Surto de manchas foliares causado por Corynespora cassiicola na cultura do algodoeiro em Mato Grosso

Deivid Sacon, Valéria C. Holtman e César M. de Oliveira (UFV); Maurício Silva Stefanelo e Guilherme Almeida Ohl (Ceres Consultoria Agronômica); Sérgio H. Brommonschenkel (UFV)

04.08.2024 | 09:03 (UTC -3)

A mancha-alvo do algodoeiro, causada pelo fungo Corynespora cassiicola, inicialmente relatada em Mato Grosso em 2005, tem adquirido importância crescente. Os sintomas iniciais da doença são normalmente observados nas folhas do terço inferior da planta após o fechamento das entrelinhas. Esta situação associada a um período chuvoso e temperatura amena criam no interior do dossel um microclima extremante favorável à ocorrência das infecções e desenvolvimento da doença.

Na fase inicial da doença, são observadas pontuações escuras com halo amarelado nas folhas. Com o seu agravamento, essas lesões evoluem e assumem formatos maiores, podendo ser irregulares ou circulares. Com o desenvolvimento, as lesões circulares normalmente adquirem uma tonalidade de cor castanha e apresentam anéis concêntricos de coloração mais escura, com uma pontuação no centro da lesão, lembrando um alvo, que caracteriza a denominação da doença. Em variedades suscetíveis e condições de ambiente favorável observa-se a queda prematura das folhas infectadas. A desfolha e as lesões foliares diminuem a capacidade da planta realizar a fotossíntese, podendo haver prejuízos no desenvolvimento das plantas e redução da produtividade.

Além do algodoeiro, C. cassicola infecta mais de 400 espécies de plantas, dentre elas a soja, plantas de cobertura como as crotalárias, e também plantas daninhas, como a corda de viola, conseguindo sobreviver e se multiplicar em diversos restos culturais. Nas principais regiões produtoras do cerrado, o sistema de produção é caracterizado pelo cultivo de soja primeira safra seguida pelo algodão segunda safra, o que resulta em uma continuidade do ciclo do fungo, aumentando o seu potencial de inoculo e de dano no algodoeiro. A infecção é favorecida quando há um período prolongado de molhamento foliar e temperaturas entre 22ºC e 30°C. Temperaturas abaixo de 20°C desfavorecem o desenvolvimento do fungo.

Nas últimas safras foram relatadas manchas foliares com sintomas diferentes dos normalmente observados para a mancha-alvo em várias lavouras em Mato Grosso, com maior prevalência na safra 2023. As manchas circulares observadas em folhas e brácteas possuíam diâmetro variado, centro claro, circundadas por uma borda necrótica de cor escura (Figura 1), lembrando a sintomatologia de lesões causadas por espécies de Cercospora em outras culturas. No campo, as lesões foram observadas em todos os terços da planta, com alguns relatos de concentração dos sintomas no terço superior. Em função da similaridade sintomatológica e também à comparação dos sintomas observados com fotos de sintomas disponíveis na internet, associou-se e propagou-se nas redes sociais que essas manchas eram causadas por Cercospora sp. Esse diagnóstico inicial foi corroborado com a identificação das estruturas de reprodução típicas de Cercospora sp. nos materiais analisados e seu isolamento a partir de amostras recebidas de áreas com relato da ocorrência das manchas. Todavia, o maior número de relatos em cultivares sabidamente mais suscetíveis à mancha-alvo, levou-nos a suspeitar de uma diagnose errada da causa do problema.

O sistema de produção intensivo adotado na região dos cerrados, com a sucessão de culturas e a presença constante de palhada na superfície do solo, cria um ambiente favorável para multiplicação de diversos fungos necrotróficos, elevando a quantidade de inóculo de vários microrganismos não necessariamente patogênicos, que se aproveitam do tecido vegetal morto para multiplicação, tornando sua presença comum sobre as plantas cultivadas. Seu desenvolvimento é favorecido nas amostras coletadas para análise, se um processamento e envio adequado das amostras para diagnose não é adotado. As folhas de algodoeiro precisam ser desidratadas e acondicionadas de forma a desfavorecer um ambiente de alta umidade durante o seu trajeto até chegar ao laboratório, que pode levar dias. Sem a adoção desse procedimento, os microrganismos oportunistas se proliferam no material enviado, levando a diagnose incorreta do agente causal, quando esta é efetuada somente com a detecção de estruturas dos patógenos (sinais) associadas ao tecido doente, isolamento em cultura pura e análise molecular.

Visando confirmar a etiologia da doença, foram avaliadas folhas e brácteas com os sintomas atípicos coletadas em lavouras comerciais e campos experimentais de Água Boa, Paranatinga, Primavera do Leste, Novo São Joaquim e Lucas do Rio Verde em Mato Grosso (Figura 2). As cultivares amostradas e que apresentavam maior severidade foram FM978 GLTP, FM974 GLTP, FM985 GLTP, FM944GL e TMG21. Foram analisadas amostras ainda “frescas” (um ou dois dias após a coleta) ou amostras que foram corretamente herbarizadas antes do envio para o laboratório, evitando assim que a própria umidade da folha durante o envio pudesse favorecer a multiplicação de fungos oportunistas nas lesões associadas ao tecido doente. 

Na diagnose, primeiramente foram observados o padrão de lesões e estruturas fúngicas (sinais) presentes no tecido doente, posteriormente foi realizado o isolamento direto do patógeno a partir das estruturas observadas nos diferentes tipos de lesões. Complementarmente, foi realizada a identificação molecular dos isolados.

Foram obtidos 80 isolados de Corynespora cassiicola (Figura 3a), três isolados de Cercospora sp. e dois isolados de Colletotrichum sp. Os isolados de Cercospora sp. e Colletotrichum sp. foram obtidos de regiões foliares com necrose irregular acentuada, sugerindo a sua colonização como oportunistas em um tecido previamente morto por fatores bióticos ou abióticos (Figura 3b).

Para confirmar a associação entre os sintomas e patógeno isolado, foram cumpridas as quatro etapas do postulado de Koch, que consiste em: 1ª etapa: o possível microrganismo causador da doença deve estar presente em todos os casos da doença, mas ausente em indivíduos saudáveis; 2ª etapa: o microrganismo deve ser isolado da planta com sintomas, cultivado e identificado; 3ª etapa: o microrganismo isolado deve ser inoculado em plantas saudáveis e ser capaz de reproduzir os sintomas originais; 4ª etapa: o microrganismo isolado da planta inoculada deve ser idêntico ao microrganismo originalmente isolado em termos de características morfológicas/genéticas.

Para a inoculação, seis isolados de Corynespora cassiicola de diferentes regiões foram selecionados e inoculados em plantas de algodão da cultivar FM985 em dois estágios de desenvolvimento. Posteriormente à inoculação, as plantas permaneceram 72 horas em câmara de incubação (temperatura 25ºC; UR%: 85 e sem fotoperíodo) e em seguida foram transferidas para casa de vegetação. Aos 10 dias após a inoculação, todos os isolados inoculados foram capazes de reproduzir os sintomas observados nas amostras recebidas (Figura 4). A análise das estruturas fúngicas presentes nas lesões confirmou a presença de conídios e conidióforos típicos de C. cassiicola (estruturas reprodutivas do patógeno), demonstrando ser o agente causal associado com a sintomatologia atípica.

A sintomatologia atípica da mancha-alvo constada no campo pode estar relacionada a diferenças de resistência das cultivares, de forma similar ao observado em soja com o mesmo patógeno ou diferenças na idade fisiológica das folhas (Figura 4a). No campo, a maior severidade deste “novo” sintoma foi observada nas cultivares com maior suscetibilidade a mancha alvo, e houve constante associação entre a presença de lesões típicas da macha alvo no terço inferior e da nova sintomatologia nos terços superiores.

A maior ocorrência dessa sintomatologia observada na safra 22/23, pode ser devido à ocorrência de condições de ambiente que favoreceram uma evolução mais rápida doença, associada a falhas nos programas de controle, que normalmente priorizam a mancha de ramulária, numa condição de alta pressão de inóculo devido à continua sucessão soja-algodão. Um agravante adicional é a redução da sensibilidade do patógeno a diferentes ingredientes ativos registrados para o controle da doença (estrobilurinas, carboxamidas e benzimidazóis) em algodão. Nesse cenário, os triazóis, especificamente o protioconazol e os fungicidas multissítios, assumem um papel preponderante no manejo da doença.

Além do controle químico, é importante o manejo adequado do porte do algodoeiro com reguladores evitando criar um microclima muito favorável ao desenvolvimento da doença. Outra medida importante é a destruição da soqueira do algodão para reduzir a sobrevivência do patógeno e contínuo incremento do inóculo favorecido pela sucessão soja-algodão. A rotação de cultura também poderia contribuir para a redução de inóculo presente nas áreas de produção. Porém, existem limitantes econômicos e técnicos para sua adoção, como a grande gama de hospedeiros de C. cassiicola e sua capacidade de multiplicação em restos culturais.

As avaliações de patogenicidade dos demais fungos isolados estão em andamento. A resistência dos isolados obtidos aos diferentes fungicidas sítio-específicos utilizados na cultura do algodoeiro também está sendo avaliada para verificar se este surto pode também estar relacionado a variação na sensibilidade de C. cassiicola aos fungicidas triazóis atualmente empregados nos programas de controle.

Por Deivid Sacon, Valéria C. Holtman e César M. de Oliveira (UFV); Maurício Silva Stefanelo e Guilherme Almeida Ohl (Ceres Consultoria Agronômica); Sérgio H. Brommonschenkel (UFV)

Artigo publicado na edição 294 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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