
O glifosato, cujo nome químico oficial é N-(fosfonometil)glicina, representa um dos herbicidas mais amplamente utilizados na agricultura mundial. Registrado sob o número CAS 1071-83-6, apresenta fórmula química bruta C₃H₈NO₅P, caracterizando-se como um aminoácido fosfonado de estrutura relativamente simples.
Comercialmente disponibilizado sob diversas denominações, incluindo Roundup, Roundup Original, Polaris, Zapp, Glifos - entre outros - o glifosato também é reconhecido pelos sinônimos comuns N-fosfonometilglicina, PMG e glyphosate. Pertence à classe química dos derivados da glicina, especificamente aos organofosforados não-organoclorados.
Desenvolvido como herbicida pela empresa Monsanto na década de 1970, o glifosato foi lançado comercialmente em 1974, revolucionando o manejo de plantas daninhas na agricultura.
Modo de ação
O mecanismo bioquímico do glifosato baseia-se na inibição específica da enzima 5-enolpiruvil-shiquimato-3-fosfato sintase (EPSPS), componente essencial da via do shiquimato. Esta via metabólica é responsável pela síntese de aminoácidos aromáticos fenilalanina, tirosina e triptofano, fundamentais para a síntese proteica e produção de compostos secundários nas plantas.
Segundo a classificação do HRAC (Herbicide Resistance Action Committee), o glifosato pertence ao Grupo G, caracterizado pela inibição da EPSPS. A interrupção desta via metabólica resulta no acúmulo de shiquimato-3-fosfato e depleção dos aminoácidos aromáticos essenciais, culminando na paralização da síntese proteica e morte da planta.
Os sintomas característicos da ação do glifosato incluem inicialmente o amarelecimento das folhas mais jovens, seguido de clorose generalizada que evolui para necrose. As plantas apresentam paralisação do crescimento, murcha progressiva e eventual morte. Em gramíneas, observa-se frequentemente o avermelhamento das folhas antes da necrose completa.
O tempo necessário para manifestação dos sintomas varia de 3 a 7 dias em condições ideais, podendo estender-se até 14 dias em situações de baixa temperatura ou quando as plantas se encontram sob estresse hídrico. A morte completa das plantas alvo ocorre tipicamente entre 7 a 21 dias após a aplicação.
Espectro de controle
O glifosato demonstra eficiência notável no controle de amplo espectro de espécies vegetais, incluindo gramíneas anuais como Digitaria horizontalis (capim-colchão), Brachiaria plantaginea (papuã), Eleusine indica (capim-pé-de-galinha) e Cenchrus echinatus (capim-carrapicho). Entre as gramíneas perenes, controla eficazmente Cynodon dactylon (grama-bermuda), Panicum maximum (capim-colonião) e Brachiaria decumbens (braquiária).
Para dicotiledôneas anuais, apresenta excelente controle de Amaranthus viridis (caruru), Bidens pilosa (picão-preto), Euphorbia heterophylla (amendoim-bravo), Ipomoea grandifolia (corda-de-viola) e Sida rhombifolia (guanxuma). Entre as dicotiledôneas perenes, controla eficientemente Commelina benghalensis (trapoeraba) e diversas espécies de Cyperus.
Espécies parcialmente controladas incluem algumas gramíneas perenes de difícil controle como Cynodon dactylon em estádios avançados de desenvolvimento e Sorghum halepense (capim-massambará) com sistema radicular bem estabelecido. Algumas dicotiledôneas como Richardia brasiliensis (poaia-branca) e certas espécies de Commelina podem apresentar controle variável dependendo das condições de aplicação.
Plantas naturalmente tolerantes ou que desenvolveram resistência incluem espécies como Chloris elata (capim-rabo-de-burro), Digitaria insularis (capim-amargoso), Conyza canadensis (buva) e Amaranthus palmeri (caruru-palmer), estas últimas representando casos bem documentados de resistência desenvolvida.
Recomendações técnicas de aplicação
As doses recomendadas de glifosato variam tipicamente entre 720 a 1.440 g e.a./ha para plantas anuais em estádios iniciais de desenvolvimento. Para plantas perenes ou em estádios avançados, as doses podem alcançar 2.160 a 2.880 g e.a./ha. Em situações especiais, como controle de plantas altamente resistentes ou em condições adversas, doses superiores podem ser necessárias, sempre respeitando os limites máximos estabelecidos no registro do produto.
O estádio de desenvolvimento das plantas-alvo representa fator crítico para eficácia. Plantas jovens, preferencialmente até 4-6 folhas definitivas para dicotiledôneas e até o perfilhamento para gramíneas, apresentam maior suscetibilidade. Plantas perenes devem ser tratadas preferencialmente durante o período de crescimento ativo, quando há maior translocação do herbicida para os órgãos de reserva.
O glifosato é aplicado exclusivamente em pós-emergência das plantas daninhas, não apresentando atividade residual no solo. O momento ideal da aplicação situa-se durante a pós-emergência precoce das plantas alvo, quando estas apresentam máxima atividade metabólica e área foliar suficiente para interceptação do produto.
As condições climáticas ideais para aplicação incluem temperatura entre 20-30°C, umidade relativa superior a 50% e ventos de até 10 km/h. Temperaturas muito baixas (abaixo de 15°C) ou muito altas (acima de 35°C) podem reduzir significativamente a eficácia. A ausência de chuvas por pelo menos 4-6 horas após a aplicação é fundamental para permitir adequada absorção foliar.
Compatibilidade e misturas
O glifosato demonstra boa compatibilidade física e química com diversos agroquímicos, permitindo misturas estratégicas para ampliar o espectro de controle ou adicionar funcionalidades específicas. A compatibilidade deve sempre ser testada preliminarmente através do teste da jarra, especialmente quando envolvem formulações desconhecidas.
Misturas comuns incluem a associação com 2,4-D para melhor controle de dicotiledôneas de difícil controle, com atrazina em aplicações de pré-plantio em milho, e com paraquat para acelerar o efeito de dessecação. A mistura com adjuvantes como surfactantes não-iônicos, óleos vegetais ou minerais frequentemente melhora a eficácia, especialmente em condições de baixa umidade ou plantas com cutícula cerosa.
Misturas a serem evitadas incluem associações com herbicidas antagonistas, produtos com pH extremamente ácido ou básico que podem afetar a estabilidade da molécula, e formulações contendo altas concentrações de sais que podem causar precipitação. Cuidado especial deve ser observado com produtos à base de glufosinato de amônio, que podem apresentar antagonismo em certas condições.
Resistência e manejo de resistência
Os casos documentados de resistência ao glifosato têm aumentado significativamente nas últimas décadas, sendo reportados em mais de 40 espécies de plantas daninhas globalmente. No Brasil, destacam-se casos confirmados em Digitaria insularis, Conyza bonariensis, Conyza canadensis, Conyza sumatrensis, Amaranthus palmeri e Eleusine indica.
Os mecanismos de resistência incluem amplificação do gene EPSPS, mutações pontuais no sítio ativo da enzima, metabolismo aumentado do herbicida e redução na absorção, translocação. A resistência múltipla, envolvendo diferentes mecanismos simultaneamente, tem sido observada em populações de algumas espécies.
Para manejo da resistência, recomenda-se rotação de mecanismos de ação conforme diretrizes do HRAC, evitando aplicações consecutivas de herbicidas do Grupo G. A integração com herbicidas dos Grupos A (inibidores da ACCase), B (inibidores da ALS), K1 (inibidores do fotossistema I) e outros representa estratégia fundamental.
Estratégias práticas incluem uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação em mistura ou sequencial, adoção de práticas culturais como rotação de culturas, uso de culturas de cobertura, manejo integrado que combine métodos químicos, mecânicos e biológicos, e monitoramento constante da eficácia de controle para detecção precoce de populações resistentes.
Eficácia agronômica e posicionamento estratégico
A eficácia do glifosato é significativamente influenciada por condições ambientais. Períodos de seca reduzem a absorção e translocação do produto, enquanto chuvas excessivas podem causar lavagem foliar se ocorrerem logo após a aplicação. Temperaturas baixas retardam o metabolismo vegetal e consequentemente a ação do herbicida, enquanto temperaturas muito elevadas podem causar estresse nas plantas e reduzir a eficácia.
As principais vantagens do glifosato incluem amplo espectro de controle, baixa toxicidade para mamíferos, ausência de atividade residual no solo, compatibilidade com sistemas de plantio direto e custo relativamente baixo. Como limitações, destaca-se a crescente resistência de plantas daninhas, necessidade de plantas em crescimento ativo para máxima eficácia, e potencial deriva para culturas sensíveis.
No posicionamento estratégico em sistemas agrícolas, o glifosato desempenha papel fundamental na dessecação pré-plantio em soja, milho e algodão, permitindo controle eficaz da vegetação estabelecida. Em sistemas com culturas tolerantes (RR - Roundup Ready), possibilita aplicações em pós-emergência da cultura, simplificando o manejo de plantas daninhas.
Na cultura da cana-de-açúcar, é amplamente utilizado em aplicações direcionadas para controle de plantas daninhas nas entrelinhas, bem como em operações de renovação do canavial. Em fruticultura, constitui ferramenta importante para manejo da vegetação nas entrelinhas, sempre com cuidado para evitar deriva sobre as culturas.