Da biologia ao controle do percevejo-marrom - Euschistus heros

Por Vanessa Exteckoetter; Karolina Gomes de Figueiredo; Geísy Nascimento Leal; Mariana de Souza Gonzaga; e Nathan Jhon Lopes, Universidade Federal de Lavras

05.03.2024 | 16:05 (UTC -3)

A Safra 2023/24 enfrenta desafios significativos devido a instabilidades climáticas intensas. Essas condições adversas podem ter impactos negativos na produção agrícola, especialmente no cultivo de soja. As mudanças climáticas, incluindo variações extremas de temperatura, padrões irregulares de chuva e eventos climáticos extremos, podem afetar o desenvolvimento das plantas e criar condições propícias para o surgimento de pragas, como os percevejos.

Os percevejos fitófagos atualmente representam o maior custo isolado entre as pragas no manejo da cultura da soja. Vários produtores têm expressado preocupações, essa questão tem levado os técnicos a refletir e buscar melhorias, em virtude dos consideráveis prejuízos causados pela praga e do aumento nos custos de produção associados ao seu controle.

Safra após safra, as pragas têm causado grandes prejuízos para os produtores, resultado das mudanças climáticas e do sistema de produção adotado. O agroecossistema utilizado nos mais de 43,4 milhões de hectares de soja no Brasil apresenta diversas características propícias à multiplicação de pragas. Prevalece um sistema de produção no qual a soja é a principal cultura a ser estabelecida na grande maioria das áreas, podendo ou não ser rotacionada. Após a colheita, é comum estabelecer uma cultura na sucessão, ou a área pode ficar em "pousio", proporcionando alimento e condições favoráveis para o aumento populacional das pragas.

Biologia e ecologia do percevejo-marrom

O ciclo do percevejo-marrom da soja (Euschistus heros) dura aproximadamente 120 dias, sendo possível haver entre três e seis gerações ao ano, dependendo das condições climáticas e da região. O aumento da temperatura diminui o seu período de desenvolvimento, onde a faixa ideal é entre 20°C e 28°C.

Os ovos têm formato de “barril”, sendo que as posturas podem ser isoladas ou agrupadas em fileiras simples, duplas ou triplas. Essas massas compreendem até 25 ovos, porém é mais comum haver seis a dez ovos por massa. O período de incubação dura cerca de sete dias; os ovos recentes são amarelados e se tornam alaranjados com duas pontuações pretas, que caracterizam a posição dos olhos.

As ninfas do primeiro estádio medem 1 mm e são alaranjadas com a cabeça preta. Manifestam comportamento gregário para se proteger da dessecação, vivem sobre a massa de ovos e não se alimentam devido à fragilidade das peças bucais. A separação das ninfas e o início da alimentação fitófaga começam no segundo estádio de desenvolvimento. As ninfas maiores passam da coloração laranja para aspecto mais acinzentado ou marrom. A espécie passa por cinco instares ninfais que duram cerca de 25 dias.

Os adultos são da coloração marrom-escura, com um par de prolongamentos laterais próximos à cabeça em forma de espinhos e possuem uma mancha amarela em forma de “meia-lua” no dorso. Os adultos medem aproximadamente 13 mm, sendo que as fêmeas são maiores e a distinção sexual ocorre através do formato da genitália. A genitália do macho apresenta uma placa única e a fêmea possui duas placas laterais. A longevidade média dos adultos é de 115 dias, levando cinco a 11 dias para alcançar a maturidade sexual. Os adultos da espécie podem acasalar diariamente e a média da fecundidade é em torno de 120 a 170 ovos por fêmea. Mas, em condições favoráveis, podem ser ovipositados até 300 ovos/fêmea.

O percevejo-marrom está presente durante todo o desenvolvimento da soja. Porém, a fase crítica é o início da formação das vagens até a maturação de grãos. Os danos irreversíveis são decorrentes da alimentação do inseto, que realiza a sucção de vagens e grãos da soja. Tanto as ninfas quanto os adultos têm a capacidade de inserir o aparelho bucal na superfície das vagens e dos grãos de soja para se alimentar. Patógenos e toxinas são injetados paralelamente à ingestão e desencadeiam deformações nas plantas, promovendo a perda da produtividade e da qualidade de grãos.

Ciclo do percevejo e desenvolvimento da cultura no campo
Ciclo do percevejo e desenvolvimento da cultura no campo

Monitoramento e amostragem

A amostragem e o monitoramento do percevejo-marrom são aspectos cruciais para o manejo eficaz dessa praga agrícola. O monitoramento envolve a observação constante das áreas cultivadas, buscando sinais de infestação. O uso de pano de batida é uma técnica tradicional e eficaz no monitoramento do inseto. Essa abordagem consiste em estender um pano branco sob a vegetação e, em seguida, bater suavemente nas plantas para fazer com que os percevejos caiam sobre o pano, sendo especialmente útil para identificar diferentes estágios de desenvolvimento do percevejo, desde ninfas até adultos. A coloração clara do tecido facilita a detecção dos insetos, contribuindo para uma amostragem mais abrangente.

Além desse método mencionado, o uso de armadilhas específicas, como as armadilhas de feromônios, é uma prática comum. Essas armadilhas emitem substâncias químicas semelhantes aos feromônios sexuais dos percevejos, atraindo-os para a captura. A análise regular dessas armadilhas permite avaliar a densidade populacional e a distribuição da praga na área, sendo importante realizar a amostragem em momentos estratégicos do ciclo da cultura, pois a presença e a densidade populacional do percevejo-marrom variam ao longo do tempo. Isso permite tomar decisões mais precisas sobre a necessidade de intervenção e o momento adequado para aplicação de medidas de controle, como o uso de inseticidas, manejo cultural ou biológico.

O uso combinado de armadilhas, amostragem direta com pano de batida e tecnologias modernas oferece uma abordagem holística para o monitoramento do percevejo-marrom. Essa variedade de métodos proporciona dados mais detalhados, permitindo aos agricultores definir quais decisões tomar para proteger suas culturas de maneira eficiente e sustentável.

Métodos de controle

O manejo do percevejo-marrom pode ser realizado por meio dos métodos cultural, biológico e químico. É importante que possam ser utilizados de forma integrada para a regulação populacional do percevejo nas lavouras de soja.

• Controle cultural: são práticas agrícolas que desempenham papel crucial na redução do percevejo-marrom da soja. Estratégias como rotação de culturas, que alterna plantios e desestabiliza a praga, impedindo sua permanência; ajuste na época de plantio, que influencia a sincronização entre o pico de atividade do percevejo e a fase vulnerável da cultura; seleção de cultivares resistentes e geneticamente modificadas também é eficaz; redução da vegetação hospedeira próxima à plantação, que controla a migração da praga; adequada decomposição de restos culturais da safra anterior é crucial, diminuindo locais de abrigo e reprodução. A integração dessas práticas contribui para um controle cultural eficiente e sustentável do percevejo-marrom da soja.

• Controle biológico: predadores notáveis incluem os percevejos do gênero Podisus spp., que são facilmente identificados por seu corpo alongado e coloração variada, geralmente em tons de marrom ou verde. Esses predadores vorazes consomem ovos, ninfas e adultos de várias pragas agrícolas, uma estratégia eficaz para reduzir a população do percevejo-marrom.

No caso dos parasitoides, destacam-se Telenomus podisi e Trissolcus basalis. Essas espécies de vespas localizam os ovos do percevejo-marrom em plantas de soja, depositando seus próprios ovos nos ovos da praga. As larvas do parasitoide se desenvolvem dentro dos ovos do percevejo-marrom, alimentando-se do conteúdo do ovo hospedeiro e matando a ninfa antes da eclosão. Quando as larvas completam seu desenvolvimento, emergem como adultos, concluindo o ciclo de vida da vespa e iniciando uma nova geração de parasitoides.

No que diz respeito aos entomopatógenos, Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae são destacados. Quando aplicados no ambiente, esses fungos entram em contato com os insetos em diferentes fases de desenvolvimento. Os esporos aderem à superfície do inseto, germinam e penetram no corpo do percevejo. Dentro do hospedeiro, os fungos causam uma infecção sistêmica, destruindo tecidos internos e leva à morte do percevejo. A ação dos fungos é gradual, e o percevejo pode levar alguns dias para sucumbir à infecção.

Essas estratégias biológicas visam o controle sustentável do percevejo-marrom, proporcionando uma abordagem eficaz e amigável ao meio ambiente para reduzir a população dessa praga agrícola.

• Controle químico: o controle químico do percevejo-marrom da soja pode envolver o uso de vários inseticidas. O momento ideal para a aplicação de produtos químicos no controle do percevejo-marrom da soja geralmente é durante o início do período reprodutivo, especialmente quando há a presença de vagens. No entanto, há situações em que infestações de percevejos podem ocorrer durante os estágios vegetativos e a aplicação antecipada pode ser considerada, mas sempre levando em consideração os custos e a sustentabilidade geral do sistema de produção. No entanto, é importante destacar que a decisão de aplicar inseticidas deve ser baseada em avaliações regulares da densidade populacional de percevejos e no monitoramento do desenvolvimento da cultura. Atualmente existem 104 produtos comumente utilizados para o controle do percevejo-marrom da soja listados no Agrofit/Mapa (2024), dentre eles pode-se verificar: piretroides (cipermetrina, deltametrina, lambda-cialotrina), neonicotinoides (imidacloprido, tiametoxam, clotianidina e dinotefuram), organofosforados (clorpirifós e acefato) e sulfoxaminas (sulfoxaflor).

É crucial seguir as recomendações dos fabricantes e dos órgãos reguladores locais para o uso seguro e eficaz desses produtos. Além disso, a adoção de práticas de Manejo Integrado de Pragas (MIP) é fundamental para reduzir a dependência exclusiva de inseticidas e promover abordagens sustentáveis e equilibradas no controle da praga.

O monitoramento do percevejo-marrom na cultura da soja e a identificação precisa são essenciais para determinar o controle adequado, sendo necessário para alcançar excelentes resultados na safra de soja.

Por Vanessa Exteckoetter; Karolina Gomes de Figueiredo; Geísy Nascimento Leal; Mariana de Souza Gonzaga; e Nathan Jhon Lopes, Universidade Federal de Lavras

Artigo publicado na edição 296 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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