Antibióticos na lavoura lançam desafio para a segurança alimentar

Resíduos de medicamentos veterinários persistem no solo, migram para vegetais e acendem alerta sobre riscos

18.06.2025 | 15:37 (UTC -3)
Revista Cultivar

A produção global de antibióticos ultrapassa 200 mil toneladas por ano e parte desse volume atravessa o ciclo natural, alcançando as lavouras e ameaçando a base da cadeia alimentar.

Quase 80% desses fármacos alimentam rebanhos. Entre 30% e 90% da dose ingerida retorna ao ambiente nas fezes ou na urina, que adubam ou irrigam as plantações e fecham um circuito invisível de contaminação.

Efluentes de criação animal exibem concentrações que superam 2500 µg/L, enquanto águas residuais municipais ou hospitalares alcançam dezenas de microgramas por litro. Fluoroquinolonas, sulfonamidas e tetraciclinas dominam o cenário.

Nas áreas adubadas, tetraciclina sobrevive no solo por até 105 dias; fluoroquinolonas e sulfonamidas mantêm meias-vidas médias entre 30 e 40 dias em sedimentos. A adsorção varia com pH, teor de argila e matéria orgânica, fator que prolonga a permanência do composto e dificulta a previsão de rotas.

A contaminação alcança a planta por irrigação com água de reuso, pela aplicação direta de esterco e outros. Cada via deposita moléculas ativas nas raízes, nos caules e, por fim, nos frutos destinados ao consumo humano.

O índice de bioacumulação (BCF) varia de 0,003 a 24, de acordo com a espécie vegetal, a concentração no meio e a duração da exposição. Compostos hidrofílicos ascendem pelo xilema com a seiva; moléculas mais lipofílicas retêm-se nas raízes. Ajustes de pH alteram o estado iônico dos fármacos e modulam a absorção.

Folhosas como alface e espinafre transferem antibióticos às folhas com mais eficiência que culturas de raiz. Já batata e cenoura tendem a concentrar resíduos no sistema subterrâneo, questão crítica quando o consumo ocorre sem descasque cuidadoso.

Os mesmos compostos que protegem animais reduzem massa vegetal, clorofila e comprimento radicular em doses elevadas. Levofloxacino desponta como o agente mais fitotóxico; amoxicilina ocupa o extremo oposto da escala. Curiosamente, concentrações traço podem estimular o crescimento, fenômeno ainda pouco compreendido.

Para o consumidor, o perigo reside na exposição contínua. Estudos em amendoim registraram razão de risco (HI) moderada; valores superiores a 0,05 sinalizam atenção. O cozimento diminui a carga, mas não zera o problema. A vigilância exige métodos padronizados de extração e cromatografia capazes de rastrear nanogramas por grama de alimento.

Mais grave: genes de resistência (ARGs) já aparecem no interior de hortaliças submetidas a água de reuso. Esses fragmentos genéticos podem alcançar a microbiota humana e comprometer o arsenal terapêutico futuro. A Organização Mundial da Saúde associa milhares de mortes anuais a infecções por bactérias multirresistentes, realidade que pode ganhar potência quando a horta vira vetor silencioso.

Soluções existem, mas cobram custo alto. Lagoas de estabilização removem até 96% dos antibióticos por sorção no lodo. Processos de oxidação avançada mineralizam quase todo o resíduo, porém demandam energia e catalisadores caros. Compostagem e digestão anaeróbia reduzem cargas em esterco, mas resultados divergem conforme temperatura e composição microbiana.

Mais informações em doi.org/10.1016/j.aac.2025.05.002

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