Nematicida biológico, plantas de cobertura e cultivares no manejo de nematoides

Por Paulo Santos, Cristiano Bellé e Andrezza Lopes, Instituto Phytus

15.10.2024 | 16:26 (UTC -3)

Nos últimos anos, os nematoides parasitas de plantas têm sido um dos principais grupos capazes de limitar a produção de alimentos, conduzindo o ritmo de cultivo em algumas regiões produtoras do Brasil. As principais espécies associadas na diminuição da produtividade da cultura da soja são os nematoides-das-galhas (Meloidogyne javanica e M. incognita), o nematoide-do-cisto (Heterodera glycines), o nematoide-das-lesões (Pratylenchus brachyurus) e o nematoide-reniformis (Rotylenchulus reniformis). Além dessas espécies, tem verificado um aumento de ocorrência, como é o caso de Helicotylenchus dihystera, Scutellonema brachyurus, Tubixaba tuxaua e Aphelenchoides besseyi. Isso em parte devido ao modelo de sistema de produção altamente intensivo, bem como produtivo, ligado às condições propícias para o aumento desses micro-organismos de solo.

Em levantamentos realizados pelo Instituto Phytus-RS nas últimas safras, foi observado a ocorrência das principais espécies associadas à cultura da soja. Em análise de 5000 amostras de solo e raízes, verificou-se as seguintes espécies, Meloidogyne spp. (M. javanica e M. incognita), P. brachyurus, H. dihystera, R. reniformis e H. glycines. Analisando esses dados e considerando a ocorrências das espécies em três níveis populacionais, 100, 200 e 300 indivíduos/espécimes por 100 cm³ de solo e/ou por grama de raiz, observamos as espécies de maior predominância na região Sul, sendo nas raízes Meloidogyne spp (M. javanica e M. incognita) e no solo H. dihystera.

<b>Figura 1 e 2 -</b> percentagem de amostra com a presença de nematoides por 100cm³ de solo e número de nematoides por grama de raiz. Instituto Phytus, Itaara - RS 2019/20
Figura 1 e 2 - percentagem de amostra com a presença de nematoides por 100cm³ de solo e número de nematoides por grama de raiz. Instituto Phytus, Itaara - RS 2019/20

Nesses resultados o nematoide-das-galhas Meloidogyne spp. (M. javanica e M. incognita) atualmente reconhecido como um dos maiores problemas para cultura da soja, devido a sua vasta ocorrência e sua capacidade de limitar a produtividade, foi a espécie de maior predominância nas raízes das plantas de soja analisada. O aumento populacional dessa espécie nas lavouras está relacionado a diversos fatores, sendo os principais associados ao modelo agrícola adotado nos últimos anos, a utilização de estreita base genética, o cultivo contínuo de espécies de plantas hospedeiras suscetíveis e a falta de diagnostico dessa espécie presente nas áreas produtivas.

A integração das técnicas de manejo de nematoides é fundamental. Inicia-se com a identificação e quantificação das espécies de nematoides presentes na área, utilização de plantas de cobertura, após a escolha de cultivares resistentes (quando disponíveis), e a utilização de nematicidas biológicos.

Os nematicidas à base de micro-organismos têm crescido muito nos últimos anos. Essa tecnologia utiliza-se de micro-organismos benéficos para regular as atividades e populações dos fitonematoides. Os principais grupos de agentes de controle biológico com formulações para o uso no manejo dos fitonematoides são compostos em sua maioria por fungos e bactérias. Atualmente, existem mais de 30 nematicidas biológicos registrados para o manejo de nematoide parasita de plantas.

Esses produtos podem ser aplicados via tratamento de sementes ou sulco de semeadura. Entretanto, os mecanismos de ação entre bactérias e fungos são distintos. Os de origem fúngica, sob condições favoráveis do ambiente, atuam parasitando ou predando ovos, juvenis e adultos presentes no solo. As bactérias atuam colonizando o sistema radicular (biofilme) e alterando a composição dos exsudatos radiculares e com isso confundindo os nematoides sobre a localização da raiz e assim contribuindo para o gasto energético, exaurindo assim todas suas reservas.

Outro mecanismo envolvido em ambos os agentes de controle (bactérias e fungos) é a produção de substâncias, capazes de interferir diretamente na infecção, desenvolvimento e reprodução dos fitonematoides. As principais toxinas/enzimas excretadas são proteases, quitinases e lipases. Essas toxinas podem atuar em diferentes fases do ciclo biológico dos fitonematoides, desde o ovo até a fase de interação nematoides-planta. Além dessas características, os nematicidas podem ainda auxiliar no desenvolvimento do sistema radicular, acelerando o seu crescimento, deixando o sistema radicular por menos tempo exposto à infeção dos fitonematoides.

Além disso, se o agente de controle for utilizado nas plantas de cobertura na entressafra, irão promover maior proteção das raízes, podendo interferir diretamente nos juvenis e ovos presentes no solo, causando assim uma maior redução da população do nematoide. Mesmo quando os produtos biológicos são utilizados em plantas de coberturas suscetível às principais espécies de nematoides, pode ser observada melhoria no desenvolvimento do sistema radicular das plantas de soja, devido as características morfológicas dessas plantas que, exercer papel importante nos aspectos físicos, químicos e biológica do solo.

Contudo, ainda não é claro o benefício da utilização de nematicidas em plantas de cobertura bem como a resposta de cultivares de soja em termos de produtividade, cultivadas após essa integração. Pensando em entender melhor a interação plantas de cobertura e nematicida biológico e seu impacto na produtividade, conduziu-se um experimento a nível de campo utilizando nematicidas biológicos a base de Bacillus firmus e Trichoderma harzianum associados a três plantas de cobertura, Aveia-preta (Avena strigosa Schreb), Aveia-branca (Avena sativa L.) e Nabo forrageiro (Raphanus sativus L.) e duas cultivares de soja (Pioneer 95R51 e Monsoy 5917 IPRO).

O ensaio foi conduzido em área de produção comercial de soja naturalmente infestada por M. javanica (nematoide-das-galhas) e P. brachyurus (nematoide-das-lesões) localizada no município de Júlio de Castilhos - RS. Após o cultivo da soja foi realizado a semeadura das plantas de cobertura em faixas de 24 por 36 metros, tradadas com os respectivos nematicidas (Figura 1). O nível de infestação da área antes da instalação do experimento, variou de 20 a 30 juvenis de segundo estágio por grama de raiz para M. javanica (nematoide-das-galhas) e para P. brachyurus (nematoide-das-lesões) de 19 a 25 espécimes.

Após o cultivo dessas plantas de cobertura, foi realizado a dessecação e realizado a semeadura das cultivares de soja, Pioneer 95R51 e Monsoy 5917 IPRO. Aos 60 dias após a emergência foi avaliado a densidade populacional em cada cultivar e ao final do ciclo a resposta em produtividade. Analisando o efeito da utilização dos nematicidas biológico nas plantas de cobertura e o seu reflexo nas cultivares de soja, verificou-se que o número de M. javanica e P. brachyurus nas raízes de ambas as cultivares de soja aos 60 dias após a emergência, variou entre os tratamentos com plantas de cobertura e nematicidas biológico, sendo que em todas as parcelas com aplicação de nematicidas biológicos nas plantas de cobertura, foi observado reduções nos números finais de ambos os nematoides associados ao tecido radicular (Gráficos 1, 2, 4 e 5). Para variável de produtividade, houve incrementos numéricos para ambas as cultivares, sendo esses significativos quando se comparado os tratamentos com aplicação de nematicidas biológicos nas diferentes plantas de cobertura versus as testemunhas sem a aplicação (Figura 3 e 6). 

De maneira geral ao compararmos o incremento de produtividade das cultivares de soja associadas as plantas de cobertura e nematicidas biológico (Figura 3 e 6), foi observado um acréscimo em kg/hectare em ambas as cultivares, atingindo valores de que variaram de 207 a 379 kg/ha para cultivar Pioneer 95R51 e de 330 a 397 para Monsoy 5917 IPRO, independente da cobertura e do nematicida biológico associado.

Estes resultados podem estar associados ao benéfico da utilização dessas plantas de cobertura, bem como a utilização de nematicidas biológicos. No entanto, a utilização de nematicidas em plantas de cobertura, ainda não é uma técnica amplamente utilizada. O modelo atual de uso dessas tecnologias (nematicidas) tem contemplado seu uso apenas na cultura principal. Em se tratando de um grupo de microrganismos de dificílimo controle (os fitonematoides), e de erradicação impossível, talvez antecipar o uso dessas tecnologias, poderá trazer bons resultados, haja vista que, o efeito de ambas estratégias (plantas de cobertura e nematicidas), poderá atuar diretamente na redução populacional de nematoides, deixando o solo preparado para cultura principal.

As plantas de cobertura possuem em suas características a capacidade de melhorar o sistema produtivo como um todo, devido à capacidade de atuar sobre os atributos físicos, químicos e biológicos do solo. Além do mais, são essenciais contra os processos erosivos e a lixiviação de nutrientes, bem como para formação de palhada, incremento de matéria orgânica indispensável à sua fertilidade. Já sobre os produtos biológicos que terão o “papel” de diminuir a população de nematoide na entressafra, cabe salientar que esse grupo de microrganismos (fungos e bactérias), além dessas características, apresenta uma relação estreita com a rizosfera das plantas. Possuem, em sua grande maioria, a capacidade de associação com as raízes, o que resulta em benefícios diretos no desenvolvimento das plantas e alguns dos benefícios citados acima.

Portanto, ao passo que a problemática com nematoides parasitos de plantas segue crescente ano após ano, novas modalidades de utilização de tecnologias voltadas para redução populacional desses microrganismos no solo certamente continuaram sendo investigadas. E as plantas de cobertura mostram enorme potencial para agregar ao manejo empregado. O modelo contemplando aplicação de nematicidas biológicos na entressafra da soja ainda carece de investigações. Contudo, diante dos resultados observados, poderá ser uma alternativa visando o manejo a médio longo prazo, pois aplicações pontuais de caráter imediatistas, em se tratando de fitonematoides, têm seu sucesso estar atrelado diretamente ao componente varietal.

Por Paulo Santos, Cristiano Bellé e Andrezza Lopes, Instituto Phytus

Artigo publicado na edição 287 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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