Solo fértil reduz nematoides

Por Henrique Debiasi Julio Cezar Franchini Waldir Pereira Dias Edison Ulisses Ramos Jr. e Alvadi A. Balbinot Jr., Embrapa Soja

05.07.2023 | 10:25 (UTC -3)

Além de aumentar a tolerância das plantas aos danos dos principais nematoides que atacam a raiz da soja, o correto manejo do solo, focado na melhoria contínua de sua fertilidade, contribui para a formação de um ambiente desfavorável (supressivo) a esses parasitas, diminuindo suas populações ao longo do tempo.

O ambiente solo pode se tornar supressivo aos nematoides por meio da alteração de atributos relacionados à biologia (fatores bióticos) e/ou à química e à física (fatores abióticos). No primeiro caso, tem-se o controle biológico conservativo, definido como sendo a modificação do ambiente ou das práticas de manejo adotadas de forma a proteger e a favorecer organismos com efeito antagônico para reduzir a densidade populacional dos nematoides e, dessa forma, seus danos. Os agentes de controle biológico favorecidos pela melhoria do ambiente ou das práticas de manejo adotadas podem ser introduzidos / aplicados ou presentes naturalmente na área.

A melhoria do ambiente solo visando otimizar o controle biológico conservativo de nematoides é fundamentada nos princípios que regem o sistema plantio direto (SPD), ou seja, no aporte contínuo de material orgânico via palha e raízes, na diversidade de espécies vegetais, na cobertura permanente e no mínimo revolvimento. A adição de material orgânico ao solo, sobretudo via raízes e palha das plantas que compõem os sistemas de produção, fornece energia e nutrientes necessários à biota do solo. Esse aporte deve ser contínuo ao longo do tempo, pois o estímulo à biota do solo e, consequentemente, os efeitos na supressão dos fitonematoides, ocorrem mais intensamente durante as fases iniciais de decomposição do material orgânico fresco adicionado. Ressalta-se também a importância da presença de raízes vivas e bem distribuídas na área pelo maior período de tempo possível, pois liberação contínua de compostos orgânicos e outros nutrientes pelo sistema radicular (exsudatos) estimula a atividade biológica em uma fina camada de solo ao redor das raízes (rizosfera).

Além dos compostos orgânicos e nutrientes fornecidos pela biomassa vegetal, o aumento da atividade biológica envolve a formação de um ambiente físico e químico compatível com a vida do solo. Não se pode esperar que qualquer organismo do solo, nativo ou introduzido / aplicado, seja eficiente na supressão de nematoides em um ambiente solo perturbado mecanicamente, com altas temperaturas, baixa umidade e excessivamente ácido. Portanto, a cobertura permanente, o mínimo revolvimento do solo e a correção da acidez de acordo, como preconizado pela pesquisa, são condições básicas para a supressão biológica de fitonematoides, proporcionando condições químicas, abrigo, umidade e temperatura favoráveis à biota do solo.

Por fim, quanto maior for a diversidade da biota do solo, maior é a probabilidade de existir algum organismo com efeito antagônico aos nematoides. Como cada espécie vegetal favorece determinadas classes e espécies de organismos do solo, principalmente na rizosfera, o aumento da diversidade de culturas no sistema de produção reflete diretamente na diversidade da biota do solo e, assim, no efeito supressivo desse sobre os fitonematoides.

Um exemplo de como o manejo adequado da fertilidade do solo favorece o controle biológico conservativo de nematoides é mostrado na Figura 1, elaborada a partir do trabalho de Stirling et al. (2011). Tal trabalho foi realizado em áreas de cana-de-açúcar (colheita da planta verde, com a manutenção dos restos culturais na superfície do solo), conduzidas sobre Latossolos argilosos na Austrália. A camada mais superficial do solo, com maior teor de carbono orgânico total (COT) e, sobretudo, da fração lábil (CL, correspondente à fração orgânica mais acessível à biota do solo), apresentou maiores atividades microbianas e população de fungos, o que, por sua vez, refletiu-se em maior densidade de nematoides não parasitas de plantas, incluindo os predadores de outros nematoides (carnívoros). Como resultado da maior atividade microbiana, e das maiores populações de fungos e nematoides predadores, a densidade populacional de nematoides parasitas de plantas foi cerca de três vezes menor na camada superficial, com a consequente redução em 90%, da porcentagem de plantas parasitadas e aumento da nota de sanidade radicular.

Em resumo, a adição de material orgânico na superfície do solo proporcionou alterações na estrutura da comunidade de organismos do solo, com favorecimento de inimigos naturais dos nematoides parasitas de plantas, formando assim um ambiente supressivo aos nematoides na camada superficial do solo.

Na Figura 2, são apresentados os resultados de levantamento de populações de fitonematoides realizado pela Embrapa Soja e pela Cocamar em lavouras comerciais de soja na região Norte do Paraná, manejadas sob sistemas de produção com diferentes níveis de diversificação de culturas, na safra 2019/2020.

Embora as densidades populacionais das quatro principais espécies de nematoides diagnosticadas tenham sido em geral baixas, observa-se que os valores foram de 1,8 a 18,7 vezes menores nas áreas que adotam sistemas de produção aprimorados, com maior diversidade de espécies vegetais e produção de palha e raízes, em comparação com as que adotam o sistema padrão, baseado nas sucessões soja/milho ou soja/trigo.

Ressalta-se que a maioria das culturas componentes dos sistemas aprimorados é considerada suscetível aos fitonematoides diagnosticados, evidenciando que o principal efeito benéfico desses sistemas foi a formação de um ambiente biologicamente supressivo.

Outra estratégia para formar um ambiente supressivo envolve a modificação de características químicas e/ou físicas do solo, para valores fora da faixa favorável à sobrevivência, à reprodução e aos danos dos nematoides. Essa estratégia é exemplificada na Figura 3, que mostra a relação entre a densidade populacional de Pratylenchus brachyurus e a acidez do solo.

Para esse estudo, foi conduzido um experimento em casa de vegetação na Embrapa Soja, em Londrina, utilizando solos com texturas contrastantes provenientes de áreas sob mata natural (sem presença de P. brachyurus) localizadas na região Médio-Norte de MT. Após a correção com diferentes doses de calcário, o solo foi acondicionado em vasos de 1L e cultivado com plantas de soja, inoculadas com uma população inicial de 500 indivíduos de P. brachyurus por planta. Após 65 dias da semeadura, o sistema radicular de cada planta foi coletado e a densidade populacional de nematoides determinada.

Os resultados mostraram que o fator de reprodução (FR, que corresponde à população final dividida pela população inicial de nematoides em cada planta) diminuiu com o aumento do pH em CaCl2 (Figura 3a) e a saturação por bases - V (Figura 3b), independentemente da textura. Nesse sentido, o FR decresceu de 14 para oito, com o aumento do valor de V de 40% para 60%. Provavelmente, P. brachyurus é um nematoide adaptado a solos ácidos, com baixos teores de bases trocáveis, de forma que a correção da acidez gera um ambiente quimicamente supressivo ao nematoide. Além disso, o aumento do pH e dos teores de cálcio pode ter contribuído para aumentar a resistência das raízes ao parasitismo de P. brachyurus, dificultando sua reprodução.

Por outro lado, a resposta do nematoide-de-cisto da soja (Heterodera glycines) à acidez do solo é diferente da apresentada por P. brachyurus, conforme mostrado na Figura 4. Enquanto P. brachyurus foi favorecido na testemunha sem calagem, a densidade populacional de H. glycines foi cerca de quatro vezes menor nessa mesma área. Ressalta-se que os valores médios de pH em CaCl2 e V na camada de 0cm-20cm foram, respectivamente, de 4,83% e 35% para a testemunha sem calagem e de 5,17% e 47% com aplicação de calcário em setembro de 2014.

Assim, ao contrário de P. brachyurus, H. glycines é mais adaptado a solos com pH elevado e altos teores de cálcio e magnésio. É importante salientar que o manejo da acidez do solo para mais ou para menos, visando à formação de um ambiente supressor a H. glycines ou P. brachyurus, deve levar em consideração os requerimentos mínimos da soja, para que o potencial de produtividade da cultura não seja diretamente prejudicado por valores muito altos ou baixos de pH.

Diante do exposto anteriormente, fica claro que a melhoria das fertilidades química, física e, sobretudo, biológica do solo, por meio da adoção de práticas de manejo em consonância com os fundamentos do SPD, proporciona um ambiente supressivo aos fitonematoides, mantendo suas populações em níveis baixos e sem ocasionar danos à cultura da soja.

Por Henrique Debiasi Julio Cezar Franchini Waldir Pereira Dias Edison Ulisses Ramos Jr. e Alvadi A. Balbinot Jr., Embrapa Soja

Artigo publicado na edição 282 da revista Cultivar Grandes Culturas

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