Qualidade da semeadura da soja

O processo de semeadura está sujeito à interferência de diversos fatores, desde a escolha correta da semente até os mecanismos responsáveis por sua dosagem e deposição

19.06.2023 | 16:29 (UTC -3)

O processo de semeadura está sujeito à interferência de diversos fatores, desde a escolha correta da semente até os mecanismos responsáveis por sua dosagem e deposição, que afetam a qualidade da distribuição das mesmas no solo e exigem atenção por parte dos produtores.

Um dos principais desafios enfrentados atualmente no processo de semeadura consiste em obter um estande adequado de plantas, para que as mesmas consigam expressar todo o seu potencial genético, com o mínimo de competição intra e interespecífica, possibilitando o alcance de altas produtividades. No entanto, muitos fatores atuam na obtenção deste, como o solo, o clima, o relevo, a cultivar que será utilizada, a velocidade de semeadura e os componentes de uma semeadora-adubadora. Por isso, é muito importante que informações sobre fatores com potencial para influenciar a qualidade final do processo de semeadura sejam levantadas e analisadas, para que os erros de semeadura sejam minimizados e o processo otimizado, visto que esta operação é realizada apenas uma vez durante o ciclo de uma cultura e, na maioria das vezes, em uma janela curta de tempo.

A operação de semeadura, no entanto, deve levar em consideração as particularidades de cada propriedade, pois o tipo e a textura do solo, a precipitação e a luminosidade da região poderão influenciar na determinação da janela de semeadura da cultivar utilizada, bem como na densidade de sementes por hectare. Segundo recomendações da Embrapa (2013), variações de 200 mil a 500 mil plantas de soja por hectare poderão ter produtividades muito semelhantes. No entanto, em menores densidades de semeadura haverá maior suscetibilidade ao surgimento de plantas daninhas, pois o ambiente torna-se mais favorável ao surgimento e desenvolvimento destas, devido ao menor sombreamento nas linhas e entre linhas da cultura, afetando negativamente o ciclo produtivo da soja. Já em densidades de semeadura mais elevadas, há maior custo para a obtenção de sementes além da competição intraespecífica ser elevada, em função do espaçamento entre plantas ser menor.

Cuidados na hora de plantar

A escolha das sementes também deve ser realizada com muito cuidado, buscando sempre maior poder germinativo e vigor possíveis, a fim de minimizar as falhas provenientes da não germinação de plântulas e, em função disso, o produtor estará aumentando as chances de obter um estande de plantas mais uniforme. Junto a isso, também deve-se saber que cada cultivar pode possuir diferenças significativas no que diz respeito ao porte, ao hábito de crescimento, à resistência a agroquímicos e à expectativa de produtividade.

Além disso, tornou-se comum realizar a semeadura utilizando sementes com tratamentos fitossanitários, inoculação e coinoculação, pois a utilização desses visa à proteção no estádio inicial de plântulas e no período vegetativo, inclusive favorecendo a fixação biológica de nitrogênio, apresentando reflexos positivos sobre a produtividade. Em função da utilização desses produtos, as sementes de soja acabam sofrendo alterações na sua estrutura física e rugosidade, podendo afetar a distribuição das mesmas no processo de semeadura em função do atrito com os mecanismos de dosagem das semeadoras. Desta forma, uma das alternativas para minimizar os erros de deposição é a utilização do lubrificante sólido grafite na quantidade de quatro gramas por quilograma (g/kg) de semente de soja (Mantovani, 1999), visando melhorar a escoabilidade das sementes e minimizar o efeito destes produtos no desempenho dos mecanismos dosadores de semente.

Outra alternativa para amenizar os efeitos negativos provenientes do uso de produtos fitossanitários no processo de semeadura é a utilização de polímeros de recobrimento, que visam não só proteger a semente e o produto que nela foi aplicado, mas também proporcionar maior uniformidade na distribuição longitudinal. Segundo Alonço (2018) e Pires (2017), tanto em dosadores de disco alveolar horizontal como em dosadores-apanhadores com auxílio pneumático, a utilização de polímeros no processo de semeadura não apresentou diferença significativa quando comparado à semeadura utilizando a adição do lubrificante sólido grafite, o que indica que a utilização dos polímeros de recobrimento pode tornar-se uma boa opção aos produtores. No entanto, é importante salientar a necessidade de verificar as opções que mais se adaptam às necessidades da propriedade, para que sejam realizados os procedimentos mais rentáveis e corretos.

Análise de fatores antes da semeadura

Existem basicamente dois equipamentos para realizar a semeadura individualizada da soja, através da utilização de dosadores de disco alveolar horizontal ou com dosadores-apanhadores com auxílio pneumático. No primeiro, deve-se atentar para o tamanho e a uniformidade do lote de sementes em função do tamanho do alvéolo do disco dosador - elas deverão ser aproximadamente 10% menores que o alvéolo do disco -, desse modo, a deposição das sementes duplas poderá ser reduzida e o preenchimento dos alvéolos com as sementes será facilitado. Junto a isso também se deve procurar utilizar um disco dosador com alvéolos suficientes para atender a densidade de semeadura planejada. É possível encontrar no mercado nacional discos que variam de 45 a 110 alvéolos. Ao utilizar discos com um maior número de alvéolos, a velocidade periférica do mesmo será menor, proporcionando maior tempo de exposição da semente ao orifício captador, reduzindo, dessa forma, falhas de preenchimentos e, consequentemente, espaçamentos falhos. 

Já na semeadora com auxílio pneumático, devemos atentar para a pressão de sucção que será utilizada (vácuo). Baixas pressões poderão ser insuficientes para fazer com que o mecanismo dosador consiga captar, fixar e transportar as sementes até o ponto de liberação. Segundo Becker (2016), em densidades menores, o dosador com auxílio pneumático tende a ter melhor desempenho que o dosador de disco horizontal, já em densidades mais elevadas, o mesmo equivale-se. Além disso, Reis e Alonço (2001) concluíram que em velocidades até 7,5km/h, o desempenho de um dosador com auxílio pneumático tende a ser melhor e, acima de 7,5km/h, tende a se igualar. No entanto, em ambos os casos, a utilização de baixas densidades associadas a baixas velocidades de deslocamento proporcionou os maiores percentuais de espaçamentos aceitáveis. 

O fato de ocorrerem maiores falhas de semeadura em altas velocidades se dá em função de que a velocidade dos discos dosadores também será elevada, dessa forma, acarretará em falhas no preenchimento dos alvéolos, independentemente do tipo de dosador utilizado. Junto a isso, quanto maior for a velocidade utilizada, os danos mecânicos causados nas sementes poderão ser maiores, em função da necessidade de utilizar altas velocidades periféricas nos discos dosadores, podendo comprometer o vigor e o poder germinativo das sementes. Deste modo, as recomendações da Embrapa (2013) indicam a utilização de velocidades de semeadura entre 4km/h e 6km/h.

As falhas de semeadura também poderão ser maiores quando o terreno for declivoso. Segundo Alonço (2014), utilizando dosadores-apanhadores com auxílio pneumático para a semeadura de sementes de soja, tanto em inclinações transversais positivas como negativas, houve redução significativa na porcentagem de espaçamentos aceitáveis em relação à semeadura realizada sem inclinação transversal, ou seja, no plano. Assim sendo, é de suma importância analisar o terreno no qual será realizada a semeadura e, se necessário, realizar operações como construções de curvas de nível para reduzir os impactos da inclinação.

Outro fator muito importante é a escolha correta do tubo condutor. Como os dosadores localizam-se a uma certa altura do solo, os tubos condutores são os responsáveis em realizar a condução e descarga das sementes, desde o dosador até o sulco de semeadura. No entanto, é imprescindível que a semente tenha a sua trajetória alterada o mínimo possível, de maneira que não ocorra o “repique” da semente dentro do tubo condutor, isso poderá ser causado pela presença de alterações na superfície interna do mesmo ou pelo diâmetro interno. Quando ele for de pequeno diâmetro poderá ocasionar  maior contato das sementes com o tubo e, de acordo com a variação da extremidade de saída das sementes, isso poderá afetar a distribuição longitudinal no solo, proporcionando espaçamentos múltiplos e falhos. Estudos de Carpes (2015), concluíram que tubos condutores com formato parabólico, voltado para a parte de trás da semeadora, garantem os melhores desempenhos na semeadura da soja.

Abertura de sulcos

Outro aspecto importante a ser observado são os mecanismos de corte de resíduos culturais e abertura de sulco. Segundo Becker (2017), cada tipo de disco de corte poderá apresentar diferentes desempenhos em função das condições em que for submetido, influenciando no consumo de combustível, na força de tração e na mobilização do solo. Atualmente existem discos de corte lisos, ondulados, corrugados, estriados e recortados.

Para a abertura do sulco no qual será depositada a semente, é necessária a análise de qual componente é o mais adequado - haste sulcadora ou disco duplo. No entanto, assim como na escolha dos demais mecanismos com relação máquina-solo, devemos observar as características e o tipo de solo, pois o desempenho das hastes sulcadoras e dos discos duplos poderá sofrer influência destes fatores. Segundo Silveira (1989), as hastes sulcadoras são comumente mais utilizadas em solos onde havia anteriormente preparo convencional e sem resíduos culturais. Além disso, também costumam ser utilizadas em locais onde há pisoteio animal. Desta maneira, as hastes sulcadoras também exercem a função de escarificação, descompactando a camada superficial do solo. Já os discos duplos, normalmente são mais utilizados em terrenos mais pesados e que tenham a presença de resíduos culturais. 

Também é necessária uma atenção especial na regulagem das rodas limitadoras de profundidade, estas exercem um papel importante no processo de semeadura. Usualmente é recomendado pela Embrapa (2013) que a semeadura ocorra em profundidades de 3cm a 5cm, variando conforme o tipo de solo. Desta forma, tornando possível que a semente de soja adquira 50% do seu peso em água, quantidade considerada necessária para germinar e ainda possuir vigor suficiente para emergir. Junto a isso, deve-se regular também a roda compactadora para que consiga fechar e compactar lateralmente o sulco de semeadura, ocasionando o correto contato da semente com o solo, pois se a mesma compactar o solo em excesso na superfície, a emergência das plântulas será dificultada, podendo causar desuniformidade no estande de plantas ou até mesmo impossibilitando a emergência das plântulas.

Fator operador

Há uma exigência cada vez maior de que os operadores possuam amplo conhecimento acerca dos equipamentos e dos fatores que poderão influenciar na operação que estiverem executando, pois serão os responsáveis em averiguar se os materiais estão adequados e, caso não estejam, devem saber identificar e corrigi-los, de modo a extrair todo o potencial de uso dos equipamentos.

Com a crescente modernização de máquinas, implementos e tecnologias voltadas para o setor agrícola, estão sendo exigidos profissionais cada vez mais qualificados, que possuam experiência na operação, sejam eficientes e que também possuam conhecimento suficiente para a utilização de todas as tecnologias dos equipamentos e computadores de bordo, aplicando-os a cada operação a ser realizada, levando em consideração as necessidades e particularidades da propriedade; afinal, erros na operação de semeadura influenciarão negativamente na produtividade e poderão tornar o ambiente mais suscetível ao surgimento de plantas daninhas e doenças.

Fator trator

Muitas vezes adquirido apenas em função de potência e robustez, o trator, responsável por tracionar a semeadora, desempenha fundamental importância na realização do processo de semeadura. O dimensionamento do número de linhas que serão semeadas deve ser obtido através da capacidade de tração do trator que será utilizado. No entanto, não é aconselhável utilizar tratores com potência em excesso, pois a eficiência operacional, nesse caso, será baixa, visto que além do aumento no consumo de combustível, o patinamento e o desgaste das peças serão maiores, reduzindo a vida útil do mesmo além de prejudicar a distribuição longitudinal de sementes no processo de semeadura.

Junto a isso, deve-se buscar sempre tratores equipados com sistemas de transmissão que possuam adequado escalonamento entre marchas, de forma que a troca de marchas seja sempre suave, sem apresentar trancos e, assim, contribuir para a qualidade de semeadura. Atualmente os tratores agrícolas são equipados por transmissões mecânicas deslizantes, parcialmente sincronizadas, totalmente sincronizadas e hidromecânicas, de modo que as últimas são as que apresentam melhor qualidade no escalonamento de marchas.

Além disso, a capacidade de levante e a vazão da bomba do sistema hidráulico também devem ser analisadas, visto que estes serão responsáveis por realizar o levante dos implementos em determinadas velocidades. Assim sendo, quanto maior for a capacidade de levante do sistema hidráulico e a vazão da bomba, mais pesado poderá ser o implemento que o trator tracionará, desde que possua potência disponível para tal e, junto a isso, o processo de erguer e baixar o implemento durante as manobras de cabeceira será facilitado, pois a velocidade com que este processo acontecerá será maior, aumentando a eficiência operacional.

Considerações finais

O processo de semeadura está sujeito à interferência de diversos fatores, que vão desde a escolha correta da semente que será utilizada até os mecanismos responsáveis pela dosagem e deposição das mesmas, sendo que todos esses fatores podem sofrer influências em função do local o qual estarão submetidos. Dessa forma, é de suma importância que o produtor saiba identificar as particularidades e características de sua propriedade e, a partir disso, realizar a escolha dos equipamentos e das tecnologias mais adequadas para lhe proporcionar as melhores condições na implantação da cultura no campo.

Como avaliar a qualidade da distribuição de plantas

A maneira mais usual e fácil para analisar a uniformidade de distribuição de sementes é através da análise do espaçamento entre plantas que emergiram. Aqueles considerados “aceitáveis”, são os que estarão distantes de 0,5 a 1,5 vez o Xref(“X de referência”) de outra planta. Já os espaçamentos considerados múltiplos são aqueles em que as plantas estão espaçadas a uma distância menor que 0,5 vez o Xref e os espaçamentos falhos, quando forem superiores a 1,5 vez o Xref. Sendo o Xref a distância teoricamente ideal em que uma planta deveria estar da outra, ou seja, se desejarmos obter 13 plantas de soja por metro linear, o Xref será 7,69 centímetros (cm).:

Equação
Equação

Nesse exemplo, os espaçamentos considerados aceitáveis serão aqueles em que as plantas estarão de 3,8cm a 11,5cm distantes umas das outras, os múltiplos serão aqueles em que as plantas estarão a 3,8cm ou menos umas das outras e os falhos aqueles em que o espaçamento entre plantas for superior a 11,5cm, conforme pode ser observado na Figura 1.

Figura 1 - Exemplo de classificação da distribuição longitudinal de sementes de soja. (Fonte: Arquivo pessoal, adaptado de Becker, 2016)
Figura 1 - Exemplo de classificação da distribuição longitudinal de sementes de soja. (Fonte: Arquivo pessoal, adaptado de Becker, 2016)

Pablo do Amaral Alonço, Airton dos Santos Alonço, Dauto Pivetta Carpes, Antonio Robson Moreira, Laserg/UFSM

Artigo publicado na edição 186 da Cultivar Máquinas, mês julho, ano 2018.

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