Aumento da população de cascudinho-da-soja: Myochrous armatus no Centro-oeste de MS

Por Andressa Lima de Brida (CropSolutions); Marlon Augusto Luft (CEO Luft & Libman); e Juliano Deimiros Ribeiro (CropSolutions)

30.06.2023 | 17:14 (UTC -3)

A soja (Glycines max L.) é a leguminosa mais cultivada no mundo. No Brasil, a produção segue crescendo. Tal fato é atribuído à solidificação da cultura como ponto-chave ao comércio de produtos do complexo agroindustrial da soja no mundo. Tamanha magnitude de área plantada remete a fonte de alimento e abrigo a diversos tipos de insetos-praga adaptados à cultura.

Durante o ciclo de desenvolvimento da cultura da soja, alguns problemas podem comprometer a produtividade, como a ocorrência de pragas e plantas daninhas, além de outros, como os decorrentes de condições climáticas adversas. Os insetos-praga destacam-se por causarem prejuízos extremamente significativos. Entre eles estão as lagartas desfolhadoras e os percevejos, ocasionando redução no rendimento e comprometendo a produtividade final.

O Myochrous spp. Baly, 1865 (Coleoptera: Chrysomelidae), denominado cascudinho-da-soja, é um inseto polífago que se alimenta de diferentes plantas cultivadas e plantas daninhas. Essa praga ocasiona redução no rendimento da cultura e dificulta o desenvolvimento devido aos danos que pode causar nas fases iniciais da cultura.

Myochrous armatus tem causado sérios prejuízos a muitos produtores no Centro-Oeste do Mato Grosso do Sul (MS), detectados na safra de 2017/2018 no Norte do MS, nas regiões de Coxim e Sonora. Na safra 2021/2022, foi alta a ocorrência dessa praga em muitas áreas agrícolas do MS, causando danos nas fases iniciais da cultura. E muitas áreas foram submetidas a novos replantios, atrasando a colheita e trazendo prejuízos econômicos aos produtores. Além do MS, a alta incidência do cascudinho foi constatada em áreas nas regiões Sul e Leste de Mato Grosso.

Na safra 22/23, foi observado que algumas regiões que ainda não tinham tanta incidência dessa praga passaram a sofrer ataques severos (Campo Grande, Chapadão do Sul, Sidrolândia, Bandeirantes, Camapuã, Jaraguari e Rio Negro).

O cascudinho-da-soja, ao ser constatado nas lavouras de São Gabriel do Oeste (MS), gerou questionamentos e dúvidas quanto a sua identificação. Foi comparado a outro inseto, conhecido como torrãozinho, que se trata de Aracanthus morei. Após a coleta, os espécimes foram encaminhados para a identificação e avaliados por taxonomista especializado, juntamente com pesquisadores da CropSolutions. Trata-se da espécie M. armatus e não A. morei. As espécies são morfologicamente distintas, pertencentes a duas famílias: Chrysomelidae e Curculionidae.

As larvas do cascudinho da soja, M. armatus, são amareladas e vivem no solo. Alimentam-se de matéria orgânica e raízes de diversas espécies. Os adultos medem aproximadamente 5 mm de comprimento por 3 mm de largura, apresentando de coloração preto-fosco com variações de marrom ao acinzentado, dependendo do tipo de solo em que vivem (partículas de solo ficam aderidas ao seu corpo). A margem lateral da parte anterior do tórax do adulto apresenta dentes. E o corpo é recoberto por escamas curtas e robustas. Em observações, percebe-se que o cascudinho-da-soja tem pouca capacidade para voar, apresenta tanatose quando se sente acuado: finge-se de morto, permanecendo imóvel. E muitas vezes se esconde no solo, rente ao caule da planta.

Os danos e injúrias provocados pelo M. armatus, em soja, ocorrem na fase adulta do inseto. O ataque inicia-se logo após a emergência da cultura da soja em (VE), coincidindo com o período de início das chuvas, sendo uma importante praga até o estágio fenológico V5. Durante a seca, o cascudinho permanece no solo, no estádio de pupa, mantendo-se nessa fase por um período aproximado de sete meses, até que tenha novamente condições adequadas para a emergência dos adultos. Esses insetos alimentam-se de plântulas, caule, hastes e pecíolos. Os danos causados apresentam maior intensidade quanto mais jovem for a planta de soja. Por ocasião do ataque da praga, pode ser inviabilizado o desenvolvimento da cultura, falha de estande. Somado a isso, as plantas atacadas apresentam um desenvolvimento inicial reduzido, seguido por amarelecimento, murcha e morte, podendo esses sintomas ocorrer em grandes reboleiras distribuídas irregularmente nas lavouras.

Os indicativos de que está ocorrendo a infestação do inseto são a constatação de plântulas sem o ponteiro, haste principal decepada, folíolos pendentes na planta e presença de folhas inteiras caídas ao solo, as quais servem de abrigo para os adultos. Já em plantas em estágio de florescimento, alguns adultos podem ser observados. Porém, até o momento, não foi detectado se são capazes de causar prejuízos. Mas estão sendo estudados nessas fases, principalmente no que se refere à capacidade de cortar flor ou até mesmo vagens em fase de canivete, o que se faz constantes a observação e o monitoramento desta praga no campo.

O monitoramento de pragas por via de regra é realizado com base nos princípios do Manejo Integrado de Pragas (MIP), que indica o nível de ação de controle conforme a quantidade de insetos identificados no monitoramento. Para o cascudinho, o nível de controle ainda se encontra em estudo. Porém, o pano de batida é considerado uma ferramenta essencial para o monitoramento dessa praga.

A adoção das estratégias de controle do cascudinho-da-soja em lavouras agrícolas apresenta um grande desafio, uma vez que esse inseto mostra o comportamento bastante peculiar, com hábito de se abrigar na palhada ou sob torrões de solo durante o dia, estando protegido contra o contato direto entre os inseticidas por ocasião das pulverizações, invalidando algumas aplicações. Atualmente, produtores têm investido no tratamento de sementes, pois oferece proteção inicial para as plântulas na fase considerada mais crítica do ataque do inseto. Somado a isso, é fundamental o manejo químico e/ou a associação de produtos biológicos em pulverizações iniciais quando a planta estiver com o primeiro par de folhas, sempre rotacionar os princípios ativos e, se possível, realizar aplicações noturnas, momento em que o inseto está mais exposto.

A maioria dos inseticidas disponíveis no mercado não proporciona controle eficaz. Com isso, muitos produtores acabam adaptando doses e misturas. Entretanto, alguns princípios ativos têm demonstrado bons resultados na redução da população desses insetos, como fipronil, clorpirifós e thiametoxan, imidacloprid, além dos produtos biológicos, os quais têm contribuído para o cenário de manejo de pragas.

Muitos produtos biológicos à base de bactérias e fungos entomopatogênicos têm demonstrado eficácia em condições de laboratório. Da mesma forma, para muitas pragas agrícolas, apresentando grande potencial quando associados a inseticidas químicos.

Com o objetivo de avaliar inseticidas microbiológicos na patogenicidade e inseticidas químicos na mortalidade de adultos de M. armatus, foi desenvolvido um experimento no Laboratório de Entomologia da CropSolutions – Pesquisa, Tecnologia e Inovação Agropecuária – Ltda., sediada em São Gabriel do Oeste, Mato Grosso do Sul.

As unidades experimentais EUs foram constituídas por sete trata- mentos: T1 – Testemunha (2 ml de água destilada); T2 - Beauveria bassiana IBCB 66 (200 g/ha); T3 – Metarhizium anisopliae IBCB 425 (200 g/ha); T4 - Bacillus thuringiensis isolado 1641 e 1644; T5 – Fipronil 800 (80 g/ha); T6 – Clorpirifós (800ml/ha) e T7 – Etiprole (2,5 L/ha). As unidades experimentais foram constituídas de placas de Petri (9 cm de diâmetro e 1,5 cm de altura), contendo um trifólio de soja por placa e cinco adultos de M. armatus. Após a pulverização dos tratamentos (pulverizador manual), as placas de Petri foram vedadas e acondicionadas em câmera climatizada B.O.D a 25°C. Após a mortalidade dos insetos, aqueles tratamentos com fungos e bactérias foram isolados em placas de Petri, contendo papel filtro, e armazenados em BOD a 25°C para a confirmação da causa morte.

Os tratamentos T2 - Beauveria bassiana IBCB 66 (200 g/ha), T3 – Metarhizium anisopliae IBCB 425 (200 g/ha) e T4 - Bacillus thuringiensis (isolado 1641 e 1644) foram patogênicos a adultos de M. armatus, com taxa de mortalidade variando de 58% a 86% após 24 horas da aplicação. Os tratamentos T5 – Fipronil 800 (80 g/ha), T6 – Clorpirifós (800 ml/ha) e T7 – Etiprole (2,5 L/ha + áureo 2,5%) apresentaram de 72% a 100% de mortalidade após 24 horas da aplicação. Após 72 horas da aplicação dos tratamentos, a taxa de mortalidade variou de 2% a 42% (Gráfico 1). A integração de diversas formas de manejo para o controle de pragas, como a utilização inseticidas associados aos biodefensivos, é uma poderosa arma contra M. armatus.

Os inseticidas microbiológicos à base de micro-organismos (fungos, vírus, bactérias e nematoides) são capazes de infectar, incapacitar e matar insetos.

Os mecanismos de ação são variados e altamente específicos para determinadas espécies de insetos, de modo que cada aplicação pode resultar no controle de apenas uma porção do complexo de pragas presente na lavoura. Os insetos, quando infectados pelo fungo, perdem a mobilidade e a coloração, apresentando o corpo rígido e quebradiço, podendo, algumas vezes, estar recoberto por micélio e esporos com aspecto e coloração típicos do entomopatógeno associado.

Tratando-se de bactérias, a transmissão de Bacillus thuringiensis (Bt) ocorre por meio de esporos: células bacterianas dormentes capazes de resistir ao calor, à dessecação e até à radiação. Esses esporos contêm material genético, citoplasma e todas as substâncias necessárias para a sobrevivência da bactéria, em uma forma de animação suspensa. Além disso, permanecem encapsulados no interior de cristais, que facilitam a infecção dos insetos hospedeiros. Após serem digeridos pelo inseto suscetível, os cristais se dissolvem, liberando proteínas tóxicas que destroem a membrana do mesêntero (intestino médio) e permitem a proliferação das células bacterianas, levando o inseto à morte por um processo de infecção generalizada denominado septicemia. Os bioinseticidas à base de B. bassiana, M. anisopliae e Bt estão entre os produtos comerciais mais utilizados em programas de controle de pragas agrícolas. Visto a eficácia de inseticidas

dos grupos químicos organofosforados e fenilpirazol testados no presente trabalho, a associação de inseticidas químicos e biológicos pode apresentar efeito sinérgico e aumentar significativamente a eficiência de controle M. armatus. Ainda há muito a ser pesquisado e testado em diferentes situações, mas essa associação tem demonstrado resultados promissores.

Um ponto importante para ser ressaltado é que o manejo de M. armatus não está apenas no controle da praga em si, mas no manejo do sistema como um todo, uma vez que o cascudinho-da-soja é um inseto polífago e se alimenta de várias espécies de plantas, como braquiárias, fedegoso, amendoim-bravo, feijão e milho. Assim, o manejo de invasoras e plantas tigueras de milho é muito importante, uma vez que o cascudinho-da-soja pode se abrigar e se alimentar dessas plantas. Isso foi confirmado na nesta safra 22/23. A maior incidência de cascudinho ocorreu no sistema de plantio soja/braquiária e soja/milho devido ao volume de palhada, a qual serve de abrigo aos adultos.

Pouco a pouco a pesquisa começa a identificar o comportamento dessa praga, incluindo sua biologia e ecologia. Estudos estão sendo realizados visando ao controle dessa praga. Seja via tratamento de sementes ou em pulverizações com diferentes produtos, além da tecnologia de aplicação, que é fundamental devido à complexidade de alvo, será necessário um somatório de estratégias para o manejo dessa praga. Realizar a identificação correta, mapear o comportamento, delimitar os melhores horários para aplicação e adotar técnicas preconizadas pelo manejo integrado de pragas são caminhos que podem ajudar o produtor a lidar com o cascudinho-da-soja.

Por Andressa Lima de Brida (CropSolutions); Marlon Augusto Luft (CEO Luft & Libman); e Juliano Deimiros Ribeiro (CropSolutions)

Artigo publicado na edição 285 da revista Cultivar Grandes Culturas

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