Bioanálise de solo: entenda a ciência por trás da avaliação da saúde de solo

Por Luiz Fernando Costa Ribeiro Silva e Letícia Almeida, Universidade Federal de Viçosa

10.10.2024 | 15:01 (UTC -3)

Em apenas um grama de solo, podem existir de 10 mil a 8 milhões de espécies diferentes de microrganismos, incluindo aproximadamente 1 bilhão de bactérias, 1 milhão de actinomicetos e 100 mil fungos. Portanto, mesmo que 1 grama de solo pareça insignificante, ele contém uma abundância impressionante de vida, essencial para a manutenção dos processos naturais do nosso planeta.

Até 2020, analisávamos o solo principalmente pelos seus aspectos químicos e físicos. Agora, com a inclusão da análise biológica, que é chamada de Bioanálise ou, simplesmente, BioAS, podemos entender melhor o solo como um ecossistema vivo, essencial para a saúde e produtividade agrícola. Além disso, a importância do equilíbrio entre esses três fatores (químico, físico e biológico) é fundamental para a avaliação da saúde do solo e garantir um sistema de manejo adequado.

A tecnologia de BioAS é um projeto criado pela Embrapa e oferece uma maneira simples e eficiente de avaliar a saúde do solo, viabilizando tecnologias que promovem a sustentabilidade das atividades agrícolas em sintonia com o equilíbrio ambiental. Essa abordagem une parâmetros relacionados ao funcionamento da maquinaria biológica às análises químicas do solo, permitindo uma compreensão mais abrangente e integrada da saúde do solo.

Um exemplo para dimensionar a importância da avaliação da saúde do solo seria ao compará-la à saúde humana, os resultados da bioanálise podem ser interpretados como um aviso claro: “Ou você muda seus hábitos, ou compromete sua saúde. ” Esse aviso se dá porque a BioAS revela que a negligência em relação à maquinaria biológica do solo, a longo prazo, resulta em perdas significativas de produtividade. Para os agricultores que já implementam sistemas de manejo conservacionistas, a bioanálise atua como um incentivo e motivação para que continuem com suas práticas sustentáveis.

A BioAS é essencial para assegurar a qualidade do solo, avaliando a maquinaria biológica que sustenta sua saúde, o que nos leva a entender o que realmente significa a qualidade do solo. A qualidade do solo refere-se à capacidade deste em operar dentro dos limites do ecossistema para sustentar a produtividade biológica, manter a qualidade ambiental e promover a saúde vegetal e animal. Esse conceito abrange as características físicas, químicas e biológicas do solo, que são fundamentais para seu funcionamento adequado.

Para avaliar a saúde e a qualidade dos solos, destacam-se a análise da biomassa microbiana e a atividade enzimática. Esses indicadores são essenciais, pois revelam a capacidade do solo de realizar importantes serviços ambientais. Assim, a inclusão de parâmetros relacionados ao componente biológico do solo é crucial para uma compreensão mais abrangente de sua qualidade e saúde.

Os microrganismos desempenham um papel crucial no "funcionamento" do solo, participando de processos que vão desde sua formação até a decomposição de resíduos orgânicos. Esse processo resulta na ciclagem de nutrientes minerais, que são utilizados pelas plantas. Além disso, os resultados de diversos estudos mostram que, na busca pela melhoria do solo, os atributos microbiológicos são os primeiros a serem impactados. O manejo sustentável, que envolve um maior aporte de resíduos vegetais, por exemplo, leva a um aumento inicial da atividade biológica. Com o tempo, isso contribui para o incremento da matéria orgânica do solo (MOS), que resulta em diversos benefícios.

Esse manejo adotado deixa sua marca no solo, que é percebida pela Bioanálise de solo. Para a realização da BioAS, contamos com uma lista de mais de 30 laboratórios espalhados em todas as regiões do país, facilitando a busca por um próximo à sua região. Os componentes da análise consistem em avaliação das enzimas Arilsulfatase e Beta-Glicosidase, nos índices de qualidade de solo, funções do solo e classificação do solo em 4 classes: 1) Saudável; 2) Adoecendo; 3) Doente; 4) Recuperação.

A Arilsulfatase é uma enzima produzida e excretada por bactérias em resposta à limitação de enxofre no solo. Essas enzimas desempenham um papel crucial na mineralização do enxofre presente nas moléculas orgânicas. Essa mineralização pode consistir em grande parte do enxofre absorvido pelas plantas, principalmente em solos com teores naturalmente baixos desse nutriente. Já a Beta-Glicosidase tem como função romper a celulose, desdobrando-a em celobiose e glicose livre.

Essas duas enzimas foram escolhidas por terem relação direta ou indireta com o potencial produtivo do solo, seu funcionamento e a sustentabilidade de seu uso. Além disso, elas são sensíveis à degradação do solo, detectando precocemente alterações na matéria orgânica e em outras propriedades. E, também, oferecem precisão, consistência nos resultados, facilidade de análise e reprodutibilidade, que reduz o custo de sua análise. Outras características também foram importantes para a escolha dessas enzimas, como correlação com vários atributos microbiológicos e não serem afetadas pela aplicação de calcários e fertilizantes.

As funções do solo são Ciclagem, Armazenamento e Suprimento. Essas três funções estão relacionadas à capacidade daquele solo em nutrir as plantas, promovendo o equilíbrio químico, físico e biológico. Cada função tem sua característica própria, sendo: a) Ciclagem: a capacidade do solo ciclar nutrientes, onde é estimado o desempenho da atividade biológica; b) Armazenamento: a capacidade do solo em armazenar nutrientes, ou seja, sua reserva de nutrientes (CTC potencial e MOS); c) Suprimento: a capacidade do solo em disponibilizar os nutrientes, representada pela qualidade da reserva de nutrientes (acidez, suprimento de bases e suprimento de fósforo).

Após interpretar os dados da Bioanálise é necessário determinar a classe de saúde daquele solo e, para isso, é essencial compreender os requisitos ilustrados na Figura 1.

Figura 1 - classificação da saúde do solo através da tecnologia de BioAS
Figura 1 - classificação da saúde do solo através da tecnologia de BioAS

Com a classificação da saúde do solo realizada deve-se entender o que fazer para que consiga práticas sustentáveis a longo prazo e buscar ou manter um solo saudável. Na Figura 2 pode-se observar uma conclusão rápida do que fazer em cada classe de saúde do solo.

Figura 2 - práticas que devem ser adotadas após a classificação da saúde do solo através da tecnologia de BioAS
Figura 2 - práticas que devem ser adotadas após a classificação da saúde do solo através da tecnologia de BioAS

Solos doentes não necessariamente significam solos de baixa produtividade, mas sim solos menos resilientes, com menor capacidade de reagir em situações de estresses. A Figura 3 evidencia tal processo.

Figura 3 - avaliação de produtividade de soja em 2 solos doentes e 2 solos saudáveis ao longo de 11 safras
Figura 3 - avaliação de produtividade de soja em 2 solos doentes e 2 solos saudáveis ao longo de 11 safras

Nos resultados apresentados pela Figura 3 é possível observar que ao longo das 6 safras iniciais, não houve diferença em relação a produtividade de soja. Entretanto, na sétima safra, após um período de estresse hídrico gerado por um veranico, as produtividades nos 2 solos doentes caíram, enquanto as produtividades nos 2 solos saudáveis se mantiveram. Nas próximas 4 safras seguintes os solos doentes não foram capazes de alcançar a produtividade dos solos saudáveis. Para efeito comparativo, essa diferença acumulada foi de 119 sc/ha.

Os benefícios de um solo saudável vão além de produtividade das culturas, pois o solo saudável além de produtivo é resiliente, biologicamente ativo e com plantas mais nutritivas. É observado, também, melhora do armazenamento de água e respiração, biorremediação de pesticidas, sequestro de carbono, mitigação da emissão de gases do efeito estufa, etc. Características visadas em um sistema de manejo sustentável e eficiente.

Diversos estudos demonstram que solos saudáveis promovem um melhor desenvolvimento de plantas, mantendo-as mais nutritivas. A Tabela 1 abaixo apresenta solos com alta atividade enzimática e baixa atividade enzimática em função do manejo adotado.

Tabela 1 - solos com manejos distintos promovendo alta e baixa atividade enzimática e diferentes índices de qualidade nutricional das plantas de soja
Tabela 1 - solos com manejos distintos promovendo alta e baixa atividade enzimática e diferentes índices de qualidade nutricional das plantas de soja

Em solos considerados saudáveis (com alta atividade de Arilsulfatase e Beta-Glicosidase), ou seja, o solo com Soja/Braquiária ou Soja/Rotação como manejo, proporcionaram às plantas de soja maiores índices de flavonoides e proteína comparados aos solos com baixa atividade enzimática.

A Bioanálise de solo desempenha um papel fundamental na avaliação da qualidade e saúde do solo, indo além das análises tradicionais químicas e físicas ao incluir parâmetros biológicos cruciais para seu funcionamento. Com a capacidade de identificar precocemente alterações na matéria orgânica e outros indicadores, a BioAS permite uma visão mais integrada e precisa da condição do solo. Essa abordagem não apenas contribui para práticas agrícolas mais sustentáveis, como também reforça a importância do equilíbrio entre os componentes físicos, químicos e biológicos para a manutenção da fertilidade, produtividade e resiliência do solo. Assim, o uso da Bioanálise é uma ferramenta interessante para desvendar os mistérios da saúde do solo e garantir a sustentabilidade econômica, social e ambiental dos sistemas agrícolas a longo prazo.

Por Luiz Fernando Costa Ribeiro Silva e Letícia Almeida, Universidade Federal de Viçosa

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

LS Tractor Fevereiro