Manejo de lesmas e caramujos na soja

Por Suélen Cristina da Silva Moreira e Crébio José Ávila (Universidade Federal da Grande Dourados)

09.01.2024 | 14:30 (UTC -3)

As lesmas e os caracóis são animais de hábitos terrestres, pertencentes ao Filo Molusca, Classe Grastropoda e Ordem Pulmonata. As lesmas apresentam o corpo nu, enquanto os caracóis carregam sobre o dorso uma carapaça ou concha de carbonato de cálcio, que lhes confere abrigo e proteção. A cabeça das lesmas e dos caracóis localiza-se na parte frontal do corpo, onde apresentam dois pares de tentáculos retráteis que os utilizam para tato e olfato. Esses moluscos são pragas consideradas polífagas que consomem alimentos contendo carboidratos e proteínas na sua composição, tais como vegetais verdes e secos, dejetos de animais, embora tenham preferências por plântulas, cotilédones e brotos, os quais são geralmente as partes mais tenras dos cultivos.

As lesmas e os caracóis colocam seus ovos nas fendas do solo sob restos vegetais que estão em processo de decomposição, geralmente em locais úmidos e de forma agregada, sendo suas ocorrências observadas geralmente em reboleiras nas lavouras. As lesmas são intolerantes à dessecação e à radiação solar por possuírem uma superfície externa úmida, e por isso necessitam de alta umidade ambiental para garantir um desenvolvimento mais adequado.

Esses dois gastrópodes são de hábitos noturnos, iniciando suas atividades ao escurecer e refugiando-se ao amanhecer. No entanto, podem também apresentar atividades diurnas em dias úmidos e nublados nos horários de temperaturas mais amenas e geralmente após uma chuva. Para se protegerem do sol, essas pragas enterram-se no solo para evitar desidratação, principalmente em lavouras implantadas no sistema de cultivo com semeadura direta.

A principal espécie de caracol que ocorre em Mato Grosso do Sul é Drymaeus interpunctus (Molusca: Bulimulidae) e de lesma é Sarasinula linguaeformis (Molusca: Veronicellidae).

Danos de lesmas e caramujos na soja

No Brasil, esses gastrópodes têm sido observados atacando culturas como soja, milho, nabo forrageiro, arroz irrigado, feijão e diversas hortaliças, quando raspam o tecido do caule das plantas, dos cotilédones ou até mesmo as folhas de plântulas, causando injúrias semelhantes àquelas causadas por insetos. Quando esses ataques ocorrem nos estádios iniciais de desenvolvimento da soja podem causar redução do estande da cultura, exigindo com frequência ressemeaduras ou causando perdas de produtividade nos cultivos.

Os caracóis podem também ocorrer no final do ciclo da soja durante a colheita. Nesta ocasião, quando constatados em altas populações podem provocar embuchamento das colhedoras, quando exalam um mau cheiro no ambiente. Essas pragas são também de importância médico-veterinária, já que são vetores de patógenos que causam doenças em humanos e animais domésticos.

Manejo de lesmas e caramujos na soja

O controle biológico conservativo ou cultural de lesmas e caracóis é uma alternativa de manejo que deve ser implementada pelos agricultores, pois auxilia na prevenção e na redução dos danos dessas pragas nos cultivos. Dentre os principais inimigos naturais destes moluscos, merecem destaque algumas espécies de aves, répteis, anfíbios, mamíferos, nematoides, bactérias e insetos predadores, especialmente as espécies das famílias Carabidae, Lampyridae e Cicindelidae, da Ordem Coleopetra. Esses inimigos naturais podem consumir ovos presentes no solo, bem como formas jovens e adultas das lesmas e dos caracóis.

No estado do Paraná, técnicos da Coamo desenvolveram um sistema de arrasto de pneus cheios de água por trator para o controle de caracóis sobre a superfície do solo através do esmagamento. Este sistema tem proporcionado um controle cultural de cerca de 40% dos caracóis com uma única passada sobre a palhada antes do plantio da soja. A rotação de culturas poderia ser outra opção para o manejo de lesmas e caracóis, embora sejam pragas de hábito polífago. Algumas espécies de lesmas podem consumir diferentes espécies de leguminosas ou até mesmo gramíneas, mas não atacam plantas como as de sorgo, mandioca e fumo, hospedeiros esses que poderiam ser utilizados em rotação de culturas.

A aração e gradagem do solo é outra alternativa que poderia ser utilizada para o manejo de lesmas e caracóis, uma vez que o revolvimento do solo reduz a sua umidade, a fonte de alimento e expõe esses gastrópodes à ação dos inimigos naturais presentes na superfície do cultivo. Entretanto, o revolvimento do solo deve ser ponderado em virtude dos benefícios proporcionados pelo sistema plantio direto. A redução na taxa de irrigação constitui também outra opção para manejo de lesmas e caracóis, uma vez que a falta de umidade no solo desfavorece a sobrevivência dessas pragas.

Uma alternativa para o manejo de lesmas e caramujos na soja seria a aplicação de alguns inseticidas em pulverização em mistura com sal de cozinha ou ureia na calda inseticida, devendo essas aplicações ser realizadas preferencialmente à noite, quando essas pragas movimentam mais. Os inseticidas que têm melhor efeito sobre esses moluscos são os pertencentes ao grupo dos carbamatos. Outra alternativa que poderia ser usada para o manejo de lesmas e caracóis são pulverizações com fungicidas à base de cobre, tais como oxicloreto de cobre ou sulfato de cobre, os quais têm efeito repelente para esses gastrópodes quando pulverizados sobre a cultura que se deseja proteger.

Contudo, as estratégias mais efetivas de controle de lesmas e caracóis nos cultivos agrícolas são conseguidas com o emprego de iscas tóxicas tanto para o monitoramento quanto para o controle. Em função do comportamento desses moluscos, o seu controle tem sido realizado com iscas atrativas à base de metaldeído. Todavia, essas iscas moluscicidas comerciais contendo esse ingrediente ativo são registradas apenas para uso domissanitário, ou seja, para o controle em residências, hortaliças e jardins, não sendo legal recomendá-la na agricultura. Em adição, essas iscas à base de metaldeído degradam-se muito facilmente em ambientes úmidos, locais preferidos pelos moluscos. Existem outras iscas à base de metiocarbe e principalmente à base de fosfato férrico que apresentam boa eficácia no controle de lesmas e caracóis.

As iscas à base de fosfato férrico são os únicos produtos que têm recomendação para o controle de lesmas e caracóis atualmente na agricultura e que, portanto, têm registro no Ministério da Agricultura (Mapa). As iscas à base de fosfato férrico são indicadas para o controle de lesmas e caracóis mesmo em áreas extensivas de cultivo, em decorrência de sua especificidade, alta eficiência de controle e prolongado efeito tóxico. Essas iscas devem ser preferidas para o controle desses gastrópodes na agricultura, uma vez que apresentam atratividade e eficácia agronômica para o controle semelhante às iscas à base de metaldeído, além de apresentarem registro, o que permite uma recomendação técnica e segura do ponto de vista legal. Praticamente, não existe nível de dano para orientar o controle desses moluscos na cultura da soja. No entanto, Quintela (2009) sugeriu uma lesma/m² da espécie Sarasinula linguaeformis para iniciar o seu controle na cultura do feijoeiro.

Existem também algumas iscas caseiras preparadas para o manejo de lesmas e caracóis, as quais têm como componentes básicos o ácido bórico ou até mesmo o inseticida abamectina e que apresentam como enchimento ou veículo destes produtos alimentos como ovos, farinha de trigo ou de mandioca, macarrão e quirera de milho. Logicamente que por serem iscas caseiras, esses produtos não têm registro no Mapa.

Aspectos técnicos e legais para moluscicidas na soja

Um pesticida, para ser aprovado o seu registro no Mapa visando ao manejo de pragas, doenças ou plantas daninhas nos cultivos agrícolas, deve ser efetivo agronomicamente para o controle da praga-alvo, ser seguro no manuseio pelo homem e apresentar baixo ou nenhum impacto negativo sobre o meio ambiente. Essa análise de eficácia agronômica e toxicológica é feita exclusivamente para o ambiente onde o agroquímico será utilizado, como na água, no solo, sobre as plantas ou animais, no ambiente domissanitário, em estufas etc. Após o seu registro, o produto é também categorizado como sendo extremamente tóxico, moderadamente tóxico ou atóxico para o homem e para o seu ambiente de uso.

Com base neste argumento, um produto sem registro no Mapa nunca deve ser recomendado no ambiente agrícola, mesmo que tenha registro em outra modalidade de uso, como no caso do ambiente domissanitário. Entretanto, tem ocorrido frequentemente o uso de produtos à base de metaldeído em ambientes agrícolas no Brasil, embora esse ingrediente ativo tenha registro no Mapa, mas apenas para uso domissanitário. Essas irregularidades têm sido constatadas principalmente nas culturas da soja e do milho visando ao controle de lesmas e caracóis. Esse fato constitui uma atitude ilegal e se o técnico fizer um receituário hoje com este produto para o ambiente agrícola, tanto o produtor rural, dono da lavoura em que este produto será aplicado, quanto o técnico responsável pela recomendação, poderão ser autuados pelos órgãos estaduais de fiscalização e responderem a processos administrativos, passiveis de aplicações de penalidades.

No estado de Mato Grosso do Sul tem sido constatadas frequentes autuações pelo órgão de inspeção estadual (Iagro) do uso inadequado do ingrediente ativo metaldeído, especialmente na cultura da soja. Essas autuações conduzem a processos que são julgados rotineiramente pelo Conselho Estadual de Agrotóxicos (CEA) do estado, órgão que analisa tais processos, e, quando comprovadas irregularidades, aplica com frequência multas aos produtores, revendas de produtos agropecuários e/ou técnicos responsáveis.

O uso excessivo de metaldeído em atividades agrícolas tem proporcionado resíduos persistentes nos ecossistemas agrícolas, podendo-se bioacumular em peixes e outras biotas do ambiente aquático. O uso desse produto para o controle de lesmas em plantações e jardins foi proibido em 2022 na União Europeia em função dos riscos de contaminação de pássaros selvagens. Como a isca à base de metaldeído tem como enchimento em sua formulação farinhas de trigo ou de mandioca, tais produtos são atrativos para animais domésticos ou silvestres. Com isso, esses produtos têm causado intoxicações em cães, gatos e coelhos e outros mamíferos pelo consumo dos pellets da sua formulação comercial. Em adição, o metaldeído, por ser um produto que apresenta alta solubilidade em água, pode percolar no perfil solo através da lixiviação e atingir o lençol freático ou até mesmo escoar sobre a sua superfície, podendo, assim, contaminar fontes de água potável.

É importante que os produtores de soja e os consultores agronômicos tenham consciência de que existem outros agroquímicos cadastrados e liberados pelo Mapa para uso na agricultura visando ao controle efetivo de lesmas e caramujos. Esses produtos têm como ingrediente ativo o fosfato férrico (diferentes marcas comerciais), o qual não apresenta riscos de contaminação do solo, de intoxicação de animais domésticos e silvestres, bem como não causa impactos negativos no agroecossistema. Diante disso, é fundamental que os agricultores considerem a utilização de métodos mais seguros e legais para o controle dessas pragas na cultura da soja, buscando não apenas preservar o meio ambiente, mas também assegurar uma boa qualidade dos produtos agrícolas, bem como atender às crescentes demandas por alimentos seguros e ecologicamente saudáveis.

Por Suélen Cristina da Silva Moreira e Crébio José Ávila (Universidade Federal da Grande Dourados). Artigo publicado na edição 295 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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