Três doenças radiculares da soja que merecem atenção
Por Jaqueline Huzar Novakowiski (Volvere Biotech); Ana Paula Burko e Marlon Paloschi (Unicentro); Maicon Balbinotti, Michele Gevinski Otolakoski e Suelen Cappellaro (UPF)
O nematoide-de-cisto da soja (NCS), Heterodera glycines, é um dos principais patógenos da cultura nas diferentes regiões produtoras do mundo. Todavia, sua primeira ocorrência no Brasil somente aconteceu na safra 1991/1992, simultaneamente, nos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Sua disseminação pelo país, aconteceu de forma muito rápida. Assim, em 2008, já estava presente em 10 estados da Federação: MT, MS, GO, PR, RS, MG, SP, BA, TO e MA. Esse nematoide, além de possuir elevadas capacidades de multiplicação, disseminação e sobrevivência, também apresenta grande habilidade em parasitar a soja.
Desse modo, as perdas na produção de grãos da oleaginosa são sempre elevadas. No Brasil, nas primeiras safras após a detecção, em algumas situações, as perdas chegaram a atingir 100%. Atualmente, em função da adoção de estratégias de controle, as perdas são bem menores, mas ainda bastante expressivas (20% em média).
As principais medidas de controle do NCS incluem a rotação de culturas com espécies vegetais não hospedeiras, a utilização de cultivares de soja resistentes e a adoção de boas práticas de manejo do solo e da cultura. Dessas medidas, a mais barata e de melhor aceitação pelos produtores é a semeadura de cultivares resistentes. Entretanto, a disponibilização de cultivares resistentes adaptadas para as diferentes regiões produtoras de soja do Brasil não é tarefa fácil. Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos programas de melhoramento genético de soja, tem sido a enorme variabilidade genética apresentada pelo patógeno no país, especialmente na região Central. Ao todo, haviam sido registradas anteriormente no Brasil, 10 raças do NCS: 1; 2; 3; 4; 4+; 5; 6; 10; 14 e 14+. Das mais de 150 cultivares de soja resistentes ou moderadamente resistentes liberadas no Brasil, a maioria não é parasitada apenas pelas raças 1; 3 e 14. Mesmo para essas três raças, ainda existe carência de cultivares adaptadas para as diversas regiões produtoras do país.
Na safra 2022/2023, a região oeste da Bahia cultivou com soja uma área de 1.860.000 hectares, correspondendo a 73% da área usualmente utilizada para cultivo com grandes culturas na região. Entre as culturas praticadas em primeira safra, destacam-se também o algodoeiro (305 mil ha), o milho (220 mil ha) e o sorgo (170 mil ha). Apesar da importância dessa região para o cultivo de soja, até meados de 2017 pouco se conhecia sobre a incidência de raças do NCS no Oeste da Bahia. Após uma soma de esforços entre Embrapa e Fundação BA e com o importante apoio da Abapa (Associação Baiana dos Produtores de Algodão), foi instituído, na Fundação BA, um laboratório de pesquisa e diagnóstico em nematologia. Após a construção de casa-de-vegetação climatizada e a capacitação de colaboradores do laboratório, foi possível iniciar os testes para a determinação de raças de NCS.
Assim, desde a safra 2018/2019, vem sendo realizados, na Fundação Bahia, no município de Luiz Eduardo Magalhães, testes para determinar raças do NCS. Até o momento, foram analisadas 210 populações do nematoide. As amostras de solo infestado, em sua maioria, foram recebidas no laboratório da FBA por livre demanda de produtores de soja do Oeste da Bahia. Adicionalmente, foram incluídas algumas amostras de solo coletadas em lavouras de soja da região, com problemas recorrentes de danos pelo NCS. Ao longo dessas cinco safras, foram encontradas 12 raças: 1; 2; 3; 4; 4+; 4++; 5; 6; 9; 10; 14; e 14+ (Figura 1). A raça 4++, apesar de ter tido baixa incidência (0,5%), merece destaque pelo fato de suplantar a resistência da "PI 437654", a fonte de resistência ao NCS mais completa já descrita no mundo.
Com base no total dos testes realizados, nota-se que houve predominância de ocorrência das raças 3 (37%), 4+ (27%), 6 (9%) e 10 (7%). Essas quatro raças são as mais recorrentes e representam cerca de 80% do total das raças identificadas no Oeste da Bahia (Figura 1).
O fato de ocorrer diversas raças fisiológicas do NCS na região e dessa ocorrência ser extremamente dinâmica, possivelmente, deve-se principalmente ao método de reprodução do NCS. A reprodução de H. glycines ocorre por anfimixia, onde uma mesma fêmea pode ser copulada por vários machos. Contudo, também pode estar havendo disseminação de raças entre propriedades infestadas da região, do estado, ou até de outros estados. A utilização das cultivares resistentes de maneira equivocada pelos produtores, geralmente em monocultura, e sem conhecer a fonte de resistência da cultivar ("Peking", "PI 88788" e/ou "PI 437654") e a raça do NCS predominante na lavoura, também deve estar contribuindo para uma rápida seleção de outras raças.
A identificação da raça do NCS predominante em uma determinada lavoura é o primeiro passo para o posicionamento correto e seguro da cultivar de soja resistente. O ideal é que o produtor não faça monocultura de uma única cultivar resistente ou de cultivares resistentes oriundas de uma mesma fonte. Em áreas infestadas, na ausência da rotação de culturas (soja-milho ou soja algodão, por exemplo), o ideal é o agricultor praticar a rotação entre cultivares resistentes oriundas de fontes diferentes. A seleção da cultivares resistentes, sempre, deve estar atrelada a testes prévios para quantificar a população de nematoides no solo e determinar a raça do NCS predominante na lavoura.
O teste para determinar a raça do NCS é de difícil realização, consome grande espaço em casa-de-vegetação e demanda mão-de-obra especializada. Para a obtenção do inóculo (ovos e J2) a ser utilizado no teste, dependendo do tamanho da amostra e do nível populacional do NCS no solo, às vezes há necessidade de multiplicação prévia do nematoide em casa-de-vegetação. A técnica de determinação da raça do NCS envolve uma série de genótipos de soja, a saber: "Lee 74" (padrão de suscetibilidade), "Hartwig" e "PI 437654" (padrões de resistência) e as diferenciadoras ("Pickett", "Peking", "PI 88788" e "PI 90763"). Em caso de baixa viabilidade do inóculo ou da ocorrência dentro da casa-de-vegetação de condições climáticas desfavoráveis a reprodução do nematoide, às vezes os testes precisam ser repetidos.
Por Iolanda Alves dos Santos (Fundação Bahia); Fabiano Jose Perina (Embrapa Algodão); Waldir Pereira Dias (Embrapa Soja)
Artigo publicado na edição 291 da Revista Cultivar Grandes Culturas
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura