Armazenamento de grãos no Brasil: entenda o problema

Por Marcelo Lacerda, hEDGEpoint Global Markets

12.07.2023 | 17:18 (UTC -3)

A capacidade insuficiente para o armazenamento de grãos no Brasil ganha destaque com a colheita da safra 22/23. A estimativa atual, conforme o 9° levantamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), é de que a produção de grãos chegue a 315,8 milhões de toneladas, um aumento de 15,8% ou 43,2 milhões de toneladas sobre a temporada anterior.

A soja apresenta o maior crescimento, totalizando um volume de cerca de 155,7 milhões de toneladas, seguida do milho, com 125,7 milhões de toneladas. Juntas, essas duas commodities representam 72,5% do total de grãos na safra 22/23. Nesse cenário, a armazenagem se torna ainda mais desafiadora. O problema está no fato de que a produção é significativamente maior do que o espaço de estocagem disponível, com risco de haver um déficit de quase 124,9 milhões de toneladas:

Hoje, o país produz mais do que consegue efetivamente armazenar. A nossa capacidade de armazenar está em torno de 180 a 190 milhões de toneladas, muito inferior ao que as projeções indicam em relação à produção total.

Analisamos para entender por que a armazenagem de grãos é um problema a ser enfrentado na nação brasileira e como a gestão de riscos pode ajudar os produtores.

Capacidade estática inferior à produção

A capacidade estática se refere à disponibilidade de estruturas disponíveis para o armazenamento de grãos. No Brasil, ela é consideravelmente inferior à quantidade de grãos produzidos. Por isso, muitos produtores têm depositado parte da colheita em métodos alternativos como silo bolsas, que são compartimentos que permitem armazenar todo tipo de grão e silagem. É uma medida paliativa, mais arriscada e que pode acarretar a perda produtiva.

Analisando-se a evolução da capacidade de armazenagem a partir de dados da Conab, aponta-se taxa média de crescimento de apenas 2,3% ao ano em um histórico de 10 anos. Nesse mesmo período, o aumento da produção de milho e soja foi de 5,6% ao ano. Esse é um panorama preocupante, visto que o déficit de armazenagem reduz o poder de escolha do melhor momento de venda, pressionando as cotações. O produtor pode se ver obrigado a vender a soja ou o milho, caso a produção seja maior que a capacidade de armazenamento considerando safra e safrinha, mesmo que os preços não sejam atrativos. Isso faz com que haja uma pressão de venda no mercado, diminuindo os preços ao produtor ainda mais.

A safra de soja 22/23 apresentou uma colheita bastante elevada e ainda estão acontecendo as negociações de venda. De acordo com análise da hEDGEpoint, ainda há a estimativa de quase 40% da safra 22/23 de soja para ser comercializada. Com a entrada da colheita do milho, a disputa de espaço com a soja se intensifica dentro da capacidade de armazenagem, impactando a comercialização.

Comercialização da Safra de Soja a Nível Nacional (% da produção):

O mercado da soja tem uma liquidez maior quando comparado ao de milho. Na prática, significa que é mais fácil resgatar os valores investidos nessa commodity. Lacerda pontua que isso faz com que alguns produtores optem por estocar a soja e vender o milho. O risco é a redução das exportações norte-americanas, já que o Brasil estará vendendo bastante milho no mercado externo, afetando as cotações da Bolsa de Chicago.

Perdas podem somar até R$ 30,5 bilhões em 2023

Com safras recordes e o elevado déficit de armazenagem de grãos, os prêmios de exportação da soja e do milho estão em níveis negativos em relação ao mercado internacional. O prêmio é um valor que pode ser positivo ou negativo, representando um ágio ou um deságio frente ao balizador internacional dos preços. Reflete o valor que o importador está disposto a pagar pela commodity, determinado por meio de negociações entre exportadores e importadores, utilizando o valor da Bolsa de Chicago como referência.

Segundo a consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, as perdas geradas na cadeia produtiva brasileira podem chegar a R$ 30,5 bilhões em 2023. Das perdas totais, a soja responderia a R$ 19 bilhões; o milho, por R$ 11,5 bilhões. Os valores foram avaliados considerando prêmios negativos e os embarques realizados e previstos para os próximos meses.

Outro ponto importante é a diferença na capacidade de armazenagem entre os diversos estados. Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo são exemplos com maior espaço de armazenamento, enquanto o Mato Grosso, principal produtor de grãos do país, apresenta déficit de 50%, ou seja, apenas metade do que é produzido consegue ser estocado.

Capacidade de Armazenagem de Grãos vs Produção de Soja e Milho por Estado (%):

Concluímos que o Brasil não tem a estrutura suficiente para armazenar a produção das safras anuais de grãos. Além disso, alguns estados carecem de espaço, enquanto outros têm sobras. Nesse sentido, é importante que o país adote uma logística melhor de distribuição, incentivando a adoção de políticas que possam aumentar a capacidade estática de armazenamento.

Com essas medidas, o produtor poderá vender em um momento mais favorável, havendo maior controle sobre os preços dos produtos exportados. A gestão de riscos também assume importante papel, proporcionando ainda mais segurança.

Com essas medidas, o produtor poderá vender em um momento mais favorável, havendo maior controle sobre os preços dos produtos exportados. A gestão de riscos também assume importante papel neste cenário, proporcionando ainda mais segurança. Vários fatores interferem na volatilidade do mercado de commodities. Incertezas devido ao contexto político e econômico a nível local e global e a própria estocagem podem afetar na oferta e demanda. Aqui cabe uma explicação sobre uma das funções principais da gestão de risco em relação ao armazenamento.

O produtor poderá vender o produto e montar estratégias de derivativos que vão fazer com que ele participe de uma eventual alta. Ele vende a soja dele no mercado físico, por exemplo, e forma uma estrutura de proteção contra a alta, através de derivativos. Essa é uma solução de gestão de risco em relação à questão da armazenagem. Desse modo, o gerenciamento de riscos também desempenha um papel fundamental.

Por Marcelo Lacerda, hEDGEpoint Global Markets

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