Enfrentar a ocorrência comum nessas três culturas passa pelo manejo integrado e de resistência desses insetos
30.03.2022 | 15:53 (UTC -3)
Favorecidas pela ponte verde proporcionada pela sucessão contínua de soja, milho e algodão lagartas do gênero Spodoptera tem encontrado oferta abundante de alimento e consequentemente registrado aumentos populacionais nas lavouras brasileiras; enfrentar a ocorrência comum nessas três culturas passa pelo manejo integrado e de resistência desses insetos
A frequente sucessão e
disponibilidade em campo das culturas de soja, milho e algodão proporcionam
contínua oferta de alimento a insetos-praga, o que é conhecido popularmente
como “ponte verde”. Entre os insetos que mais têm sido beneficiados por isso estão
as lagartas do gênero Spodoptera que são
polífagas e, este fator em especial, tem sido fundamental para o aumento de
suas populações e importância econômica nas últimas safras em soja, milho e
algodão.
A
cultura do milho tem como praga-chave a lagarta-militar ou lagarta-do-cartucho S. frugiperda. No entanto, além
do milho, este inseto tem adquirido gradativa importância nas culturas da soja
e algodão por apresentar ocorrência regular e causar injúrias nas plantas,
principalmente em áreas próximas ou em sucessão envolvendo as três culturas. O fato de o milho ser plantado o ano todo no Brasil em
cultivos de “safra” e “safrinha”, somado à presença de culturas de inverno ou
plantas daninhas hospedeiras, proporcionam a S. frugiperda condições ideais para se tornar uma praga de
ocorrência frequente nas principais regiões sojicultoras e cotonicultoras (Papa
e Celoto, 2011).
Em soja,
lagartas de S. frugiperda podem
atacar desde plântulas que acabaram e emergir, folhas, vagens e grãos em
formação. Entre as espécies do gênero Spodoptera,
S. frugiperda é a mais frequentemente encontrada se alimentando de
cotilédones e folhas de plantas recém-germinadas (Moscardi et al., 2012). Devido
a esse tipo de injúria, em algumas ocasiões é necessário replantio. Surtos
populacionais de S. frugiperda durante
os estádios iniciais das plantas são mais frequentes em épocas mais secas (Degrande
e Vivan, 2010).
As lagartas
de S. frugiperda podem danificar plantas
de algodão em qualquer estádio de desenvolvimento. Em plantas novas, lagartas
mais desenvolvidas podem cortá-las na base rente ao solo e em plantas mais
velhas o ataque tende a ocorrer nas hastes, meristemas apicais, folhas, brácteas,
botões florais, flores, maçãs e sementes (Santos, 2001).
Spodoptera eridania (Cramer)
A lagarta-das-folhas ou
lagarta-das-vagens S. eridania é uma
espécie multivoltina, que poe atingir quatro gerações anuais (Capinera, 2005).
No Brasil, entre as espécies
de lagartas que ocorrem na cultura da soja destaca-se S. eridania por causar prejuízos econômicos aos sojicultores, sendo
a frequência de infestações em soja e algodão na região do Cerrado maior a cada
safra (Quintela et al., 2007). Além do hábito desfolhador, em plantas de soja
as lagartas também se alimentam das vagens, danificando diretamente os grãos e
permitindo a entrada de microrganismos patogênicos (Moscardi et al., 2012).
Em algodoeiro, lagartas
de S. eridania ocorrem a partir da
emissão dos botões florais e durante o pleno florescimento, danificando as estruturas
reprodutivas das plantas (Santos, 2007). Essa espécie não era
tradicionalmente considerada uma praga de grande importância para soja e
algodão. Porém, em decorrência de surtos frequentes, altas densidades
populacionais e de níveis de desfolha e injúria em estruturas reprodutivas
maiores que os níveis de controle, esse inseto tem se tornado uma praga
importante nas principais regiões de cultivo do país (Souza et al., 2014).
Em milho, apesar de haver
relatos de lagartas de S. eridania como
causadora de injúrias nas plantas foi demonstrado que tanto folhas de milho
convencional quanto de milho transgênico Bt
causaram 100% de mortalidade larval(Bortolotto
et al., 2015). Por outro lado, lagartas alimentadas com grãos de milho
convencional atingiram mais de 50% de sobrevivência (Bortolotto et al., 2016),
beneficiando o aumento populacional na ocasião da implementação das culturas de
soja e algodão em sucessão ao milho.
Spodoptera cosmioides (Walker)
A lagarta-marrom ou lagarta-preta
S. cosmioides também é considerada
uma praga em expansão nas lavouras de soja e algodão do Cerrado brasileiro,
atacando as plantas principalmente na fase reprodutiva (Zenker et al., 2007). Além
de folhas, S. cosmioides também provoca
injúria nas vagens e sementes de soja, assumindo importância significativa pelos
danos diretos no produto a ser comercializado (Panizzi et al., 2012).
Em algodoeiro,
verificou-se que lagartas de S.
cosmioides se alimentam tanto de folhas, quanto de brácteas, botões florais
e maçãs (Santos et al., 2010). Lagartas neonatas e de terceiro ínstar de S. cosmioides alimentadas com folhas de
milho convencional ou Bt não conseguem
completar a fase larval (Silva et al., 2016). Essas informações são importantes,
pois indicam que outras plantas hospedeiras podem contribuir mais para a
manutenção de lagartas de S. cosmioides em
campo que as próprias plantas de milho.
Manejo
integrado de lagartas
As
lagartas de Spodoptera spp.
geralmente se localizam nos terços mediano e inferior das plantas em fase
reprodutiva, onde se abrigam próximas às vagens e maçãs em plantas de soja e
algodão. Em milho, lagartas de S.
frugiperda permanecem confinadas se alimentando no interior do cartucho das
plantas ou às vezes também dentro da espiga. Esses comportamentos proporcionam
às lagartas de Spodoptera spp. maior
proteção a inseticidas, contribuindo para a redução da eficiência das
aplicações, fato conhecido como “efeito guarda-chuva”.
Atualmente, há apenas duas
marcas comerciais à base de metomil registradas no Brasil para o controle de S. cosmioides em soja e nenhum produto para
esta praga no algodoeiro. Para S.
eridania, apenas os princípios ativos metomil, metomil + novaluron,
lufenuron + profenofós, clorantraniliprole e ciantraniliprole estão registrados
em soja e três na cultura do algodoeiro (flubendiamida, ciantraniliprole e
tiodicarbe). Nenhum inseticida tem registro para essas duas espécies de Spodoptera em milho. Desse modo, é bem
provável que controle parcial de lagartas de S. eridania e S. cosmioides
tem sido realizado indiretamente com aplicações de inseticidas para outras pragas
que ocorrem nessas culturas. No caso de S.
frugiperda o cenário é bem diferente e devido à sua importância econômica
mais antiga para a cultura do milho, e um pouco menos recente em algodão e
soja, essa praga tem mais opções de inseticidas registrados, sendo 169 produtos
em milho, 42 em algodão e 25 em soja (MAPA, 2017).
As liberações
comerciais no Brasil de híbridos transgênicos de milho e de cultivares
transgênicas de algodão e soja que expressam proteínas inseticidas provenientes
da bactéria Bacillus thuringiensis (Tabela
1) modificaram todo o cenário do MIP nessas culturas, que dependiam quase que
exclusivamente do controle químico para o controle de lagartas. O primeiro
evento transgênico Bt (Evento MON531,
Bollgard I, Cry1Ac) de algodão no país foi liberado em 2005, seguido do milho
(Evento MON810, Yieldgard e Cry1Ab) em 2007. Em anos seguintes, vários eventos
transgênicos de milho e algodão contendo uma, duas ou três proteínas foram
liberados no Brasil, e atualmente há várias opções no mercado para uso dos
agricultores. Em 2010, foi lançada a cultivar de soja transgênica (Evento
MON87701 x MON89788, Intacta RR2 Pro, Cry1Ac) resistente a algumas lagartas
desfolhadoras da cultura.
Manejo
de resistência de insetos
Entre as principais
medidas de manejo de resistência aos eventos transgênicos recomendam-se a
expressão em alta dose da proteína inseticida, o uso da área de refúgio e a
piramidação de genes. Cada uma dessas estratégias é resumidamente apresentada a
seguir (Tabashnik et al., 2009).
A expressão da proteína
em alta dose consiste na utilização da proteína transgênica nas plantas em
níveis pelo menos 25x acima da concentração necessária para matar 99% dos espécimes
suscetíveis. Eventos transgênicos que não atingem essa taxa de mortalidade para
uma determinada praga são considerados de baixa dose.
O refúgio se baseia no
emprego de uma área da lavoura cultivada com plantas convencionais não Bt que proporcione a manutenção de espécimes
suscetíveis. O uso da área de refúgio reduz a pressão de seleção sobre as
pragas e permite que populações resistentes e suscetíveis cruzem entre si,
dando origem a indivíduos que também serão suscetíveis às proteínas Bt. Recomenda-se que a área de refúgio não
ultrapasse 800 m de distância da área cultivada com plantas Bt e, dependendo da cultura, número de
proteínas transgênicas nas plantas e confirmação de casos de resistência, que
represente 5%-20% da área cultivada total. Quando necessário, para o controle
de lagartas, recomenda-se o uso de produtos não Bt. Apesar de ainda não ser uma medida obrigatória, o emprego da
área de refúgio em associação com transgênicos que expressam proteínas
inseticidas em alta dose é uma estratégia fundamental para a manutenção de espécimes
suscetíveis na população.
O conceito da
piramidação de genes é o mesmo do manejo por ataque múltiplo, já conhecido com inseticidas.
Essa estratégia consiste na expressão de duas ou mais proteínas em plantas
transgênicas com o objetivo de uma delas causar a morte do inseto no caso de
a(s) outra(s) proteína(s) ser(em) ineficiente(s). A piramidação de genes leva
em conta que as proteínas inseticidas apresentem distintos modos de ação e que
não manifestem resistência cruzada, isto é, que o mecanismo que confere
resistência à praga a uma proteína seja diferente do utilizado pela outra.
Para S. frugiperda uma nova opção foi o
lançamento do bioinseticida à base do vírus Baculovirus
spodoptera (CartuchoVIT), cuja expectativa de comercialização é para a
próxima safra (2017/2018), e que certamente contribuirá para o manejo de
resistência de S. frugiperda a
inseticidas.
Situação mais alarmante
é observada com o aumento do uso de transgênicos e a alta capacidade de S. frugiperda em evoluir resistência às
proteínas inseticidas. Tem sido relatada a ocorrência de populações de S. frugiperda já resistentes às
proteínas Cry1Ab, Cry1F, Cry1A.105 e Vip3Aa20 em híbridos de milho (Bernardi et
al., 2015). Essa rápida evolução de resistência é o resultado conjunto do
intenso uso de transgênicos sem o cultivo de áreas de refúgio, emprego de
eventos que expressam proteínas em baixa dose e que não causam mortalidade
acima de 99%, e uso de transgênicos que expressam mais de uma proteína com o
mesmo modo de ação, o que teoricamente não atende o conceito da piramidação de
genes (ataque múltiplo).
O uso de híbridos
transgênicos considerados de baixa dose (por exemplo, Yieldgard, Cry1Ab)
permite a sobrevivência em campo de uma porcentagem de lagartas de S. frugiperda (Sousa et al., 2016),
favorecendo a transmissão dos genes resistentes para os descendentes e
consequentemente aumento de sua frequência na população. Tem-se observado ainda
a ocorrência de resistência cruzada entre proteínas transgênicas da mesma
classe, por exemplo, proteínas da classe Cry1 (Cry1Ab, Cry1F, Cry1Ac e
Cry1A.105) (Bernardi et al., 2015). Isso tem acelerado a evolução da
resistência em populações de S. frugiperda
expostas continuamente a plantas Bt.
Essa questão é preocupante pelo fato de não apenas híbridos de milho
expressarem proteínas com o mesmo modo de ação, mas porque a pressão de seleção
é aumentada com o uso de cultivares de algodão e soja que também expressam
essas proteínas e cuja resistência já é relatada em milho.
Em plantas de algodão
transgênico que contêm as proteínas Cry1Ac/Cry2Ab2 (Bollgard II) e Cry1Ac/Cry1F
(Widestrike), verificou-se mortalidade total de lagartas neonatas de S. frugiperda, embora a eficiência tenha
diminuído para lagartas mais desenvolvidas. Entre as duas tecnologias, maior
mortalidade foi observada com Widestrike. Sabe-se que maior eficiência desses
transgênicos é proporcionada pela adição das proteínas Cry1F e Cry2Ab2, já que
Cry1Ac é expressa em menores concentrações nas plantas devido à baixa sensibilidade
de S. frugiperda a Cry1Ac (Sorgatto
et al., 2015).
No caso da soja, a
cultivar transgênica que expressa a proteína Cry1Ac (Intacta RR2 Pro) apresenta
baixa toxicidade a S. eridania, S. cosmioides e S. frugiperda (Bernardi et al., 2014). Portanto, o uso dessa
tecnologia não será suficiente para reduzir as densidades populacionais dessas
pragas abaixo dos níveis de dano econômico. A partir dessa informação pode ser
possível prever que cultivares de algodão que possuem somente a proteína Cry1Ac
ou em combinação com proteínas da mesma classe Cry1 também poderão não ser
eficientes para controlar lagartas de Spodoptera
spp.
Recomenda-se
que além do plantio da área de refúgio, os produtores façam monitoramento
periódico de lagartas de Spodoptera spp.
para verificar se há falhas de controle, o que pode ser um indicativo de
ocorrência de populações resistentes na área. Nesses casos, deve-se optar pela
rotação de transgênicos com proteínas de distintos modos de ação e não apenas
com diferentes proteínas, ou mesmo rotação com híbridos ou cultivares
convencionais resistentes a insetos, diminuindo a pressão de seleção. Quando as
densidades populacionais de lagartas atingirem níveis de controle, devem-se
priorizar aplicações de inseticidas que não sejam à base de Bt e que apresentem seletividade a
inimigos naturais.
Por Bruno Henrique Sardinha de Souza, Amanda Maria Nascimento e Geraldo Andrade Carvalho, Universidade Federal de Lavras
Artigo publicado na edição 218 da Cultivar Grandes Culturas, mês julho, ano 2017.
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