Ocorrência e manejo de percevejos em milho de segunda safra

Por Crébio José Ávila (Embrapa Agropecuária Oeste); Luis Henrique M. Fragoso e João Vitor Klein Dapont (Universidade Federal da Grande Dourados)

11.10.2024 | 14:20 (UTC -3)
(A) Percevejo-marrom, <i>Euschistus heros</i>; (B)percevejo-verde, <i>Nezara viridula</i>
(A) Percevejo-marrom, Euschistus heros; (B)percevejo-verde, Nezara viridula

A produção de milho em áreas extensivas pode favorecer a incidência de pragas que utilizam suas plantas para alimentação, reprodução ou abrigo, as quais podem causar perdas expressivas na cultura se não forem controladas. Dentre as pragas do milho, destacam-se os percevejos fitófagos, os quais são considerados o principal problema entomológico no cultivo de segunda safra (“safrinha”), especialmente quando essas pragas ocorrem durante os estádios iniciais de desenvolvimento das plantas.

O percevejo barriga-verde, Diceraeus melacanthus, é considerado praga em diversas culturas tais como a soja, o trigo e o milho. Os ovos desta espécie apresentam coloração verde-clara e são colocados geralmente sobre as folhas do milho e de plantas daninhas. O inseto passa por cinco estágios de ninfa até atingir a fase adulta. O adulto de D. melacanthus apresenta geralmente coloração marrom-clara na região dorsal e verde na região abdominal, daí o nome barriga-verde. O ciclo total de desenvolvimento do percevejo barriga-verde, de ovo a adulto, dura cerca de 29 dias, podendo ocorrer de 3 a 4 gerações durante o período de cultivo do milho de segunda safra.

A primeira ocorrência do percevejo barriga-verde em cultivos de milho do Brasil foi no ano de 1993, no município de Rio Brilhante (MS). Após esse relato, essa praga foi registrada na cultura do milho ou trigo nos estados do Paraná, São Paulo e, posteriormente, em outros estados do cerrado brasileiro onde se cultivava milho. Na região sul, especialmente no estado do Rio Grande do Sul, ocorre uma outra espécie de percevejo barriga-verde (Diceraeus furcatus), a qual apresenta pequenas diferenças morfológicas quando comparado a D. melacanthus, mas que tem o mesmo potencial de danos na cultura do milho.

O percevejo barriga-verde causa danos expressivos em plântulas de milho através da inserção dos seus estiletes, presentes no aparelho bucal sugador, que penetra através da bainha até os primórdios foliares internos que estão ainda presentes no caule das plântulas. Após essas folhas se desenrolarem das plantas, elas apresentam deformações tais como perfurações, encharutamento, perfilhamento da planta e, até mesmo, a sua morte. Causa assim redução no porte das plantas e no estande, bem como na produtividade da cultura. Esses danos são tão maiores quanto mais jovem for o estádio das plantas de milho atacadas, em especial quando ocorrer condições de estiagens, o que dificulta a recuperação das plantas após o ataque dos percevejos.

Da mesma forma, o percevejo-marrom (Euschistus heros) e o percevejo-verde (Nezara viridula), que são pragas tradicionais da soja, podem atacar o milho de segunda safra à semelhança do percevejo barriga-verde. Porém, com menor capacidade de causar danos.

O potencial de danos de percevejos em diferentes estádios de desenvolvimento do milho de segunda safra tem sido estudado em nível de campo, demonstrando-se que os estádios de 1 a 3 folhas são os mais suscetíveis ao ataque dessas pragas. Plantas de milho com 4 a 5 folhas são considerados moderadamente tolerantes ao ataque de percevejos, enquanto plantas com 6 ou mais folhas abertas já são consideradas tolerantes ao ataque tanto de D. melacanthus quanto de E. heros e N. viridula. A partir destes últimos estádios de desenvolvimento não se recomenda realizar mais ações de controle de percevejos na cultura do milho. O conhecimento do grau de tolerância dos diferentes estádios de desenvolvimento do milho aos percevejos poderá orientar o produtor sobre o momento mais adequado para se realizar o controle dessas pragas na cultura.

Os adultos dos percevejos têm maior atividade diurna, nas horas de temperatura mais amenas, como pela manhã ou durante a noite, enquanto que nos horários mais quentes do dia os insetos ficam normalmente alojados e protegidos sob a palhada ou na sombra de plantas daninhas. O percevejo barriga-verde tem uma estreita associação com plantas daninhas, em especial com as espécies capim carrapicho (Cenchrus echinatus), capim rhodes (Chloris gayana), capim mombaça (Panicum maximum), trapoeraba (Commelina benghalensis) e o capim-amargoso (Digitaria insularis) (Carvalho, 2007). Nessas plantas daninhas o percevejo barriga-verde pode se desenvolver e completar o seu ciclo de vida.

Realizou-se amostragens do percevejo barriga-verde em Mato Grosso do Sul, por volta das 12h, em três ambientes: plantas daninhas secas, plantas daninhas verdes e plantas de milho. No total das amostragens realizadas, utilizando-se como amostrador uma armação de ferro de 50 cm x 50m, constatou-se no ambiente contendo plantas daninhas verdes 179 insetos (adultos + ninfas), enquanto nos ambientes de milho e plantas daninhas secas foram encontrados 88 e 4 insetos, respectivamente. Diante desses fatos, podemos inferir que um bom controle dessas plantas daninhas na área de cultivo do milho, representa uma importante alternativa de manejo do percevejo barriga-verde na cultura.

A flutuação populacional anual do percevejo barriga-verde foi determinada na cultura do milho em Mato Grosso do Sul, constatando-se que a maior abundância dessa praga ocorre entre os meses de março a maio, período este que coincide com o início da época de cultivo do milho de segunda safra na região.

Flutuação populacional do percevejo barriga-verde em lavouras de milho na região de Dourados, MS - Fonte: Carvalho (2007)&nbsp;
Flutuação populacional do percevejo barriga-verde em lavouras de milho na região de Dourados, MS - Fonte: Carvalho (2007) 

Estudos de infestação artificial de percevejos barriga-verde em gaiolas teladas contendo plântulas de milho foram conduzidos visando a determinação do nível de dano econômico e, consequentemente, do nível de controle dessas pragas em condições de campo. Os resultados evidenciaram que o nível de controle de percevejos no milho foi de 0,8 insetos (adulto + ninfa grande) por m2, enquanto em outro estudo foi de 1 percevejo para cada 10 plantas de milho. Esses níveis de controle constituem apenas uma orientação para o produtor decidir sobre a necessidade ou não de se realizar a aplicação de inseticidas nas lavouras. Todavia, dependendo do estádio de desenvolvimento da planta de milho, do nível de produtividade esperada, das condições climáticas bem como do nível de umidade presente no solo, ajustes são necessários para essa tomada de decisão. Solos férteis, sem restrições químicas e físicas associados a uso de nitrogênio em cobertura favorecem a recuperação das plantas de milho atacadas por percevejos.

Para um manejo eficiente de percevejos na cultura do milho é imprescindível fazer o monitoramento dessas pragas antes e após a implantação da cultura. Uma alternativa para a redução da população de percevejos sobreviventes nos estágios iniciais de desenvolvimento do milho seria a aplicação de inseticidas, em pulverização, no final do ciclo da soja, mais precisamente por ocasião da sua dessecação para a colheita. A população do percevejo barriga-verde aumenta expressivamente no final do ciclo da soja, pois estes insetos “sabem” por aprendizagem temporal que após o cultivo dessa leguminosa vem a cultura do milho e do trigo, que são hospedeiros mais adequados para o seu desenvolvimento. Os inseticidas utilizados para o controle de percevejos na soja são, geralmente, eficazes para o emprego nas pulverizações realizadas no final do ciclo desta cultura. Todavia, deve-se ter cuidado para se escolher um produto que tenha período de carência adequado entre essa pulverização e a colheita da soja.

Outra alternativa muito útil e eficiente para o manejo de percevejos no milho é o tratamento de sementes com inseticidas, especialmente daqueles pertencentes ao grupo dos neonicotinóides. Essa tática de controle pode reduzir expressivamente a população de percevejos nos estádios iniciais de desenvolvimento do milho, principalmente quando a população dessas pragas não estiver muito elevada na área. Em condições de alta população de percevejos no final do ciclo da soja, o uso apenas do tratamento de sementes do milho não garante um nível adequado de controle dessas pragas.

Para o controle de percevejos no milho, o produtor pode também utilizar a tática do Plante e Aplique (PA). Esta estratégia de controle consiste da aplicação do inseticida, em pulverização, logo após a semeadura do milho na área. Esta modalidade de controle tem como fundamento a movimentação dos percevejos que ocorre sobre a palhada logo após a semeadura do milho, uma vez que a operação de plantio perturba o ambiente onde os percevejos estavam previamente alojados e dessa forma começam a se movimentar na área. Todavia, para que esta tática de controle seja eficaz, é necessário que a pulverização seja realizada, no máximo, cerca de 1 hora após o plantio. Em períodos maiores, após a semeadura do milho, os percevejos voltam a se acomodar no ambiente de cultivo, ficando geralmente associados e protegidos pelas plantas daninhas, o que reduz a eficiência de controle. Do mesmo modo, aplicações de inseticidas sobre a resteva da soja colhida, antes da semeadura do milho, são também ineficazes para o controle de percevejos em decorrência do efeito guarda-chuva causado pelas plantas daninhas e soja voluntária que se desenvolvem após a colheita.

Outra estratégia eficiente de controle é a pulverização com inseticidas realizada durante os estádios iniciais de desenvolvimento da cultura. Devemos ter consciência da necessidade de proteção das plantas de milho desde o estádio V1 (uma folha aberta) até V5 (cinco folhas abertas). Plantas de milho com sete ou mais folhas abertas já são tolerantes ao ataque dos percevejos e assim não há mais necessidade de controle dessas pragas. Com base nisso, recomenda-se que as pulverizações do milho sejam realizadas aos 3 e aos 7-8 dias após a emergência das plantas (DAE), períodos estes que abrangem os estádios de V1 a V5 da cultura. Recomenda-se, para o controle de percevejos em pulverização de plântulas de milho, os mesmos produtos empregados no controle dessas pragas na cultura da soja.

Carvalho (2007) constatou controle biológico natural de percevejos na cultura do milho através de parasitoide de ovos, principalmente por Telenomus podisi (Hymenoptera: Platygastridae) e de parasitismo de adultos por Hexacladia smithii (Hymenoptera: Encyrtidae). Infelizmente, o uso desses parasitoides não tem sido disponibilizado comercialmente para serem utilizados no controle biológico inundativo em lavouras de milho.

Por Crébio José Ávila (Embrapa Agropecuária Oeste); Luis Henrique M. Fragoso e João Vitor Klein Dapont (Universidade Federal da Grande Dourados)

Artigo publicado na edição 287 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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