Ratos atacam lavouras de soja e milho

Por Gabriela Vieira Silva (Fitolab – Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola) e Adeney de Freitas Bueno (Embrapa Soja)

25.04.2024 | 10:36 (UTC -3)

Ao longo dos últimos meses as lavouras brasileiras têm sofrido sob diferentes aspectos. O início da safra de soja 2023/24 foi marcado por chuvas excessivas em regiões ao sul do país e escassas no centro-norte, o que gerou atrasos na semeadura e desenvolvimento não ideal em diferentes áreas. Além das condições climáticas, os fatores bióticos, como pragas e doenças, que causam prejuízos muitas vezes irrecuperáveis, também exerceram forte pressão sobre a cultura.

Neste aspecto, tem-se observado a ocorrência de organismos não comuns atacando soja e milho, em diferentes regiões do país. Ao longo do período de desenvolvimento reprodutivo da soja, produtores rurais, pesquisadores e consultores observaram áreas onde as vagens foram atacadas de maneira peculiar: grãos comidos e vagens arrancadas, muitas vezes encontradas em amontoados próximos à planta atacada. Inicialmente, acreditou-se na ocorrência de grilos ou outros insetos mastigadores causadores dessas injúrias. Entretanto, com mais investigações e observações, identificou-se que os responsáveis pelas injúrias foram roedores.

A ocorrência destes animais observada nas lavouras de forma mais intensificada é recente, por isso ainda não se tem qual ou quais espécies estão presentes, mas acredita-se que sejam todas pertencentes ao gênero Rattus. Além disso, eles podem ser classificados em diferentes categorias de acordo com sua origem geográfica. Por exemplo, o rato-preto é originário da Ásia, mas foi introduzido em outras partes do mundo, incluindo o Brasil. Já o rato-da-colônia é originário da Europa, mas hoje encontra-se em diversas regiões do mundo, o que pode acarretar espécies diferentes ocorrendo em macrorregiões.

O sistema digestivo destes roedores é adaptado para se alimentarem de uma variedade de fontes alimentícias, incluindo grãos, sementes e até mesmo insetos. Sua reprodução é uma característica marcante devido ao fato de ocorrer ao longo do ano todo e de forma muito rápida: uma gestação dura cerca de 21 dias. Os filhotes nascem cegos e desprovidos de pelos, mas crescem rapidamente e são capazes de se reproduzir aos dois-três meses de idade. Isso resulta em uma alta taxa reprodutiva e uma população de ratos que pode crescer rapidamente na região ocupada. Quanto ao comportamento, são animais que possuem hábito noturno e crepuscular, sendo ativos do anoitecer ao amanhecer, o que muitas vezes dificulta a sua visualização e a confirmação de que eles são os responsáveis pelos ataques nas lavouras.

A princípio, a ocorrência dos roedores tem sido observada regionalmente. Em 2017 houve relatos dos ataques de ratos em lavouras de soja no estado de Mato Grosso do Sul, na região de Amambai, onde atacaram vagens para se alimentarem dos grãos. Na safra 23/24, regiões nos estados do Paraná e Mato Grosso também relataram a presença destes animais na safra de soja e, de forma mais intensificada, em lavouras de milho que sucederam a soja.

Os roedores, no caso da soja, alimentam-se dos grãos que ainda estão nas vagens e acabam por derrubá-las das plantas, o que ainda tem ocorrido em áreas localizadas, mas que pode ser preocupante, visto que se alimentam das vagens que é produto final. Nas lavouras de milho, eles buscam a semente que foi semeada. Isso acontece principalmente no início da emergência da plântula, em um momento em que as raízes ainda não estão bem desenvolvidas. Com isso, a planta acaba tombando e como consequência tem-se a perda de estande. Os ataques nas áreas de milho foram identificados em rebolerias aleatórias pela lavoura.

Em Mato Grosso, nas regiões de Sorriso e Campo Novo do Parecis, foi possível verificar ataques em áreas comerciais e de pesquisa. Além das plantas tombadas e grãos comidos, é possível verificar a presença desses animais pelas tocas que fazem em meio às lavouras. Eles cavam o solo para se alojarem, deixando à vista o orifício por onde entram e saem. Estes orifícios possuem diâmetro variado, o que pode ocorrer de acordo com a espécie, o tamanho e a quantidade de indivíduos que se abrigam na toca.

Tem-se, neste cenário, a influência clara de uma cultura sobre a outra e a formação da chamada “ponte-verde”, o mesmo conceito adotado para demonstrar, por exemplo, a ocorrência de insetos de uma cultura para outra, através de plantas daninhas e plantas tigueras. No caso dos roedores, a ponte-verde é propiciada pela disponibilidade de grãos. Nas lavouras de milho onde os ratos foram encontrados, observou-se também a presença de grãos de soja decorrentes de perdas na colheita, assim como nas lavouras de soja, foram observadas espigas de milho da safra anterior, que também são fontes de alimento além dos grãos nas vagens e sementes recém-semeadas.

Embora este problema tenha sido observado em regiões específicas, é preciso enfatizar a importância de mitigar perdas da colheita para evitar que essa situação cresça em dimensão. Assim, a principal pergunta sobre esta situação talvez seja: como controlar a população de ratos? Neste momento, ainda não se tem ferramentas comprovadas para o manejo dos roedores em lavouras. Há iscas comerciais, à base de ativos como difetialona e brodifacoum, que são utilizadas em ambientes urbanos ou ambientes fechados. Entretanto, a utilização dessas ferramentas em lavouras necessita ser entendida para melhor posicionamento e não desequílibrio ambiental. Desta forma, para amenizar os efeitos da ocorrência dos ratos, deve-se voltar a conceitos e práticas já sabidos.

A perda na colheita de grãos acontece em todas as safras e seus impactos são multifacetados, afetando diretamente a economia, a sociedade e o meio ambiente. Considerando que essas perdas iniciam-se antes mesmo na entrada da colhedora a campo, pela ocorrência de pragas e acamamento de plantas, por exemplo, estratégias de manejo integrado e práticas agrícolas mais assertivas são fundamentais para mitigar esses impactos. Minimizando a quantidade de grãos perdidos, tem-se menor disponibilidade de alimento para os roedores, o que os leva a procurar outros ambientes.

Outras abordagens incluem a melhoria da manutenção dos campos e a eliminação de áreas propícias à reprodução de ratos, como pilhas de lixo, escombros e descarte indevido de grãos. Os fatores climáticos, como a quantidade de chuvas, também influenciam a ocorrência destes animais: chuvas em maiores quantidades acabam por inundar as tocas e forçar a saída dos indivíduos para outras áreas. Porém, não há muito que se fazer sobre este fator. Ademais, principalmente para controle inicial das infestações quando ainda ocorrem em reboleiras de menor tamanho, o uso de armadilhas (ratoeiras) pode ser uma alternativa.

Além dos danos diretos às plantações, os ratos podem servir como vetores de doenças e parasitas que podem afetar tanto os animais domésticos quanto os humanos. Por exemplo, espécies do gênero Rattus podem transmitir a leptospirose, uma doença bacteriana grave que pode causar insuficiência renal e morte em humanos. Além disso, os ratos também podem transmitir infecções intestinais e pulmonares aos animais ruais, diminuindo seu valor de mercado e potencialmente causando a morte.

A mitigação da ocorrência de roedores nas lavouras deve ser vista como mais uma atividade dentro do que chamamos de manejo integrado de pragas, passando pela correta identificação do agente causador e utilizando-se das melhores estratégias disponíveis para o combate.

Por Gabriela Vieira Silva (Fitolab – Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola) e Adeney de Freitas Bueno (Embrapa Soja)

Artigo publicado na edição 298 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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