El Niño e La Niña no crestamento de Cercospora em soja

Por Caroline Wesp Guterres; Lucas Navarini; Gilmar Seidel e outros

29.07.2025 | 15:57 (UTC -3)

As mudanças climáticas influenciam de forma significativa a ocorrência de doenças no campo. Dentre os fatores climáticos de maior relevância, estão os fenômenos El Niño e La Niña, que alteram os padrões de precipitação e temperatura no Brasil, impactando direta e indiretamente na dinâmica das doenças foliares. Na Região Sul, o El Niño está associado ao aumento das chuvas e da umidade relativa, enquanto o La Niña tende a trazer estiagens e menor umidade. Embora anos de El Niño favoreçam de forma geral a ocorrência de doenças em soja, em função do ambiente mais propício, algumas doenças tendem a se estabelecer, mesmo em condições menos favoráveis.

Estudos indicam que a severidade do crestamento foliar por Cercospora spp. está fortemente associada a condições de temperatura e umidade. Temperaturas entre 20°C e 30°C, associadas a umidade relativa superior a 90% e períodos de molhamento foliar entre oito e 24 horas, favorecem a germinação de conídios, a infecção e o desenvolvimento da doença. Por outro lado, mesmo em condições de clima mais seco, a predisposição da planta ao estresse pode compensar a menor favorabilidade ambiental ao patógeno, ampliando a expressão relativa do crestamento.

Curiosamente, mesmo em anos de La Niña, observa-se que o crestamento de Cercospora, causado pelo fungo Cercospora spp., que também resulta na ocorrência de mancha-púrpura nas sementes, pode ganhar importância na soja. Isso se deve, principalmente, à menor pressão de ferrugem-asiática, doença extremamente agressiva e rápida em sua evolução, a qual, em anos mais secos, tende a ter seu progresso limitado. Com isso, permanece maior quantidade de tecido foliar sadio disponível para patógenos necrotróficos, como é o caso de Cercospora spp. Desta forma, o crestamento de Cercospora pode se manifestar com maior intensidade mesmo em anos mais secos, em função da menor incidência da ferrugem.

O que favorece a doença

Diferentemente de patógenos biotróficos, fungos necrotróficos, como Cercospora spp., se favorecem de tecidos senescentes, lesionados ou sob estresse para colonização efetiva. A senescência foliar, muitas vezes acelerada em condições de estresse hídrico (comuns em anos de La Niña), cria um ambiente favorável à ativação do patógeno, mesmo na ausência de condições ideais de umidade.

O período latente de Cercospora spp. é relativamente longo, quando comparado a outros fungos foliares, como Phakopsora, podendo se estender por várias semanas. Isso significa que o fungo pode estar presente no tecido foliar muito antes da manifestação dos sintomas. Durante esse período, o patógeno permanece em estado latente.

A infecção é mediada por toxinas fotossensíveis (como a cercosporina), as quais, quando ativadas pela luz, geram espécies reativas de oxigênio (ROS) e provocam necrose tecidual. A debilidade da planta em déficit hídrico facilita e acelera a ação das toxinas.

Os sinais fisiológicos da planta - como acúmulo de etileno e degradação da clorofila -, que indicam a transição para a senescência, ficam exacerbados em ambientes de seca, radiação intensa e desbalanço nutricional, comuns durante os estágios reprodutivos da soja. Assim, mesmo com baixa precipitação, o tecido hospedeiro torna-se predisposto à infecção.

Essa lógica rompe com o entendimento tradicional de que o ambiente precisa ser sempre “favorável ao patógeno” para que a doença ocorra. Além disso, o ambiente precisa predispor a planta para a infecção. Em anos secos, mesmo que o inóculo e a umidade sejam limitantes, a alteração fisiológica do hospedeiro compensa essa limitação.

Clima e disseminação

Com base nesse comportamento epidemiológico, sugere-se que, em anos sob influência do fenômeno La Niña, haja maior importância do crestamento foliar, mesmo sob condições de menor precipitação. Isso estaria relacionado à menor severidade da ferrugem-asiática, permitindo a permanência do dossel foliar por mais tempo e favorecendo a instalação de patógenos necrotróficos.

Como descrito anteriormente, esse grupo possui latência prolongada e as consequências de um manejo ineficaz, que pode iniciar com escolhas erradas no tratamento de sementes ou aplicações foliares tardias, geralmente se manifestam no final do ciclo, quando não há mais tempo para ação efetiva.

A mesma infecção que começa nas folhas pode progredir para as vagens e sementes, ocasionando a mancha-púrpura do tegumento. Portanto, as sementes são importante fonte de introdução de inóculo na lavoura, embora não sejam a única possibilidade. As principais espécies incluem Cercospora kikuchii, C. cf. flagellaris, C. cf. sigesbeckiae e C. cf. nicotianae. Essas espécies foram confirmadas, por técnicas moleculares, como predominantes em amostras foliares, de vagens e de sementes, tanto no Brasil quanto em outros países produtores, como Estados Unidos, Japão e Argentina.

Análise sobre espécies

No Brasil, levantamentos recentes com isolamento e identificação molecular de amostras foliares sintomáticas em lavouras do Sul e Sudeste indicam que C. cf. flagellaris e C. cf. sigesbeckiae são as espécies mais frequentemente associadas à doença, superando em prevalência diagnóstica a clássica C. kikuchii. Essa crescente complexidade taxonômica pode ter implicações diretas no manejo químico, reforçando a importância do melhor entendimento de quais ingredientes ativos são mais efetivos para controle. Pouco se sabe se existem diferenças ou não de controle entre as diferentes espécies encontradas em associação à soja.

Manejo integrado

O manejo do crestamento deve ser integrado, incluindo medidas como a rotação de culturas, a qual reduz o inóculo inicial nos restos culturais. A presença de boa camada de palha reduz o impacto das gotas de chuva e a dispersão do inóculo durante o desenvolvimento da soja. O uso de cultivares menos sensíveis e de sementes sadias, além do tratamento de sementes com fungicidas, são medidas importantes.

A aplicação de fungicidas em parte aérea é essencial, mas deve ser bem planejada. Relatos indicam perda de sensibilidade de Cercospora spp. a fungicidas do grupo das estrobilurinas e dos benzimidazois. Além disso, o momento de entrada na lavoura e os ativos escolhidos são determinantes para o sucesso de controle.

A análise integrada das últimas quatro safras, referente aos resultados dos Ensaios Cooperativos para DFCs, organizados pela Embrapa, permite inferir sobre o desempenho dos fungicidas no controle do crestamento foliar. Neste sentido, fica clara a importância da integração de fungicidas multissítios com sítio-específicos para a melhora no controle da doença e a redução do risco de resistência.

Fungicidas como clorotalonil e mancozebe, especialmente quando combinados a misturas de triazóis e carboxamidas, apresentaram os melhores desempenhos em todas as safras. O uso isolado de multissítios não foi suficiente para garantir bom níveis de controle entre os diferentes anos. Misturas de diversos modos de ação têm-se mostrado mais eficazes no manejo de Cercospora, possivelmente também em função de seu papel frente à ocorrência de populações menos sensíveis aos fungicidas. Os programas de fungicidas, com rotação planejada de ativos, mantiveram controle superior a 70% em anos-chave, como 2022/2023 e 2023/2024.

Outro ponto a se considerar, é que houve variação de eficácia entre safras. Safras com influência de La Niña (como 2022/2023) apresentaram controle médio superior. Já os anos com maior umidade (El Niño) demonstraram controle ligeiramente inferior, provavelmente por predispor a outras doenças também, como a ferrugem.

A escolha criteriosa dos fungicidas, aliada ao monitoramento climático e às aplicações antecipadas, garante melhor desempenho agronômico. A interpretação dos dados ao longo das safras reforça que a eficácia não depende apenas do ativo isolado, mas de sua inserção em programas estruturados de controle.

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