Supressão necessária

Com a retirada dos principais inseticidas organofosforados no controle das moscas-das-frutas e a pressão pela ausência de resíduos nos frutos, combater a população de adultos é fundamental para reduzir a infesta&cc

20.05.2016 | 20:59 (UTC -3)

A mosca-das-frutas sul-americana Anastrepha fraterculus (Wied., 1830) (Diptera: Tephritidae) é a principal praga das frutíferas de clima temperado na Região Sul do Brasil. O manejo da espécie tem sido realizado principalmente com a pulverização de inseticidas para o controle de adultos e larvas localizadas no interior dos frutos. No entanto, os principais inseticidas utilizados nestas aplicações (fentiona, triclorfom e metidationa) foram retirados do mercado brasileiro ou estão em fase final de comercialização devido a restrições toxicológicas.

Uma das alternativas para reduzir a infestação da praga nos pomares é o emprego de iscas tóxicas, tecnologia que tem por princípio a associação de um atrativo alimentar com um inseticida (geralmente organofosforado ou espinosina) aplicado em faixas, principalmente na borda dos pomares, com o objetivo dereduzir a infestação da praga que normalmente se desloca para o interior das áreas de produção (Figura 1).

Figura 1 - Imagem aérea de pomar de macieira localizado no município de Antônio Prado, RS. A cor vermelha indica locais com maiores capturas de adultos da mosca-das-frutas sul-americana na safra 2012/2013. Fonte: Frighetto et al. (2013). Composição utilizando imagens do software Google Earth

Com base na informação de que as fêmeas das moscas-das-frutas necessitam ingerir carboidratos e proteínas para completar o desenvolvimento do aparelho reprodutivo e a maturação dos óvulos, busca-se, com a utilização de iscas tóxicas, reduzir a população dos adultos e consequentemente evitar o acasalamento (ao eliminar os machos) e a oviposição das fêmeas.

Um dos primeiros registros do uso de iscas tóxicas no manejo das moscas-das-frutas ocorreu no Havaí em 1952, onde foram realizadas aplicações de açúcar mascavo (atrativo alimentar) misturado com o inseticida parationa em goiabeiras, para o controle da mosca-do-mediterrâneo Ceratitis capitata (Wied., 1824) (Diptera: Tephritidae). No Brasil, o primeiro relato de aplicações de iscas tóxicas para supressão populacional de mosca-das-frutas ocorreu 1973 em pomares de citros em São Paulo, sendo que, no Sul do Brasil, o uso desta ferramenta tecnológica ocorreu em 1979 na cultura da macieira. Atualmente, o melaço líquido de cana-de-açúcar tem sido o atrativo mais utilizado pelos fruticultores (Figura 2).

Figura 2 - Atrativos alimentares utilizados na elaboração de iscas tóxicas para o controle da mosca-das-frutas sul-americana na cultura da macieira em Vacaria, RS (colunas em preto), e São Joaquim, SC (colunas em cinza). Fonte: Rosa et al (2013)

Estudos conduzidos em diferentes regiões do Brasil demonstram que as iscas tóxicas são eficazes para reduzir a pressão populacional da praga nas áreas de produção. No entanto, esta tecnologia não tem sido uma prática comum entre os fruticultores na Região Sul do Brasil. Dentre os principais motivos para o baixo uso da tecnologia destacam-se: 1) a necessidade de reaplicação semanal em função da baixa persistência das iscas tóxicas após a ocorrência de chuvas; 2) a necessidade de mão de obra e de modificações nos equipamentos convencionais de pulverização; 3) o risco de efeitos deletérios sobre inimigos naturais e polinizadores, principalmente quando é usado o melaço de cana com inseticidas organofosforados; 4) a oferta no mercado, até pouco tempo, de inseticidas organofosforados com ação de profundidade comprovadamente eficaz para o controle da praga. Outra restrição para a aplicação da técnica é o relato de alguns produtores, principalmente os que cultivam frutas em áreas pequenas (até dois hectares), de que as iscas podem atrair um maior número de adultos de moscas-das-frutas para o interior do pomar, o que ampliaria o risco de danos causados pela praga. No entanto, esta hipótese necessita ser confirmada.

O uso de atrativos à base de açúcares e proteínas hidrolisadas associados a um inseticida organofosforado misturados no momento da aplicação, praticamente não evoluiu desde a década de 1950. Em 2006, foi introduzida no mercado brasileiro a primeira formulação de isca tóxica de pronto uso (Success* 0,02 CB) contendo novos atrativos e o inseticida biológico espinosade. Esta formulação foi desenvolvida para o controle de adultos das moscas-das-frutas e apresenta maior seletividade aos inimigos naturais e polinizadores. Atualmente, o produto é empregado em praticamente todos os programas oficiais de controle de mosca-das-frutas, sendo inclusive autorizado na produção orgânica em diversos países.

Entretanto, no Brasil, de acordo com a Legislação de Agrotóxicos, Componentes e Afins, o registro de produtos formulados é realizado para a cultura-alvo e não para a espécie-praga. Assim, o emprego desta formulação de pronto uso está restrito aos cultivos de citros, mangueira, aceroleira e videira, além de programas oficiais, como é o caso da mosca-da-carambola Bactrocera carambolae (Drew & Hancock, 1994) (Diptera: Tephritidae). Este fato impede o uso da formulação nas frutíferas de clima temperado. Além disso, não há oferta de uma tecnologia de aplicação de fácil operação para emprego do produto em baixo volume (2L/ha a 4L/ha) além de se observar fitotoxicidade quando aplicado nas culturas de macieira e pessegueiro (Figura 3).

Figura 3 - Sintomas de fitotoxicidade provocados pela aplicação de isca tóxica Success* 0,02 CB sobre folhas de macieira (esquerda) e pessegueiro (direita). Fotos: Cesar Boff

Em 2012, um novo atrativo alimentar (Anamed) foi lançado no mercado para ser empregado em iscas tóxicas no controle da mosca-das-frutas sul-americana. O atrativo tem como base a tecnologia Splat (Specialized Pheromone & Lure Application Technology) e se caracteriza por conter atrativos e estimulantes de alimentação, além de compostos que prolongam a vida útil da formulação que devem ser associados a um inseticida em uma estratégia de “atrai-mata” (Figura 4). Da mesma forma que o Success* 0,02 CB, a formulação dever ser aplicada apenas nas bordas das áreas de produção, de maneira que não ocorra contato do produto com folhas ou frutos, pois a formulação também é fitotóxica (Figura 4).

Figura 4 - Anamed (canto inferior esquerdo) e fitotoxicidade em fruto de macieira após a aplicação da isca tóxica contendo o atrativo. Fotos: Jardel Talamini de Abreu

Uma das principais vantagens do atrativo Anamed em comparação com outras formulações disponíveis no mercado está relacionada à maior resistência à chuva e à menor degradação pela radiação solar. Isso proporciona maior eficiência no controle de adultos de moscas-das-frutas do que as formulações tradicionais, principalmente em locais com elevada frequência de chuvas, como as localizadas na Região Sul do Brasil (Figura 5).

Figura 5 - Mortalidade acumulada de adultos de mosca-das-frutas sul-americana Anastrepha fraterculus 72 horas após o fornecimento de iscas tóxicas submetidas à chuva nas intensidades de 20mm (colunas pretas) e 50mm (colunas cinzas) utilizando simulador de chuva artificial. Bento Gonçalves, RS. Fonte: adaptado de Borges (2011)

Outra vantagem deste atrativo está ligada à segurança da formulação. O produto ocasiona menor mortalidade de um importante inimigo natural da mosca-das-frutas [o parasitoide Diachasmimorpha longicaudata (Ashmead, 1905) (Hymenoptera: Braconidae)] e também tem ação repelente sobre adultos de Apismellifera L. (1758) (Hymenoptera: Apidae) (Figura 6), o que faz com que o polinizador seja afastado do ponto ou local da aplicação da isca. Todas essas vantagens tornam o atrativo uma importante alternativa para manejo de moscas-das-frutas.

Figura 6 - Número médio de visitas de Apis mellifera em estações artificiais de forrageamento contendo o atrativo alimentar com e sem o inseticida malationa [Malathion 1000 CE (0,15%)] ao longo de nove tomadas diárias de imagens. São Joaquim, SC, 2014. ns não significativo entre tratamentos em cada avaliação. Fonte: Rosa et al (2014).

Experimentos conduzidos em pomares comerciais com o objetivo de validar a isca tóxica Anamed + inseticida organofosforado aplicada nas bordas do pomar (1,5kg/ha) proporcionaram eficácia superior ao melaço de cana, atrativo atualmente empregado pelos malicultores.

Tabela 1 - Principais características de iscas tóxicas disponíveis no mercado brasileiro

Isca tóxica(formulação)

Atrativo

Inseticida

Seletividade¹

Resistência à ação da chuva²

Fitotoxicidade³

Pronto uso

Success* 0,02 CB

Espinosade

Média

Baixa

Sim

Preparada na propriedade

Melaço de cana-de-açúcar

Organofosforado

Baixa

Baixa

Não

Proteína hidrolisada (Biofruit)

Organofosforado

Baixa

Baixa

Não

Anamed

Organofosforado

Alta

Alta

Sim

Isca tóxica(formulação)

Atrativo

Inseticida

Seletividade¹

Resistência à ação da chuva²

Fitotoxicidade³

Pronto uso

Success* 0,02 CB

Espinosade

Média

Baixa

Sim

Preparada na propriedade

Melaço de cana-de-açúcar

Organofosforado

Baixa

Baixa

Não

Proteína hidrolisada (Biofruit)

Organofosforado

Baixa

Baixa

Não

Anamed

Organofosforado

Alta

Alta

Sim

¹Seletividade ao parasitoide Diachasmimorpha longicaudata e Apis melifera.

² Resistência à lavagem pela chuva acima de 5mm.

³Sintomas de fitotoxicidade em folhas e frutos nas frutíferas de clima temperado e videira.

Ao longo da safra, o monitoramento populacional de adultos de moscas-das-frutas indicou a ocorrência de picos populacionais mais elevados nas áreas com manejo convencional (isca tóxica preparada com melaço de cana + inseticida) em comparação com aquelas manejadas com Anamed + inseticida (Figura 7).

Figura 7 - Flutuação populacional de adultos de moscas-das-frutas sul-americana em pomares de macieira durante a safra 2012/2013, manejados com aplicação de melaço de cana + inseticida organofosforado (linha pontilhada) e Anamed + inseticida organofosforado (linha contínua). Vacaria, RS. Fonte: Machota Jr et al - dados não publicados (dnp)

Na colheita foi registrada uma redução na porcentagem de frutos com presença de larvas da mosca-das-frutas sul-americana em áreas manejadas com Anamed em comparação com outras manejadas com melaço de cana (Figura 8).

Figura 8 - Porcentagem de frutos com presença de larvas de moscas-das-frutas sul-americana Anastrepha fraterculus durante a safra 2012/2013. As datas referem-se à colheita em pomares de macieira das cultivares Gala, Fuji e Pink Lady, respectivamente, manejados com a aplicação de melaço de cana + inseticida organofosforado (colunas brancas) e Anamed + inseticida organofosforado (colunas pretas). Vacaria, RS. Fonte: Machota Jr et al - dnp

Na cultura do pessegueiro, com o uso da cultivar Eragil, foi registrada uma redução significativa nas capturas de adultos de moscas-das-frutas sul-americananas em áreas onde empregou-se a isca tóxica Anamed associada às aplicações em cobertura quando comparado ao manejo convencional somente com pulverizações de inseticida organofosforado em cobertura (Figura 9).Tal efeito estaria associado à redução na população de adultos que incursionam no pomar proporcionada pela aplicação da isca tóxica, reduzindo o crescimento populacional próximo a maturação/colheita dos frutos.

Figura 9 - Flutuação populacional de adultos de Anastrepha fraterculus em dois pomares de pessegueiro da cultivar Eragil no município de Farroupilha, RS, durante a safra 2013/2014. Manejo com aplicação sequencial (intervalo de 15 dias) de inseticida organofosforado em área total (linha pontilhada) comparado ao manejo com aplicação de Anamed + inseticida organofosforado em cobertura (linha contínua). Farroupilha, RS. Fonte: Machota Jr et al - dnp

Neste experimento, a média de frutos de pessegueiro da cultivar Eragil com larvas de A. fraterculus na área convencional e com a aplicação de isca tóxica Anamed foi de 77,8% e 6,6%, respectivamente. Estes resultados demonstram que uso de iscas tóxicas reduz os danos de moscas-das-frutas na colheita quando comparada somente às pulverizações com inseticidas em área total e que existem diferentes opções de atrativos que podem substituir o melaço de cana-de-açúcar no manejo da praga.

Tecnologia de Aplicação

A tecnologia de aplicação de iscas tóxicas ainda é o principal desafio que dificulta a adoção e ampliação desta estratégia de manejo da mosca das frutas pelos fruticultores. No caso do Anamed, a aplicação tem sido realizada com um soprador de folhas a gasolina Sthil modelo BR420 acoplado sobre a parte traseira do assento de uma motocicleta e adaptado para aplicação da isca tóxica (Figura 10). Visualização de vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=lGgCzWoIPUA.

Figura 10 - Modelo experimental de aplicador de isca tóxica composto por um soprador de folhas a gasolina Sthil modelo BR420 acoplado sobre a parte traseira do assento de uma motocicleta. Foto: Rafael Borges

Outro modelo de aplicador é o soprador de folhas a gasolina Sthil modelo BG86 C-E (Figura 11). A vantagem deste modelo é seu peso reduzido (4,5kg) em comparação ao modelo anterior (9,1kg) facilitando o transporte manual do equipamento, podendo ainda ser utilizado sobre o trator ou outro meio de transporte (Figura 12).

Figura 11 - Aplicador de isca tóxica Anamed com destaque para o funil de depósito da isca tóxica (1) e a válvula de controle de vazão (2). Foto: Ruben Machota Junior

Figura 12 - Aplicação da isca tóxica Anamed em borda de pomar de pessegueiro. Foto: Marcelo Zanelato Nunes

Com a retirada dos principais inseticidas organofosforados eficazes no controle das moscas-das-frutas do mercado e a pressão cada vez maior pela ausência de resíduos nos frutos, técnicas de supressão populacional de adultos de moscas-das-frutas, principalmente o uso de iscas tóxicas, são fundamentais para reduzir a infestação nos pomares. Para que o uso de iscas tóxicas seja ampliado, existem diferentes formulações disponíveisno mercado (Tabela 1) permitindo aos agricultores empregar esta ferramenta tecnológica nos pomares seguindo uma estratégia de manejo integrado.

Este artigo foi publicado na edição 87 da revista Cultivar Hortaliças e Frutas. Clique aqui para ler a edição.

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