Cigarrinha-africana (Leptodelphax maculigera) encontrada em plantação de milho no Brasil

Por Eduardo Engel, Esalq/USP; Mauricio Pasini, Intagro CP&T

16.07.2023 | 17:46 (UTC -3)

A cigarrinha-africana, Leptodelphax maculigera, é uma espécie de inseto da família Delphacidae, que é encontrada em diversas regiões do mundo, incluindo Europa e Ásia. E, mais recentemente, América do Sul (Goiás, Brasil). Essa espécie é capaz de se adaptar a diferentes regiões e pode ser encontrada em áreas cultivadas com cereais de importância econômica, como o milho.

A taxonomia de Leptodelphax maculiger é bem estabelecida. Ela pertence à ordem Hemiptera, caracterizada por possuir um aparelho bucal sugador, e à família Delphacidae, composta por insetos de tamanho diminuto. No entanto, sua similaridade com outras espécies de cigarrinhas, por exemplo a cigarrinha-do-milho, Dalbulus maidis (Cicadellidae), torna sua identificação em nível de campo desafiadora. Apesar disso, alguns caracteres morfológicos podem ser empregados para separação destas espécies. A cigarrinha-do-milho (D. maidis) é caracterizada por apresentar pontuações escuras na cabeça, enquanto para a cigarrinha-africana (L. maculigera) há uma mancha escura no clípeo (região localizada na parte inferior da cabeça), característica desta espécie.

Em relação à ecologia, assim como outras cigarrinhas, Leptodelphax maculigera é uma espécie que se alimenta da seiva de plantas, principalmente da família Poaceae (gramíneas). Ela é encontrada em áreas de cultivo de milho, forrageiras e plantas não cultivadas. No Brasil, sua identificação ocorreu principalmente em milho, capim-elefante e braquiária, na região Centro-Oeste.

Apesar do gênero Leptodelphax spp. ser relatado como potencial vetor de molicutes, principalmente fitoplasmas, uma análise profunda deve ser realizada, a fim de identificar se há essa possibilidade para L. maculigera.

Destaca-se que outras espécies deste gênero apresentaram variações quanto à transmissão de fitoplasmas. Por exemplo, Leptodelphax dymas foi detectado carregando uma cepa de fitoplasma do grupo 16Sr III-A. No entanto, esta mesma espécie de cigarrinha não foi capaz de transmitir a cepa de fitoplasma do grupo 16Sr XI. Desta forma, análises mais aprofunda- das devem ser realizadas para: (1) detectar a ocorrência de cepas de molicutes nas cigarrinhas; (2) detectar a ocorrência da mesma cepa nas plantas; (3) isolar cigarrinhas saudáveis em plantas infectadas para determinar a aquisição; e (4) isolar cigarrinhas bacterilíferas em plantas saudáveis para determinar a infecção. Desta forma, são cumpridos os passos do postulado de Koch.

Ressalta-se que ao constatar a presença de indivíduos Leptodelphax maculigera e da respectiva confirmação da espécie, um reporte aos órgãos competentes passa a ser necessário, a fim de que medidas possam ser adotadas.

Por fim, da ocorrência de qualquer organismo com potencial de praga em ambientes de cultivo, envolvem-se: (a) identificação de indivíduos e seus respectivos locais de ocorrência; (b) quantificação das densidades populacionais; (c) estabelecimento das variabilidades espaciais e temporais; (d) definição dos níveis de danos e respectivos impactos, além das ferramentas a serem utilizadas para seu respectivo controle.

Ou seja, da presença de indivíduos de Leptodelphax maculigera verifique se os mesmos estão associados à cultura do milho, se as densidades populacionais estão elevadas, se é intensa a atividade alimentar e reprodutiva, quais estádios estão ocorrendo, se os indivíduos ocorrem em uma ou mais plantas, se estão distribuídas em todo o ambiente de cultivo, se estão distribuídos na região, além de definir por quais híbridos os indivíduos apresentam preferência alimentar. Cabe destacar que: plantas em que cigarrinhas estiverem associadas sejam marcadas, acompanhe o desenvolvimento delas e compare com plantas sem a presença de cigarrinhas, a fim de identificar possíveis sintomas com confirmação a posteriori em análise molecular.

Em resumo, Leptodelphax maculigera é uma espécie de inseto da família Delphacidae, encontrada em diversas regiões do mundo; alimenta-se de seiva de plantas, principalmente de gramíneas. Existe um potencial de transmissão de molicutes em milho para esta espécie. No entanto, ainda há necessidade de comprovação. Assim como outras espécies de insetos-praga, cigarrinhas são indivíduos altamente adaptáveis, com potencial biótico e resiliência elevados. Desta forma, o monitoramento, a correta identificação e as boas práticas agrícolas são essenciais para a assertividade no seu manejo.

Para essa e outras espécies que possam se adaptar, prudência e segurança são fundamentais, a fim de evitar alardes desnecessários e prematuros.

Primeira ocorrência no Brasil

A primeira ocorrência de Leptodelphax maculigera (Stål, 1859) no Brasil foi relatada em artigo de Kerolainy R. Ferreira, Charles R. Bartlett, Manfred Asche, Liz R. S. Silva, Vinícius S. Magalhães e Karina C. Albernaz Gondinho. A notificação ocorreu no Estado de Goiás em espécies de importância agronômica, como milho, braquiária, capim-elefante, cultivar BRS Capiaçu e feijão. A identificação foi realizada por meio da análise morfológica da terminália masculina. A espécie já foi encontrada em plantas de milho, compartilhando o mesmo espaço com outra espécie conhecida e de grande importância econômica para a cultura, a Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott). Apesar das diferenças morfológicas, é possível que elas possam ser avaliadas em campo apenas como “cigarrinha-do-milho”, sem distinguir as espécies porque a presença de L. maculigera no Brasil era desconhecida. O relato pode ser lido em https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-2818951/v1.

Por Eduardo Engel, Esalq/USP; Mauricio Pasini, Intagro CP&T

Este artigo foi publicado na edição 290 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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