Salvo mudança de entendimento, marco temporal foi derrubado

Julgamento encerrou depois das 18h desta quinta-feira; placar ficou em 9 a 2 contra o marco temporal; resta ao ministros decidirem sobre as redações das teses apresentadas pelo relator

21.09.2023 | 17:14 (UTC -3)
Schubert Peter
Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Os ministros Luiz Fux, Cármen Lucia, Gilmar Mendes e Rosa Weber manifestaram-se nesta quinta-feira (21/9) contra a tese do marco temporal para demarcação de "terras indígenas". Com isso, o placar ficou em 9 a 2 para que o Supremo Tribunal Federal (STF) mude o seu entendimento tradicional e passe a avaliar a questão de forma a facilitar a posse  de áreas por indígenas. Em tese, cabe recurso desse julgamento.

O placar está: (a) contra o marco temporal: Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lucia, Gilmar Mendes e Rosa Weber; (b) a favor: Nunes Marques e André Mendonça.

Conforme a Revista Cultivar explicou em matéria publicada ontem (aqui), "marco temporal, também conhecido como teoria do fato indígena, é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. É o entendimento tradicional do STF. Pode-se vê-lo, por exemplo, no RE 219983: 'as regras definidoras do domínio dos incisos I e XI do artigo 20 da Constituição Federal de 1988 não albergam terras que, em passado remoto, foram ocupadas por indígenas'.

A ela se contrapõe a teoria do indigenato (ou da posse imemorial), segundo a qual o direito dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas é anterior à criação do estado brasileiro, cabendo a este apenas demarcar e declarar os limites territoriais".

O julgamento foi encerrado depois das 18h de hoje. A tese será definida na sessão da próxima quarta (27/9). O relator apresentou várias teses para análise. Especificamente sobre o marco temporal, sugeriu ele a adoção da seguinte: "a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal".

Importante também explicar que as "terras indígenas" consistem em direitos de posse e uso. A propriedade -- salvo nova mudança de entendimento do STF -- pertence à União.

ATUALIZAÇÃO em 27-09-2023

Os ministros decidiram hoje o teor das teses de repercussão geral fixadas a partir do julgamento desta ação. Conforme informações do STF, elas servirão como parâmetro para a resolução de, pelo menos, 226 casos.

As teses:

I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena

II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional.

III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição.

IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no art. 231, §6º, da CF/88.

V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do art. 37, §6º da CF.

VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento.

VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT).

VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento.

IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado.

X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes.

XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.

XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional ao meio ambiente, sendo assegurados o exercício das atividades tradicionais dos indígenas.

XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.

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