
A piraclostrobina constitui um fungicida sistêmico desenvolvido pela BASF no final da década de 1990, com registro comercial iniciado em 2002. O princípio ativo deriva das estrobilurinas naturais, cuja descoberta revolucionou o desenvolvimento de fungicidas modernos.
As estrobilurinas originais foram extraídas do fungo Strobilurus tenacellus, que cresce em cones de pinheiro caídos e secreta substâncias fungicidas na madeira em decomposição. A primeira estrobilurina foi isolada em 1977 do micélio deste fungo saprófito basidiomiceto.
A atividade fungicida desta secreção natural impede a invasão por outros fungos, mecanismo que inspirou o desenvolvimento de fungicidas sintéticos baseados nesta estrutura química. As estrobilurinas naturais foram nomeadas na ordem de descoberta como estrobilurina-A, seguida por estrobilurina-B, C, D, abrindo caminho para nova química de fungicidas sintéticos.
A piraclostrobina representa a segunda geração de estrobilurinas sintéticas, desenvolvida através da otimização da fotoestabilidade e atividade fungicida dos compostos naturais. A descoberta do poder fungicida das estrobilurinas representou um significativo desenvolvimento na produção de pesticidas baseados em compostos derivados de fungos.
Sua aplicação concentra-se no controle de doenças fúngicas foliares em culturas de importância econômica, estabelecendo-se como componente essencial em programas de manejo integrado de doenças.
Propriedades químicas
Nome comum (ISO): piraclostrobina
Número CAS: 175013-18-0
Nome químico oficial (IUPAC): methyl {2-[1-(4-chlorophenyl)pyrazol-3-yloxymethyl]phenyl}(methoxy) carbamate
Fórmula química bruta: C19H18ClN3O4
Classe química: estrobilurina
A solubilidade em água atinge 1,9 mg/L a 20°C. O coeficiente de adsorção (Koc) varia entre 6.000-16.000 mL/g, indicando afinidade moderada com a matéria orgânica do solo. A meia-vida no solo oscila entre 14-45 dias, demonstrando persistência moderada no ambiente.
Mecanismo de ação
A piraclostrobina atua como inibidor QoI (quinone outside inhibitor), classificada no grupo FRAC 11. O mecanismo envolve bloqueio da transferência de elétrons no complexo citocromo-bc1, especificamente na oxiredutase ubihidroquinona-citocromo-c. Esta interferência impede a síntese de ATP mitocondrial, resultando em cessação do crescimento micelial e morte celular do patógeno.
O gene mitocondrial cyt b constitui o alvo bioquímico primário. A inibição da cadeia respiratória mitocondrial impossibilita a utilização de oxigênio pela célula fúngica. Consequentemente, ocorre interrupção dos processos energéticos essenciais para crescimento e reprodução do fungo.
Espectro de controle
Na cultura da soja, o produto controla ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi) em doses de 50-100 g i.a./ha. O oídio (Microsphaera diffusa) requer 50-75 g i.a./ha, enquanto a mancha-parda (Septoria glycines) demanda 50-100 g i.a./ha. As aplicações ocorrem preferencialmente no início do enchimento de grãos (R3-R4).
No milho, a ferrugem-comum (Puccinia sorghi) responde a 75-100 g i.a./ha. A helmintosporiose (Exserohilum turcicum) exige doses de 75-125 g i.a./ha. O posicionamento recomendado concentra-se no pendoamento (VT) ou início da polinização.
Para trigo, a ferrugem da folha (Puccinia triticina) necessita 75-100 g i.a./ha. O oídio (Blumeria graminis) requer 50-75 g i.a./ha, enquanto a giberela (Fusarium graminearum) demanda 100-125 g i.a./ha. A aplicação ideal ocorre no emborrachamento (Z41-Z49).
No café, a ferrugem (Hemileia vastatrix) exige 100-150 g i.a./ha e a cercosporiose (Cercospora coffeicola) necessita 100-125 g i.a./ha. As aplicações concentram-se no início do período chuvoso.
Resistência e manejo
O emprego contínuo das estrobilurinas representa alto risco para desenvolvimento de resistência devido ao alvo único de ação. Casos documentados incluem Mycosphaerella graminicola em trigo na Europa (2002) e Alternaria solani em batata nos EUA (2008).
O manejo da resistência exige rotação obrigatória com fungicidas de diferentes grupos FRAC. Misturas com triazóis (FRAC 3) ou carboxamidas (FRAC 7) reduzem a pressão de seleção. O limite máximo de duas aplicações por ciclo produtivo previne acúmulo de pressão seletiva. O uso de dose cheia mantém eficácia e reduz seleção de populações resistentes.
Aspectos ambientais
A classificação toxicológica enquadra o produto na Classe III (medianamente tóxico). O potencial de lixiviação apresenta-se baixo a moderado, limitado pela afinidade com matéria orgânica. A mobilidade reduz-se significativamente em solos com alto teor orgânico.
O impacto em organismos não-alvo mantém-se limitado para aves e abelhas. Entretanto, a toxicidade para organismos aquáticos classifica-se como alta, exigindo cuidados especiais em aplicações próximas a corpos d'água.
Compatibilidades e interações
O produto demonstra compatibilidade com triazóis, benzimidazóis, carboxamidas, organofosforados e piretróides. Fertilizantes foliares como ureia e sulfato de amônio não apresentam incompatibilidade. O glifosato e 2,4-D mantêm estabilidade em misturas.
Produtos de reação alcalina (pH >8,0) causam incompatibilidade. Óleos minerais em altas concentrações interferem na estabilidade. Fungicidas cúpricos aumentam o risco de fitotoxicidade, especialmente em condições de alta pressão de pulverização.
Posicionamento agronômico
A eficácia mantém-se estável após 2-4 horas da aplicação, mesmo com ocorrência de chuva. Temperaturas superiores a 35°C reduzem a performance. A umidade relativa ótima situa-se entre 60-85%. A cobertura vegetal adequada constitui fator essencial para controle preventivo.
O produto oferece ação sistêmica e translaminar, proporcionando amplo espectro de controle. O baixo risco de resistência cruzada com outros grupos constitui vantagem adicional. O efeito fisiológico positivo ("greening effect") prolonga a área foliar fotossinteticamente ativa.
As limitações incluem ineficácia contra oomicetos como Phytophthora e Pythium. A resistência cruzada dentro do grupo das estrobilurinas representa restrição importante. O custo elevado comparado a fungicidas de contato limita o uso em algumas situações.
Integração em sistemas produtivos
A piraclostrobina integra-se como componente essencial em programas de manejo integrado de doenças. O uso preferencial em misturas reduz significativamente o risco de resistência. O posicionamento estratégico concentra-se em momentos críticos da cultura, quando a pressão de doenças atinge níveis econômicos.
Em hortaliças, aplicações preventivas em intervalos de 10-14 dias mantêm proteção adequada. A alternância com outros modos de ação adapta-se conforme pressão específica de doenças. O monitoramento constante das condições climáticas orienta decisões de aplicação.
A eficiência do produto maximiza-se quando integrado a práticas culturais adequadas. O manejo de restos culturais, rotação de culturas e uso de cultivares resistentes complementam a ação fungicida. Esta abordagem integrada assegura sustentabilidade do controle químico e preservação da eficácia do princípio ativo.