Pesquisador fala sobre o desafio de implantar cadeias produtivas circulares no agronegócio

Para o pesquisador Bruno Varella Miranda, parte do setor entende a importância de cadeias sustentáveis. O difícil é implementá-las na prática

24.02.2022 | 16:22 (UTC -3)
Insper
Para o pesquisador Bruno Varella Miranda, parte do setor entende a importância de cadeias sustentáveis. O difícil é implementá-las na prática.  - Foto: Divulgação 
Para o pesquisador Bruno Varella Miranda, parte do setor entende a importância de cadeias sustentáveis. O difícil é implementá-las na prática.  - Foto: Divulgação 

São diversos os desafios enfrentados pelo agronegócio na busca pela adoção de sistemas produtivos sustentáveis. Exemplos incluem a mitigação das emissões de gases de efeito estufa, o aumento da eficiência no uso de insumos, a reutilização de materiais atualmente descartados e a redução do desperdício de alimentos. De acordo com a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas, 35% da produção de alimentos no Brasil é desperdiçada. A Embrapa estima que, do total que deixa de ser consumido, 10% se perdem ainda no campo, 50% no manuseio e no transporte, 30% no processo que envolve comercialização e abastecimento e 10%, entre os consumidores finais.

Seja em reconhecimento à gravidade do desafio, seja pressionado por clientes cada vez mais exigentes, parte do agronegócio vem debatendo formas de garantir a transição a sistemas produtivos mais sustentáveis. A comunicação com outros players do setor, incluindo a universidade, vem se fortalecendo. Mas um dilema permanece: quem paga a conta?

Como estabelecer cadeias circulares, que reduzam o desperdício e ampliem a integração e o compartilhamento de informações entre diferentes atores do setor, quando a lucratividade do modelo antigo se mantém alta, e não fica claro quem deveria pagar a conta da transição?

Custos x benefícios

Enquanto o setor busca respostas para essas perguntas, a academia vem dando a sua contribuição. “Existe uma quantidade crescente de pesquisas sugerindo metodologias para viabilizar uma transição compatível com os princípios da economia circular”, afirma Bruno Varella Miranda, professor assistente do Insper e doutor em Economia Agrícola pela Universidade de Missouri-Columbia.

Em parceria com outros dois professores assistentes do Insper, Guilherme Fowler A. Monteiro e Vinícius Picanço Rodrigues, Miranda é autor de um estudo que busca contribuir para o debate. “Argumentamos que a implementação de sistemas agroindustriais circulares só será colocada em prática quando os benefícios da adoção ficarem claros e forem superiores aos custos de implementação”, diz Miranda.

“Um sistema circular envolve maiores custos de governança, porque mais transações precisam ser organizadas. Por outro lado, os benefícios potenciais que podem derivar dessas novas práticas nem sempre estão claros, porque ainda parecem dispersos ao longo da cadeia produtiva”, prossegue o professor.

Integração

O pesquisador lembra que, por mais que muitos agentes do setor entendam os benefícios de repensar processos e melhorar a coordenação entre os atores, a adoção dos princípios da economia circular vem caminhando de forma mais lenta do que o esperado pelos analistas mais otimistas. Em parte, porque esse é um setor bastante heterogêneo.

“Nem todos os envolvidos enxergam a mudança como prioridade. Muitos temem a mudança”, diz o professor. “Tecnologias e práticas compatíveis com a economia circular existem, mas o produtor ou a empresa nunca a utilizou, não sabe exatamente que condições vai encontrar, como seria a nova relação com seus fornecedores e compradores potenciais. Além disso, há uma resistência em compartilhar informações com os outros participantes da cadeia produtiva.”

Com tantos desafios, não deveria surpreender a relativa lentidão na transição rumo a sistemas agroindustriais mais sustentáveis. “Em geral, a adoção de um modelo mais sustentável será acelerada se um agente pertencente à cadeia produtiva enxergar os benefícios da mudança e for capaz de apropriar tais ganhos. Nesse caso, esse agente poderá decidir arcar com os custos de estabelecimento de uma cadeia produtiva com transações adicionais, tal como esperamos no caso de uma transição para a economia circular.”

Nem sempre isso ocorrerá, porém. Por isso, os professores discutem uma segunda possibilidade em seu trabalho: que a transição seja fomentada por organizações de apoio, como cooperativas ou associações ligadas a uma determinada indústria, que incentivariam o intercâmbio de informações e a construção de confiança entre as partes.

Bruno Varella Miranda, que é neto de produtores rurais, está convencido de que o modelo atualmente predominante, baseado em cadeias agroindustriais lineares com alto nível de desperdício, será superado, seja por iniciativa do setor, seja por pressão da sociedade. “Ainda vendemos no Brasil a ideia de que temos água, terra, sol em abundância, para sempre. Mas teremos que repensar a configuração dos espaços rurais no Brasil. O próprio envelhecimento da população rural ao redor do mundo nos impõe desafios. O estabelecimento de modelos produtivos mais sustentáveis poderia nos fornecer a possibilidade de dinamizar ainda mais o agronegócio, conectando-o de formas novas com o Brasil urbano.”

Em coerência com a proposta do Insper, que atua conectado às demandas da sociedade, Miranda diz que a proposta dos pesquisadores está inserida em um cenário mais amplo. “O estudo faz parte de um esforço mais amplo. Nosso grande desafio, como pesquisadores do Insper, é garantir uma integração profícua entre a academia e o mercado, sem que exista uma relação de subordinação”, afirma. “A academia precisa olhar para a sociedade, na mesma medida em que o mercado tem muito a ganhar ao ouvir os pesquisadores, de forma a evitar apenas repetir rotinas, sem pensar em novas possibilidades.”

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