Feijões amazônicos têm até 27% de proteína, revela pesquisa

Estudo no Acre destaca valor nutricional e potencial de mercado de variedades tradicionais do Vale do Juruá

14.10.2025 | 15:31 (UTC -3)
Mauricilia Silva, edição Revista Cultivar

Uma pesquisa realizada no Vale do Juruá, no Acre, revelou que feijões cultivados por agricultores familiares da região possuem teores de proteína superiores à média mundial. Os destaques são as variedades Costela de Vaca e Manteiguinha Branco (Vigna unguiculata (L.) Walp.), que apresentaram até 27% de proteína, contra 20% das variedades comuns cultivadas em outras regiões do Brasil.

O estudo faz parte da tese de doutorado “Qualidade nutricional e armazenamento de feijões do Juruá no Acre”, da professora Guiomar Almeida Sousa, do Instituto Federal do Acre (Ifac), sob orientação do pesquisador Amauri Siviero, da Embrapa Acre.

Composição nutricional e antioxidantes

As análises laboratoriais foram conduzidas no setor de Bromatologia da Embrapa Acre. As variedades de maior teor proteico são cultivadas em sistemas agrícolas tradicionais, principalmente durante o período seco, nas margens dos rios da região.

A pesquisa também identificou altos índices de antocianinas, pigmentos naturais com propriedades antioxidantes associados à prevenção de doenças crônicas. Os feijões Preto de Arranque (P. vulgaris) e Preto de Praia (V. unguiculata) apresentaram entre 420 e 962 microgramas por grama, valores acima dos observados em variedades brancas e coloridas.

“Essas variedades possuem pouco ou nenhum estudo, o que mostra que ainda temos muito a conhecer sobre os feijões amazônicos”, afirma Guiomar Sousa. Segundo ela, conhecer a composição nutricional contribui para valorizar o produto e gerar renda para os produtores locais.

Além do alto valor nutricional, os feijões do Juruá apresentaram boa estabilidade pós-colheita: após 12 meses de armazenamento, mantiveram suas propriedades nutricionais, independentemente da embalagem utilizada. “Isso é essencial, pois as sementes são selecionadas e manejadas por agricultores familiares, indígenas e quilombolas há gerações, adaptadas às condições locais de cultivo”, destaca Siviero.

Mapeamento da diversidade

Durante três anos, o estudo avaliou 14 variedades cultivadas nas margens dos rios Juruá, Breu, Tejo e Amônia, no município de Marechal Thaumaturgo, considerado o mais diverso do Acre. O levantamento resultou em um mapa da distribuição de feijões crioulos no estado, confirmando o Vale do Juruá como o principal centro de diversidade genética de feijões do Acre.

Foram identificadas 23 variedades locais em Marechal Thaumaturgo, enquanto na região do Baixo Acre, mais populosa, predominam apenas três tipos de grão. “Enquanto o feijão-comum é cultivado em terra firme, o feijão-caupi é plantado em várzeas, em pequenos roçados de um hectare”, explica Siviero.

Para o professor Eduardo Pacca, da Universidade Federal do Acre (Ufac), “o Vale do Juruá pode ser considerado um dos principais centros de conservação on farm de feijões caupi e comum do mundo”.

Valorização e novos mercados

O aprofundamento do conhecimento sobre a composição e conservação genética dos feijões amazônicos pode abrir espaço para mercados diferenciados e de maior valor agregado.

Em setembro, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) lançou o Selo Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil – Identificação de Origem, que reconhece produtos cultivados por povos tradicionais, como os feijões crioulos do Juruá.

Além disso, os pesquisadores defendem que os feijões da região possam buscar certificação orgânica e Indicação Geográfica (IG), a exemplo da farinha de mandioca do Juruá, já reconhecida. “Essas certificações trariam benefícios diretos à população local e reforçariam o valor cultural e ambiental da produção”, afirma Pacca.

Patrimônio agrícola e cultural

Os feijões do Vale do Juruá estão entre os principais produtos cultivados em sistemas agrícolas tradicionais — práticas transmitidas entre gerações que combinam produção de alimentos e conservação da biodiversidade.

Essas formas de cultivo estão sendo documentadas no projeto “Registro dos Sistemas Agrícolas Tradicionais do Alto Juruá (RSAT Alto Juruá)”, desenvolvido por uma equipe da Embrapa, Ufac e Ifac, entre outras instituições.

Em agosto de 2025, os pesquisadores percorreram mais de 190 km pelo rio Juruá, registrando comunidades ribeirinhas no Acre e no Amazonas. O trabalho busca o reconhecimento oficial dos sistemas agrícolas tradicionais e a valorização do conhecimento ancestral das populações locais.

“Os feijões do Vale do Juruá são uma herança passada entre gerações e refletem práticas de conservação da agrobiodiversidade que envolvem diversas espécies cultivadas e florestais”, ressalta Siviero.

A agricultura local também se conecta à identidade cultural da região, expressa em eventos como o Festival do Feijão, a Farinhada e outras celebrações que integram a paisagem cultural amazônica.

Sustentabilidade e saber tradicional

A pesquisadora Elisa Wandelli, da Embrapa Amazônia Ocidental, ressalta que a agricultura do Juruá é exemplo de produção sustentável e respeito à natureza. “Vimos comunidades que mostram, na prática, que é possível produzir alimentos e conservar o ambiente. Essa sabedoria ancestral precisa ser valorizada”, afirma.

O agricultor Pedro Bezerra da Silva, da comunidade Novo Horizonte, em Porto Walter (AC), cultiva macaxeira, banana e feijão há mais de 20 anos. “Grande parte da alimentação da minha família vem do que plantamos. Se eu não plantar, não tenho como comprar tudo na cidade”, relata.

Presença na COP 30

Os sistemas agrícolas tradicionais do Juruá estarão em destaque durante a COP 30, em Belém (PA). A Embrapa apresentará o projeto RSAT Alto Juruá na AgriZone, espaço voltado a iniciativas inovadoras e inclusivas.

“Nossa participação reforça a importância de valorizar os sistemas agrícolas tradicionais e sensibilizar formuladores de políticas públicas para sua proteção”, enfatiza Siviero.

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