Resistência ao glifosato redesenha o mercado de herbicidas no Brasil

Entre 2010 e 2020, a venda de ingredientes ativos quase dobrou

15.07.2025 | 10:12 (UTC -3)
Revista Cultivar
Imagem: Embrapa
Imagem: Embrapa

O Brasil mais que dobrou a venda de ingredientes ativos de herbicidas entre 2010 e 2020. O volume passou de 157,5 mil toneladas para 329,7 mil toneladas. O crescimento de 128% supera em muito a expansão da área agrícola no mesmo período. A principal razão: proliferação de plantas daninhas resistentes ao glifosato, como Amaranthus spp., Conyza spp., Digitaria insularis e Eleusine indica. Essas informações constam em estudo de pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e da Universidade de Rio Verde.

O avanço dessas espécies forçou a adoção de novos ingredientes ativos, que se tornaram indispensáveis para complementar ou substituir o glifosato. O caso mais emblemático é o do cletodim. Suas vendas cresceram 2672% no período. Haloxifope-p-metílico teve alta de 897%. Ambos são graminicidas pós-emergentes. São aplicados em áreas infestadas por Digitaria insularis, uma das espécies mais problemáticas desde 2015.

Triclopir e 2,4-D também dispararam. São herbicidas da classe das auxinas sintéticas, eficientes no controle de Conyza spp. resistente. O triclopir cresceu 953%; o 2,4-D, 234%. O aumento se concentra em áreas com infestação mista, onde a resistência à auxina também emerge. Triclopir tem sido utilizado como alternativa para biótipos com necrose rápida causada por 2,4-D, efeito que reduz sua eficácia.

Flumioxazin e diclosulam, herbicidas com ação residual, voltaram à pauta nos sistemas produtivos. Ambos atuam na fase pré-emergente da soja. A venda de diclosulam aumentou 561%; a de flumioxazin, 531%. O uso intensificou-se como estratégia para evitar emergência de Amaranthus spp. e outras espécies resistentes ao glifosato, principalmente em plantios diretos.

A herbicida glufosinato teve aumento de 290%, motivado por três fatores principais: (a) aumento da área infestada por plantas daninhas resistentes; (b) entrada no mercado de cultivares geneticamente modificadas tolerantes à molécula; (c) e proibição do uso de paraquat. Glufosinato atua por contato, com amplo espectro de ação e sem efeito residual no solo — características similares às do paraquat, banido do mercado brasileiro no final da década.

O volume de vendas de glifosato também cresceu: 106% no período. No entanto, sua participação relativa nas vendas totais de herbicidas caiu de 64% para 58%. O dado mostra que a diversificação de ingredientes ativos tornou-se prática comum nas lavouras. A pressão de seleção causada por mais de duas décadas de uso intensivo de glifosato resultou em um novo paradigma no manejo químico de plantas daninhas.

A resposta da indústria foi rápida. A disponibilidade de produtos formulados com os principais ingredientes aumentou significativamente. O número de formulações de cletodim passou de 2 para 14; haloxifope-p-metílico, de 1 para 9; glufosinato, de 1 para 9; triclopir, de 4 para 20; 2,4-D, de 27 para 55.

Esse aumento de oferta pode ter contribuído para a redução de preços. Conforme o estudo, o litro de cletodim, por exemplo, custava R$ 51 em 2010 no Paraná. Em 2020, o valor caiu para R$ 8,45. Haloxifope-p-metílico saiu de R$ 32 para R$ 9,92 no mesmo período, com dados de São Paulo. O barateamento potencializou o acesso dos produtores a alternativas químicas.

A classificação ambiental dos herbicidas vendidos entre 2010 e 2020 permaneceu estável. Nenhum produto da classe IV (risco ambiental insignificante) foi comercializado. A maioria ficou na Classe III (risco moderado), com pequena variação percentual. Não houve registro de herbicidas classificados como extremamente ou altamente tóxicos à saúde humana segundo a Organização Mundial da Saúde.

A disseminação de Conyza spp., Amaranthus spp., Digitaria insularis, Eleusine indica e a emergência do milho voluntário RR complicaram o controle químico. O milho transgênico resistente ao glifosato escapou das colheitadeiras, invadiu cultivos subsequentes de soja e exigiu controle específico com graminicidas pós-emergentes.

O sistema de plantio direto e a diminuição da oferta de mão de obra também pressionaram o uso de herbicidas. O uso mecânico tornou-se menos viável. A área agrícola cresceu apenas 24% no período. A de soja, 59%. A venda de herbicidas superou ambas, sinalizando que o volume aplicado por hectare aumentou.

Assinam o estudo: Sergio de Oliveira Procópio, Robson Rolland Monticelli Barizon, Ricardo Antônio Almeida Pazianotto, Marcelo Augusto Boechat Morandi e Guilherme Braga Pereira Braz.

Outras informações em doi.org/10.3390/agriculture14122315

Compartilhar

Newsletter Cultivar

Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura

acessar grupo whatsapp
Agritechnica 2025