Em um cenário de crescente perda de sensibilidade do fungo causador da ferrugem asiática, a resistência genética ganha ainda mais importância, não como alternativa isolada de controle, mas como ferramenta indispensável no manejo integrado dessa doença que desafia a sustentabilidade da soja no Brasil
12.05.2022 | 15:27 (UTC -3)
Em um cenário de
crescente perda de sensibilidade do fungo causador da ferrugem asiática, a
resistência genética ganha ainda mais importância, não como alternativa isolada
de controle, mas como ferramenta
indispensável no manejo integrado dessa doença que desafia a sustentabilidade
da soja no Brasil.
Desde o primeiro relato da
ocorrência da ferrugem asiática da soja no Brasil em 2001, a doença causada
pelo fungo Phakopsora pachyrhizi continua
ameaçando o sucesso da cadeia produtiva da soja. Mesmo após muitos anos de “convivência” com a
ferrugem, o setor produtivo ainda não encontrou uma solução efetiva para combatê-la.
O aumento do número de aplicações de fungicidas a cada safra, com média atual
próxima a três aplicações é reflexo do problema com a ferrugem da soja. Os
custos com fungicidas utilizados no controle da ferrugem estão estimados em US$
2 bilhões anuais, que juntamente com as potenciais perdas de produtividade
tornam a doença uma séria ameaça à sustentabilidade de produção de soja no
Brasil.
Apesar da variação na incidência
da ferrugem nas regiões produtoras de soja no país, o mapa de dispersão da doença
desenvolvido pelo Consórcio Antiferrugem mostra a sua ampla ocorrência (Figura
1). A doença é de fato recorrente todos os anos, com variações na sua
incidência influenciada principalmente pelas condições climáticas, eficiência
do vazio sanitário e do controle de plantas de soja voluntárias na entressafra,
que geralmente servem como “ponte verde” para o inóculo da safra seguinte.
Apesar da expectativa da
efetividade dos fungicidas contra a doença, tem sido demonstrado pela
comunidade científica e empresas de agroquímicos uma significativa perda de
sensibilidade do fungo aos ingredientes ativos existentes no mercado. Isso
ocorre principalmente pelo processo de seleção de indivíduos resistentes presentes
em populações do fungo, que associado à sua rápida capacidade de reprodução e
dispersão contribuem para a rápida perda da eficácia de controle.
O FRAC Brasil (Comitê de Ação à
resistência de fungicidas: http://www.frac-br.org/soja) apresentou recentemente
novas recomendações para o manejo da ferrugem asiática da soja, que são
embasadas principalmente na importância de retardar o rápido desenvolvimento de
populações resistentes do fungo aos três principais grupos químicos utilizados
no controle da doença. Além da perda de
sensibilidade do patógeno a fungicidas ofertados no mercado, a preocupação do
setor produtivo também existe em função da baixa expectativa de lançamento de produtos
com alta eficácia contra a ferrugem no curto e médio prazo.
Considerando o cenário de baixa
eficácia dos principais produtos químicos disponíveis, o uso de cultivares
resistentes torna-se uma ferramenta importante no manejo da ferrugem.
Atualmente encontram-se disponíveis no mercado as cultivares de soja INOX, com
genes de resistência a ferrugem da soja. O principal mecanismo de resistência dessas
cultivares ocorre por uma reação de hipersensibilidade, que pode ser
visualmente identificada pela lesão marrom-avermelhada do tipo RB (do inglês,
“reddish brown” – Figura 2). Esse tipo de reação limita o desenvolvimento do
fungo no tecido foliar e reduz significativamente a esporulação, limitando o
progresso e disseminação da doença. Já as cultivares suscetíveis mostram os
sintomas típicos da doença na folha com lesões tipo “TAN”, que possuem
estruturas reprodutivas (urédias) com grandes quantidades de uredosporos
viáveis. Os uredosporos são facilmente disseminados pelo vento, permitindo
rápida evolução da epidemia de ferrugem. No início, os sintomas aparecerem como
pequenas pontuações na face inferior da folha, mas em condições favoráveis de
temperatura e de elevada umidade, a severidade pode evoluir rapidamente e
resultar em amarelecimento e desfolha precoce, consequentemente prejudicando o
enchimento de grãos.
Apesar da reação de resistência a
ferrugem, em situações de elevada incidência da doença, as cultivares resistentes
podem reagir com muitas lesões RB e isso pode resultar em perda de área foliar,
caso não seja usado fungicida no manejo da doença. Dessa forma, mesmo com o uso de cultivares
INOX a aplicação de fungicidas continua sendo fundamental, pois além de reduzir
substancialmente o progresso da doença, conforme resultados de ensaios a campo
(Figura 3), sempre haverá necessidade de controle de outras doenças, como
mancha alvo e doenças de final de ciclo (DFCs).
Outro papel do uso das cultivares
com resistência à ferrugem é a maior flexibilidade para as aplicações de
fungicida, pois o mecanismo de ação genético é contínuo, desde o
estabelecimento da lavoura da soja até a fase
reprodutiva. Isso permite maior segurança do controle em situação de períodos
prolongados de chuva, que impossibilitam as aplicações de fungicida ou quando ocorrem
atrasos nas aplicações. A contribuição para maior segurança provida por
cultivares INOX em áreas de plantio comercial de soja pode ser observado em
áreas de alta pressão da doença (Figura 4).
A resistência genética é conferida
por genes conhecidos na literatura como Rpp
(resistência a Phakopsora pachyrhizi).
Atualmente estão reportados sete genes distintos com as siglas Rpp1-7 e para
cada um, existem diferentes “versões” conhecidas como alelos. Por analogia aos produtos
químicos, cada gene poderia ser considerado como um grupo químico com modo de
ação diferente, enquanto os alelos seriam as diferentes moléculas dentro de
cada grupo. Os genes são encontrados em fontes (linhagens de soja – Figura 5)
existentes em bancos de germoplasma, que na maioria das vezes não são adaptadas
às condições edafoclimáticas do Brasil e, portanto, precisam de um longo
trabalho de melhoramento genético para que possam resultar em cultivares que
combinem resistência genética com elevado potencial produtivo.
Os trabalhos de caracterização das
diversas fontes de resistência mostram que existem respostas de
hipersensibilidade muito diferentes (Figura 6).
A importância da diversidade de genes de resistência à ferrugem se dá
justamente pela variabilidade genética existente em populações do fungo, onde
sempre irá existir algum isolado ou raça que possui habilidade de “quebrar” a
resistência de uma variedade, assim como ocorre a perda de sensibilidade a
fungicidas.
Para evitar a quebra de
resistência e aumentar a longevidade do controle genético da doença, múltiplos
genes podem ser combinados em uma única variedade. Para isso, é essencial o
desenvolvimento de ferramentas de análise de DNA conhecidas como marcadores
moleculares, que permitem a seleção eficiente dos genes durante o processo de
melhoramento. O melhoramento genético,
contudo, demanda tempo, necessitando em média 7 anos para o desenvolvimento de
uma nova variedade.
Pelo elevado investimento no
desenvolvimento de cultivares resistentes, o uso de fungicidas também é
essencial para preservar a tecnologia genética. Os fungicidas auxiliam
na redução da pressão de seleção e eliminam indivíduos do fungo que
potencialmente possam “quebrar” a resistência existente nas cultivares. Da
mesma maneira, as cultivares com resistência genética podem auxiliar o controle
de indivíduos do fungo menos sensíveis aos fungicidas, contribuindo para a longevidade
do controle químico no manejo de ferrugem. Por isso, é recomendado que o manejo
e número de aplicações de fungicidas em uma cultivar resistente seja similar ao
de uma variedade suscetível.
Diante
de toda a complexidade no controle efetivo da ferrugem, fica evidente que o
pilar central de manejo seja a redução da quantidade de inóculo do patógeno
(leia-se diminuição ou eliminação de uredosporos viáveis) durante toda a safra
e principalmente na entressafra. Para tanto, não existe uma única solução, mas
uma proposta de controle integrado (Figura 7), que inclui: (i) respeitar o vazio
sanitário com mínimo de 60 dias e eliminar plantas de soja voluntárias nesse
período; (ii) dar preferência a cultivares de ciclo precoce e que tenham boa
adaptação ao plantio no início/abertura da safra; (iii) utilizar cultivares com
resistência genética à ferrugem asiática, atualmente existentes no mercado com
a marca INOX; (iv) realizar o monitoramento e o controle rápido com fungicidas
nos primeiros sintomas ou preventivo na lavoura, com a adoção de protetores
multissítios e a alternância de fungicidas, seguindo as recomendações dos
fabricantes.
Por fim, atualmente está claro que
ferrugem asiática da soja é um problema de segurança nacional. Os impactos
sócio-econômicos serão catastróficos, segundo os levantamentos feitos pela
Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), caso o Brasil venha a perder as
formas de controle à ferrugem. É fundamental que o produtor continue sempre utilizando
o conceito de controle integrado de ferrugem, respeitando e preservando as
tecnologias atualmente existentes.
Artigo publicado na edição 222 da Cultivar Grandes Culturas, mês novembro, ano 2017.
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