Algumas são alimentadas por vieses ideológicos, que distorcem a análise da dinâmica do desenvolvimento e levam a proposições que não raramente revelam profunda incompreensão dos assuntos tratados, além de poder provocar danos e prejuízos a pessoas, empresas e à sociedade em geral. Esse é o caso de muitas das polêmicas que cercam as patentes, a cobrança de royalties e o papel na inovação biotecnológica na agricultura.

Procuramos ser didáticos, mas sem concessões a simplificações que muitas vezes contribuem para difundir visões equivocadas sobre a propriedade intelectual, preço de tecnologias protegidas e pagamentos de royalties. Também procuramos explicitar as polêmicas, e em muitas tomamos partido e explicamos a linha de raciocínio que justifica nosso ponto de vista, sempre deixando espaço para o leitor formar a própria opinião.

Uma simplificação comum é que a patente concede ao inventor o monopólio para a exploração econômica do ativo protegido. Daí para a confusão de que patentes levam a abusos por parte das empresas que comercializam os produtos inovadores é um pulo.

No livro argumentamos que as patentes não conferem nenhum poder de mercado especial, muito menos o de impor preços abusivos, que as inovações raramente são formadas por um uma única patente e que em geral incluem um conjunto de ativos, alguns protegidos por direitos de PI, como a marca da empresa, o segredo e o know-how, e outros que, mesmo não sendo legalmente protegidos, são valiosos e podem ser essenciais para viabilizar uma inovação de sucesso no mercado.

Neste contexto, o ativo protegido pela patente é apenas um dos componentes de uma inovação, cujo sucesso comercial depende de muitos outros fatores e variáveis. De toda maneira, não se nega a possibilidade de distorções praticadas por empresas que conseguiram posições de liderança em mercados altamente inovadores, e indicamos que, se e quando abuso houver, cabe intervenção dos órgãos responsáveis pela regulação da concorrência para identificar as causas, e não intervenções ad hoc que possam comprometer os direitos associados à PI.

Outro aspecto abordado se refere à importância da PI para estimular e viabilizar as pesquisas e desenvolvimento (P&D). As inovações exigem grandes investimentos em P&D que são cada vez mais complexos, têm taxas de risco elevadas e carregam muitas incertezas, inclusive as institucionais, associadas às crescentes exigências que pautam as pesquisas científicas de ponta e a difusão de novos produtos em mercados altamente regulamentados.

Ao contrário do que se pensa, a PI não garante o lucro das empresas inovadoras, mas é necessária para garantir o incentivo e a possibilidade de assumir riscos com a perspectiva incerta de obter sucesso em alguns projetos. Alguns estudos indicam que o fracasso total ou parcial de projetos de inovação varia entre 40 e 90% dos casos identificados na literatura (referências no livro, p. 87) e que os custos dos fracassos são elevadíssimos, na casa de centenas de bilhões de dólares, responsáveis pela falência de várias empresas nas últimas décadas.

Somos fãs e defensores incondicionais da Embrapa e pensamos que é fundamental reforçar a capacidade de pesquisa das instituições públicas, não apenas na agricultura e na saúde, mas em todas as áreas da ciência. Mas o livro foca na importância estratégica das empresas privadas, em particular as responsáveis pelas inovações tecnológicas embarcadas nas sementes e bioinsumos, e pelas controvérsias em torno da cobrança de royalties por essas empresas.

A legislação brasileira é bastante equilibrada ao regular e proteger os direitos dos inventores (Lei de Propriedade Industrial), melhoristas (Lei de Proteção de Cultivares) e dos produtores (reserva de sementes para uso próprio). As controvérsias têm se concentrado na questão dos prazos de validade das patentes e dos valores dos royalties.

No livro estendemo-nos mais sobre a formação dos preços de tecnologias inovadoras e sustentamos que o valor dos royalties é definido pelo detentor da tecnologia, tendo como base as estimativas de benefícios que a tecnologia traz para o usuário, as condições vigentes nos mercados relevantes, os investimentos em P&D, os custos de produção e a própria estratégia de mercado das empresas.

Os produtores são extremamente eficientes, como demonstra o próprio sucesso da agricultura, e não fariam escolhas ou pagariam por uma tecnologia se ela não oferecesse benefícios tangíveis. Não chegamos a estimar como se dá a distribuição de benefícios, mas a velocidade na qual as sementes biotecnológicas se difundiram no Brasil indica que o jogo tem sido de ganha-ganha e que manter os incentivos para que todos continuem investindo e ganhando é estratégico para a continuidade do desenvolvimento da agricultura brasileira.

*Por Antônio Márcio Buainain, Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), Adriana Carvalho de Pinto Vieira,  Pesquisadora do INCT/PPED, e Roney Fraga Souza, Professor da Faculdade de Economia da UFMT

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