
O oídio do trigo, causado pelo fungo Blumeria graminis f. sp. tritici, representa um dos principais desafios fitossanitários para a triticultura mundial e brasileira.
O patógeno, pertencente ao grupo dos ascomicetos, destaca-se pela sua elevada especificidade ao hospedeiro, complexidade biológica e capacidade adaptativa, estabelecendo uma relação biotrófica sofisticada com a planta de trigo que resulta em impactos significativos na produtividade desta cultura essencial para a segurança alimentar global.
Posição taxonômica e especificidade
Taxonomicamente, B. graminis pertence ao Reino Fungi, Filo Ascomycota, Classe Leotiomycetes, Ordem Erysiphales e Família Erysiphaceae.
A espécie sofreu reclassificação taxonômica. Anteriormente era denominada Erysiphe graminis. Sua realocação ao gênero Blumeria ocorreu em 1975, com base em características morfológicas e biológicas distintas dos demais membros da ordem Erysiphales.
Uma característica marcante deste patógeno é sua divisão em formae speciales, linhagens especializadas que, embora morfologicamente semelhantes, apresentam elevada especificidade de hospedeiro.
A forma especial tritici infecta exclusivamente o trigo (Triticum spp.), enquanto outras formae speciales como hordei, avenae e secalis são especializadas em cevada, aveia e centeio, respectivamente.
Esta especialização reflete um longo processo coevolutivo entre patógeno e hospedeiro, resultando em adaptações específicas para colonização de hospedeiros particulares, o que tem implicações importantes para o manejo da doença em diferentes cereais.
Ciclo biológico e estratégias de infecção
O ciclo de vida de B. graminis f. sp. tritici compreende duas fases reprodutivas complementares que garantem tanto a disseminação eficiente durante o período de cultivo quanto a sobrevivência em condições adversas.
A fase assexuada (anamorfa) predomina durante a estação de crescimento do trigo e caracteriza-se pela produção abundante de conídios, enquanto a fase sexuada (teleomorfa) ocorre principalmente ao final do ciclo da cultura ou em condições ambientais desfavoráveis.
O processo infeccioso inicia-se quando conídios são depositados na superfície foliar. Em condições favoráveis de temperatura (15-22°C) e umidade relativa elevada, a germinação ocorre rapidamente, em aproximadamente 1-2 horas. Este processo compreende a formação sequencial de estruturas especializadas: primeiramente o tubo germinativo primário, seguido pelo tubo germinativo secundário que origina o apressório, estrutura responsável pela penetração na epiderme do hospedeiro. Esta penetração ocorre através de uma combinação de pressão mecânica e degradação enzimática da cutícula e paredes celular, envolvendo cutinases, celulases e pectinases secretadas pelo fungo.
Após a penetração, estabelece-se uma relação biotrófica sofisticada, com a formação de haustórios nas células epidérmicas. Estas estruturas especializadas invaginam a membrana plasmática da célula hospedeira sem rompê-la, criando uma interface íntima de comunicação e translocação de nutrientes. Entre a parede do haustório e a membrana da célula hospedeira forma-se a matriz extrahaustorial, região crítica para a absorção de nutrientes e para a secreção de efetores que modulam as respostas defensivas da planta.
A colonização prossegue com o desenvolvimento de hifas superficiais que formam o característico micélio branco-acinzentado sobre a superfície foliar. Em 3-5 dias após a infecção inicial, formam-se conidióforos eretos perpendiculares à superfície do micélio, os quais produzem cadeias de conídios. Estes esporos assexuados são facilmente dispersos pelo vento, podendo ser transportados por dezenas a centenas de quilômetros, iniciando novas infecções. Este ciclo assexuado pode repetir-se múltiplas vezes durante a estação de cultivo, com intervalos de 7-10 dias entre ciclos completos, o que explica o caráter epidêmico da doença em condições ambientais favoráveis.
A fase sexuada completa-se com o desenvolvimento de cleistotécios, corpos de frutificação inicialmente esbranquiçados que progressivamente escurecem até tornarem-se marrom-escuros ou negros. Estas estruturas contêm ascos com ascósporos e funcionam como importantes unidades de sobrevivência durante períodos desfavoráveis. Na primavera seguinte, em condições adequadas de umidade, os cleistotécios rompem-se, liberando ascósporos que podem iniciar novas infecções primárias.
Mecanismos patogênicos e interação molecular
A patogenicidade de B. graminis f. sp. tritici fundamenta-se em sofisticados mecanismos moleculares que permitem ao fungo evadir as defesas do hospedeiro e estabelecer a relação biotrófica. Como biotrófico obrigatório, o patógeno precisa manter as células do hospedeiro vivas, subvertendo os mecanismos de defesa da planta sem desencadear respostas hipersensíveis que resultariam em morte celular.
Neste contexto, destaca-se a secreção de efetores proteicos que interferem em várias vias de sinalização de defesa vegetal, particularmente aquelas mediadas por ácido salicílico e ácido jasmônico. Estes efetores modulam o metabolismo celular do hospedeiro, redirecionando nutrientes para o haustório e suprimindo respostas imunes. O haustório funciona como um sumidouro metabólico, absorvendo preferencialmente glicose, frutose e aminoácidos através de transportadores especializados expressos em sua membrana.
A interação molecular entre patógeno e hospedeiro segue frequentemente o modelo gene-a-gene, no qual genes de avirulência (Avr) do patógeno correspondem a genes de resistência (R) do hospedeiro. Exemplos notáveis incluem o gene de avirulência AvrPm3a2/f2, reconhecido pelos alelos de resistência Pm3a e Pm3f do trigo, e AvrPM2, reconhecido por Pm2. Estudos recentes indicam que isolados brasileiros de B. graminis f. sp. tritici apresentam alta frequência de virulência (≥95%) para Pm2 e Pm3a, sugerindo que estes genes de resistência não são mais efetivos na região. Por outro lado, genes mais recentes como Pm25, Pm35, Pm37 e MlAG12 apresentam baixa frequência de virulência (≤6%), indicando que ainda são efetivos contra isolados brasileiros.
A grande variabilidade genética de B. graminis f. sp. tritici, resultante tanto da reprodução sexuada quanto de mecanismos como recombinação somática e alta taxa de mutação, permite ao fungo adaptar-se rapidamente, superando resistências genéticas introduzidas em cultivares comerciais.
Dispersão e epidemiologia
A disseminação de B. graminis f. sp. tritici ocorre predominantemente via aérea, através dos conídios produzidos abundantemente durante a fase assexuada. Estes esporos são facilmente destacados dos conidióforos por correntes de ar, apresentando pico de liberação geralmente entre 10h e 14h, quando a umidade relativa diminui após períodos úmidos. Este mecanismo de liberação, associado à leveza dos conídios, permite dispersão a longas distâncias.
Diversos fatores ambientais modulam a dispersão e o estabelecimento da doença. Temperaturas entre 15°C e 22°C associadas à umidade relativa superior a 70% propiciam condições ideais para a germinação dos conídios. Interessantemente, ao contrário de muitos outros patógenos fúngicos, B. graminis f. sp. tritici não requer água livre para germinação, sendo favorecido por condições de alta umidade sem precipitação intensa, que poderia remover os conídios da superfície foliar.
A epidemiologia do oídio caracteriza-se pelo desenvolvimento de focos iniciais que rapidamente se expandem sob condições favoráveis. O período de latência relativamente curto (7-10 dias) e a produção massiva de conídios conferem à doença alto potencial epidêmico, particularmente em cultivos densos que dificultam a circulação de ar e favorecem microclimas úmidos.
Impacto na triticultura brasileira
No contexto agrícola brasileiro, o oídio do trigo tem ganhado destaque nas últimas seis temporadas, com epidemias mais frequentes e severas, especialmente nas regiões Sul e Centro-Oeste. Este aumento é atribuído a invernos mais amenos e úmidos, condições ideais para o desenvolvimento do patógeno, bem como ao uso generalizado de cultivares suscetíveis. Estudos recentes indicam que a frequência de virulência para genes de resistência mais antigos, como Pm2, Pm3a, Pm4a, Pm4b, Pm8 e Pm17, é extremamente alta (≥95%) entre isolados brasileiros, refletindo a perda de efetividade desses genes. Em contraste, genes mais recentes, como Pm25, Pm35, Pm37 e MlAG12, ainda apresentam baixa frequência de virulência (≤6%), sugerindo que são promissores para uso em programas de melhoramento genético.
O impacto econômico da doença manifesta-se através da redução do potencial produtivo, com perdas que podem atingir entre 20% e 79% em condições favoráveis à doença, especialmente quando a infecção ocorre nos estágios iniciais de desenvolvimento da planta. Em estudos específicos, perdas de 32% foram observadas na cultivar BR 23 e de 79% na cultivar OR 1, ambas suscetíveis ao oídio. Além das perdas diretas em produtividade, o oídio pode afetar a qualidade dos grãos, resultando em depreciação do produto final.
Manejo do patógeno
O manejo desta enfermidade na triticultura brasileira baseia-se fundamentalmente em três estratégias complementares: resistência genética, controle químico e práticas culturais. No que diz respeito à resistência genética, é fundamental priorizar a incorporação de genes de resistência mais recentes e ainda efetivos contra isolados brasileiros, como Pm25, Pm35, Pm37 e MlAG12, em novos cultivares, para garantir durabilidade da resistência. Os programas de melhoramento genético liderados por instituições como a Embrapa têm desenvolvido cultivares com diferentes níveis de resistência ao patógeno, representando uma estratégia sustentável e economicamente viável para os produtores.
O controle químico, através da aplicação de fungicidas dos grupos dos triazóis e estrobilurinas, constitui alternativa importante, particularmente em situações de alta pressão da doença ou quando se utilizam cultivares suscetíveis. Contudo, o uso continuado destas moléculas tem selecionado populações do patógeno com sensibilidade reduzida. Estudos recentes demonstraram a perda de sensibilidade de isolados brasileiros de B. graminis f. sp. tritici ao fungicida triadimenol, utilizado como tratamento de sementes, o que explica falhas no controle relatadas por produtores desde a safra de 2008 no Sul do Brasil. Isso ressalta a importância de monitorar a sensibilidade do patógeno aos fungicidas e adotar estratégias de manejo integrado, incluindo a rotação de diferentes grupos químicos e o uso de misturas, para retardar o desenvolvimento de resistência.
As práticas culturais, incluindo rotação de culturas, manejo adequado da densidade de plantio e da adubação nitrogenada (que pode favorecer o desenvolvimento da doença quando excessiva), complementam o arsenal de medidas disponíveis aos triticultores brasileiros.
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