Benefícios do projeto de irrigação em cana

Para ter viabilidade econômica, social e ambiental, um projeto de irrigação precisa de um plano técnico completo, com gerenciamento de irrigação e controle de custos

04.05.2020 | 20:59 (UTC -3)

O uso viável da irrigação de cana-de-açúcar passa de forma inexorável pelo desenvolvimento de projetos com forte embasamento técnico e implantação de um sistema de gerenciamento de irrigação que possibilite a decisão técnica da lâmina de irrigação, assim como o controle do custo de água e energia. Somente com estes preceitos, é possível implantar um projeto de cana irrigada, com viabilidade econômica, social e ambiental.

Em função das grandes dimensões dos projetos e dos valores a serem investidos, faz-se necessário a estruturação de planos diretores para planejar as etapas e prioridades de investimento. A elaboração do plano diretor organiza o processo de implantação de áreas irrigadas dentro de um conceito estruturado, onde cada etapa é realizada de forma que garanta a continuidade do processo, pela visão global e que permite confecção de fluxos de caixa bem ajustados a realidade e as necessidades da usina.

O mesmo inicia-se com estudo de balanço hídrico e de capacidade de irrigação. O estudo de balanço hídrico deve ser desenvolvido de forma específica para o solo e clima da região, avaliando os níveis de redução de evapotranspiração da cultura (déficit hídrico acumulado) que acontecerão para cada data de plantio, de acordo com a estratégia de irrigação definida.

Nesta primeira fase, estuda-se qual a demanda de irrigação anual da cultura para contexto específico e também a disponibilidade hídrica para suprir à demanda de área a ser atendida pelo projeto de irrigação. É importante frisar que esta fase é fundamental para se estimar a vazão a ser outorgada, a lâmina do projeto, o volume de água consumido anualmente e, indiretamente, a demanda de potência e consumo anual de energia. Por este motivo, esta etapa inicial consiste na definição da “espinha dorsal” do projeto e precisa ser elaborada com bastante acuidade por parte da equipe de projetistas.

Infelizmente, tem sido comum a elaboração de balanços hídricos superficiais, utilizando modelos inadequados e a importação de parâmetros de demanda de irrigação e lâmina de projeto de outras regiões. A consequência direta é a instalação de projetos inadequados, com limitações operacionais e de capacidade de aplicação de água, provocando incrementos de produtividade inferiores aos preconizados e gerando insatisfação por parte dos investidores. Nestes casos, é comum que a lâmina anual de irrigação aplicada não ultrapasse 50% do que fora projetado, bem como o aumento de produtividade almejado também esteja aquém do esperado.

Para desenvolver o estudo de disponibilidade hídrica devem ser consideradas as vazões dos corpos hídricos existentes, envolvendo os rios, os reservatórios existentes, bem como o potencial de construção de reservatórios e os aquíferos subterrâneos. Para estimar o potencial de reservação de água é necessário estudar as bacias de contribuição e também fazer projeções preliminares acerca das dimensões e custos para construção de eixos de barramentos em locais selecionados por estarem próximos das áreas irrigadas e apresentarem melhor rendimento de volume de reservação de água em relação às dimensões do barramento.

Após a estimativa da área irrigável, são definidas as etapas a serem priorizadas para instalação do projeto. Nesta fase, é elaborada a matriz de restrições de modo a utilizar parâmetros para ordenar a prioridade de investimentos. Neste estudo de restrições deverão ser consideradas a proximidade com o manancial, proximidade com a indústria, acesso, situação fundiária da área, disponibilidade de energia elétrica, custo de instalação do projeto, potencial produtivo do talhão (quando será renovado, variedade, estande, solo etc), licenciamento ambiental, averbação de reserva legal, outorga de uso de água e adequação da área para receber o projeto de irrigação (continuidade, eficiência de uso de área etc). 

Em síntese o plano diretor de irrigação considera estas etapas:
Em síntese o plano diretor de irrigação considera estas etapas:

Definidas as etapas de instalação, para cada etapa, devem ser elaborados diferentes cenários comparativos considerando diferentes métodos, tipos e tamanhos de equipamentos, opções de aduções, transporte de água, concepção de sistemas, captações, construções civis, custo de instalação e de operação. Durante a apresentação do projeto preliminar, as equipes técnicas da empresa de projetos e do investidor, em conjunto, estudam os cenários, selecionam e ajustam o mais adequado.

Após a definição do cenário mais adequado é necessário ir a campo conferir pontos de instalação do projeto (captação, adução, centro do equipamento, limite de movimentação etc) e identificar problemas relacionados às restrições de operação que poderiam existir. A próxima etapa de desenvolvimento do plano diretor é a elaboração do projeto definitivo. Nesta etapa são elaboradas as fichas técnicas dos bombeamentos, aduções e equipamentos, listas de materiais e projeção orçamentária final.

De posse do projeto executivo, o investidor terá como orçá-lo de forma comparativa junto a fornecedores e avaliar qual ou quais orçamentos apresentam qualidade e preço compatíveis que com o plano elaborado. Quando não se desenvolve um plano diretor anteriormente, cada fornecedor apresenta um projeto e orçamento específico, dificultando a análise comparativa entre diferentes opções.

Após a definição da contratação do fornecedor, o projeto é instalado dentro de prazos previamente acordados e deverá ser conferido para se saber se os parâmetros técnicos preconizados no projeto foram seguidos, se as características dos equipamentos, sistemas e obras foram adequadamente implantados. É importante que haja um acompanhamento durante as obras e instalações para evitar-se mudanças na fase final de implantação que atrasam todo processo produtivo.

Uma vez instalado o projeto é fundamental que se implante um sistema de gerenciamento de irrigação para que a decisão de irrigação esteja sendo realizada com base em parâmetros técnicos e seja registrada para a composição de um histórico por talhão. O sistema de gerenciamento de irrigação também deverá implementar um programa de aferições periódicas para garantir alta performance de operação dos equipamentos e monitorar o consumo de energia mensalmente.

A partir da elaboração do plano diretor, pensando o projeto em todas as fases do processo de instalação, e do uso de um sistema de gerenciamento de irrigação será possível investir em projetos de irrigação de cana-de-açúcar utilizando água e energia de forma racional, economicamente viável e com sustentabilidade ambiental.

Sistema de Gerenciamento de Irrigação para a cultura de cana de açúcar

O sistema IRRIGER de gerenciamento de irrigação, com base em vários testes de campo e áreas comerciais monitoradas em diversos estados brasileiros, tem recomendado como estratégia de irrigação de cana para o cerrado, a irrigação com déficit hídrico monitorado. Nesta estratégia, o projeto de irrigação é implantado a partir do estudo do requerimento de irrigação que propiciará redução de 25 a 35% da evapotranspiração potencial da cultura (ETpc). Ou seja, a cultura será conduzida, através de monitoramento do balanço hídrico diário, comparado com o balanço de água no solo, a se desenvolver com déficit hídrico controlado de modo a economizar água e energia, garantindo altos níveis de produtividade.

Para tanto, é necessário implantação de um programa de gerenciamento de irrigação, incluindo estudo físico-hídrico do solo, adequação de eficiência de operação dos equipamentos, monitoramento climático e configuração do uso de água da cultura. Toda informação é reunida e organizada em bancos de dados de um software, que realiza o balanço hídrico da cultura e, determina o déficit hídrico diário, dando referência técnica para a decisão da irrigação de cada talhão.

A seguir apresenta-se uma visão estruturada do sistema de gerenciamento da irrigação, utilizado em mais de 30 culturas distintas e entre elas, e com destaque, para a cultura da cana-de-açúcar.

Visão estruturada do sistema de gerenciamento da irrigação.
Visão estruturada do sistema de gerenciamento da irrigação.

Há muito que se conhecer a respeito do potencial de uso da tecnologia de irrigação para a cultura da cana-de-açúcar. O desenvolvimento de novos parâmetros técnicos que potencializem a resposta de irrigação, incluindo o desenvolvimento de novas variedades e fertirrigação, será de grande importância para consolidar projetos viáveis. O uso da irrigação na cultura da cana terá importância cada vez maior, sobretudo em áreas de maior déficit hídrico, promovendo aumento da produtividade e rentabilidade por área.

O caminho mais seguro para investir em grandes projetos de irrigação de cana-de-açúcar é desenvolver planos diretores de modo a definir prioridades e etapas de investimentos calcados em parâmetros técnicos, econômicos e operacionais.

Os ganhos indiretos propiciados pela adoção da irrigação adequada representam cerca de 70% dos ganhos de produtividade alcançados e precisam ser considerados na análise de investimento.

Após a instalação do projeto é fundamental implantar um sistema de gerenciamento de irrigação para que a decisão de irrigação seja realizada com base em critérios técnicos e dentro dos parâmetros do planejamento, promovendo altos níveis de produtividade com uso racional de água e energia, garantindo sustentabilidade econômica e ambiental às áreas de produção.

A cana de açúcar apresenta alta capacidade de resposta à irrigação. Perseguir estudos e projetos nessa direção, acompanhar as diversas evoluções em curso, é uma sábia e estratégica forma de gestão de empreendimentos sucroalcooleiros.


Hiran Medeiros Moreira, Diretor Irriger; Everardo Chartuni Mantovani, DEA-UFV


Artigo publicado na edição 155 da Cultivar Máquinas. 

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