Mutação genética e metabolismo desafiam eficácia das diamidas

Estudo revela que resistência em lagartas de importância econômica espalha-se rapidamente

11.08.2025 | 15:50 (UTC -3)
Revista Cultivar
doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629
doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629

O avanço silencioso das resistências a inseticidas diamidas entre pragas lepidópteras ameaça um dos pilares do manejo integrado de pragas (MIP) em diversas culturas. Desde 2007, moléculas como clorantraniliprole e flubendiamida alteraram de forma profunda o controle de lagartas em algodão, soja, milho, arroz e hortaliças. Com ação seletiva, baixa toxicidade para organismos não-alvo e compatibilidade com programas de MIP, tornaram-se referência no combate a Plutella xylostella, Spodoptera frugiperda, Chrysodeixis includens e outras espécies. Porém, sua eficácia sofre erosão acelerada. Este é o tema de estudo de pesquisadores coreanos e alemães.

Pesquisas em diferentes continentes mostram que mutações específicas no gene do receptor de rianodina (RyR) — o canal de cálcio que controla a contração muscular — reduzem a afinidade das diamidas, tornando-as ineficazes. A mutação G4946E, por exemplo, foi registrada na Ásia, Europa e Américas, associada a resistências de até 2.700 vezes à dose de campo. Já a I4790K mostrou-se ainda mais problemática: em P. xylostella, conferiu resistência superior a 2.200 vezes para flubendiamida e praticamente anulou o efeito do clorantraniliprole em doses comerciais.

Outras alterações seguem a mesma lógica molecular. A I4723K em S. litura, embora recente, já elevou a resistência a quatro diamidas em mais de 500 vezes. A Y4701D, identificada em C. suppressalis, isoladamente aumentou a tolerância em mais de 1.500 vezes. Combinadas, essas mutações multiplicam o risco: indivíduos com I4790K e G4946E, por exemplo, mostram resistência muito superior à soma dos efeitos isolados.

Mecanismo metabólico

O mecanismo metabólico reforça a defesa. Em S. exigua, o gene CYP9A40 — da família dos citocromos P450 — apresentou expressão até 80 vezes acima do normal em linhagens resistentes, quebrando a molécula de clorantraniliprole antes que ela atingisse o RyR. Em Tuta absoluta, a superexpressão de UGT34A23 — uma UDP-glicosiltransferase — confere resistência mesmo sem alterações no gene do receptor, provando que a detoxificação sozinha pode neutralizar a molécula. Glutationa S-transferases (GSTs), como a PxGST2L em P. xylostella, e esterases (CCEs) também participam dessa rede bioquímica, aumentando a tolerância e criando resistências cruzadas entre diferentes classes de inseticidas.

Panorama global

O panorama global preocupa. No Brasil, populações de S. frugiperda com mutações I4790M e I4790K mostraram resistência acima de 4.400 vezes, com herança monogênica, autossômica e incompletamente recessiva. Na China, C. suppressalis apresentou até 2.706 vezes mais tolerância, combinando mutação Y4667D e aumento na atividade de enzimas metabólicas. Na Austrália, P. xylostella com I4790K sobreviveu a pulverizações em dose plena de três diamidas diferentes.

A herança da resistência influencia as estratégias de manejo. Quando recessiva, como em alguns casos de mutações RyR, o uso de áreas de refúgio — zonas não tratadas destinadas a manter indivíduos suscetíveis — pode retardar a disseminação. Entretanto, resistências dominantes ou sustentadas por metabolismo acelerado reduzem a eficácia dessa abordagem.

O custo biológico da resistência também pesa na equação evolutiva. A mutação I4790M em S. exigua prejudica o acasalamento e reduz o número de ovos postos, efeito ligado a alterações na expressão de genes reprodutivos. Já a G4946E, em certas populações, não impõe perdas significativas de aptidão, permitindo que persista mesmo sem exposição ao inseticida.

Distribuição global de mutações significativas do gene RyR de <i>P. xylostella</i> associadas à resistência à diamida. Os círculos coloridos representam diferentes substituições de aminoácidos com base na similaridade estrutural e funcional. Os círculos são plotados sobre os países onde as mutações correspondentes foram relatadas em populações de campo ou em linhagens de laboratório. As coordenadas da mutação referem-se à proteína RyR de <i>P. xylostella</i> para manter a consistência entre os estudos -&nbsp;doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629
Distribuição global de mutações significativas do gene RyR de P. xylostella associadas à resistência à diamida. Os círculos coloridos representam diferentes substituições de aminoácidos com base na similaridade estrutural e funcional. Os círculos são plotados sobre os países onde as mutações correspondentes foram relatadas em populações de campo ou em linhagens de laboratório. As coordenadas da mutação referem-se à proteína RyR de P. xylostella para manter a consistência entre os estudos - doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629
Distribuição global das três espécies de <i>Spodoptera</i> com mutações RyR detectadas associadas à resistência à diamida. Os países estão codificados por cores para refletir suas respectivas regiões ou fontes de estudo, facilitando a diferenciação visual dos padrões geográficos de surgimento de resistência -&nbsp;doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629
Distribuição global das três espécies de Spodoptera com mutações RyR detectadas associadas à resistência à diamida. Os países estão codificados por cores para refletir suas respectivas regiões ou fontes de estudo, facilitando a diferenciação visual dos padrões geográficos de surgimento de resistência - doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629

Detecção precoce

A detecção precoce é decisiva. Ferramentas moleculares como PCR alelo-específico, pirosequenciamento e amplificação isotérmica mediada por alça (LAMP) identificam mutações e marcadores genéticos associados à resistência em poucas horas. Ensaios LAMP, por exemplo, foram adaptados para detectar um indel (deleção/inserção) de 29 pares de bases ligado à mutação I4790M em S. exigua, permitindo uso direto no campo, sem a necessidade de laboratório.

Os programas de monitoramento ganham eficiência ao integrar essas ferramentas com dados de bioensaios e histórico de aplicações. Ao identificar o aumento da frequência de mutações como I4790K ou a superexpressão de genes como CYP9A40, técnicos podem ajustar o calendário de aplicação, alternar modos de ação e incorporar biopesticidas, como Bacillus thuringiensis, reduzindo a pressão seletiva sobre as diamidas.

Especialistas defendem um manejo multifacetado. Entre as medidas, destacam-se a rotação de inseticidas com modos de ação distintos, o uso criterioso de sinergistas que inibem enzimas de detoxificação, e a implementação efetiva de refúgios. Contudo, a adesão a essas práticas enfrenta obstáculos: custos, falta de fiscalização e a dificuldade de coordenação regional, especialmente em áreas onde pequenas propriedades compartilham o mesmo mosaico agrícola.

O risco de colapso funcional das diamidas não é teórico. Em regiões do sudeste asiático, como Filipinas e Tailândia, falhas de controle de P. xylostella já ocorreram devido à alta frequência de G4946E, forçando produtores a recorrer a inseticidas mais tóxicos ou menos seletivos, com impactos ambientais e econômicos. No Brasil, relatos de controle insatisfatório de S. frugiperda com diamidas aumentaram nos últimos cinco anos, coincidentes com a disseminação de I4790K.

No horizonte, a pesquisa explora caminhos para restaurar a eficácia. Novas gerações de diamidas, projetadas com base em modelagem estrutural do RyR mutante, buscam superar as alterações conformacionais causadas pelas mutações. Combinações de diamidas com inibidores específicos de CYPs, GSTs e UGTs estão em estudo para bloquear a detoxificação enzimática. Modelos preditivos com inteligência artificial começam a projetar “mapas de risco” de resistência, cruzando dados climáticos, migratórios e genéticos para antecipar surtos e orientar a alocação de recursos de manejo.

O desafio é global. Migração de pragas como S. frugiperda, comércio internacional de produtos agrícolas e ausência de monitoramento em áreas-chave — como partes da África, Oriente Médio e América Latina — criam corredores para a disseminação de resistências. Pesquisadores defendem a criação de uma rede internacional de vigilância, com protocolos unificados de coleta de amostras, análise molecular e compartilhamento de dados em tempo real.

Sem uma ação coordenada, o cenário pode evoluir para um “ponto de não retorno”, no qual as diamidas perdem utilidade de forma irreversível em áreas-chave da produção agrícola global. A combinação de ciência molecular, manejo integrado e políticas públicas consistentes será determinante para evitar que isso ocorra.

Outras informações em doi.org/10.1016/j.pestbp.2025.106629

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