Nas plântulas e hastes: pragas na soja

A expansão das fronteiras agrícolas da soja no Brasil acabou por impactar também a dinâmica de pragas

11.09.2019 | 20:59 (UTC -3)

 A expansão das fronteiras agrícolas da soja no Brasil acabou por impactar também a dinâmica de pragas. É o caso de isetos que atacam plântulas, hastes e pecíolos, cujo número crescente tem sido verificado nas últimas safras. Tamanduá-da-soja, lagarta-elasmo, lagarta-do-cartucho, lesmas e caracóis e piolho-de-cobra estão entre os desafios que exigem atenção e manejo adequado por parte dos produtores

Com a expansão da cultura da soja para novas regiões agrícolas, tem-se observado um número crescente de pragas que atacam plântulas, hastes e pecíolos das plantas de soja. Segundo Hoffmann-Campo et al (2012), o surgimento destes novos organismos-pragas nos agroecossistemas de soja foi decorrente da sua adaptação a esta cultura, na ausência dos hospedeiros nativos ou como consequência de uma ação seletiva dos produtos químicos de amplo espectro utilizados para controle de desfolhadores e sugadores na cultura. As plântulas e hastes da soja podem ser atacadas por diferentes grupos de pragas na fase inicial de desenvolvimento da cultura, sendo esses organismos maléficos constituídos basicamente por insetos, moluscos e diplópodes.

Tamanduá-da-soja

O bicudo ou tamanduá-da-soja, Sternechus subsignatus Boheman, como é popularmente denominado, é uma espécie em que tanto os adultos quanto as larvas podem causar danos à soja. Os adultos, para se alimentar, raspam e desfiam os tecidos da haste principal e, eventualmente, os ramos laterais e pecíolos das folhas, enquanto as larvas são endofíticas, ou seja, alimentam-se no interior da haste principal, mais precisamente na medula. Quando o ataque ocorre no início de desenvolvimento das plantas, a gema apical pode ser atingida e o dano é irreversível, resultando no desfiamento total da haste principal, causando redução da população de plantas. Quando o ataque ocorre mais tarde e a postura e o desenvolvimento da larva se dão na haste, ocorre a formação de uma galha de tecido muito frágil que pode se quebrar pela ação do vento ou de chuvas fortes, causando a morte da planta e, consequentemente, redução do estande. O inseto se desenvolve em um número reduzido de hospedeiros, sendo sua alimentação restrita a apenas algumas espécies de leguminosas.

Lagarta-elasmo

A lagarta-elasmo, Elasmopalpus lignosellus Zeller, é outra praga que pode danificar plantas jovens de soja, especialmente quando o inseto já estiver presente na cultura ou na cobertura a ser dessecada (exemplo: trigo, aveia) antes da semeadura da soja. O inseto é considerado polífago, ou seja, alimenta-se de diversas espécies de plantas cultivadas, silvestres e daninhas, em especial de gramíneas e leguminosas. O adulto faz a postura nas plantas de soja, no solo ou em restos culturais presentes na área. Após a eclosão, as larvas alimentam-se inicialmente de matéria orgânica ou raspam o tecido vegetal para, em seguida, penetrarem no colo da planta, um pouco abaixo do nível do solo, onde constroem uma galeria ascendente. Próximo ao orifício de entrada na planta, as larvas tecem um casulo formado de excrementos, restos vegetais e partículas de terra, sintomas que caracterizam a presença da praga na área. Uma mesma lagarta pode atacar até três plantas de soja durante a sua fase larval, sendo do período da emergência até aos 30-40 dias de desenvolvimento das plantas (até o estádio V2-V3), a fase da cultura mais suscetível ao ataque da praga.

Como consequência do dano de elasmo, as plantas de soja inicialmente murcham e posteriormente secam, em razão da obstrução do transporte de água e de nutrientes do solo para a parte aérea da planta. Quando a planta de soja está mais desenvolvida e com o caule mais lignificado, a lagarta alimenta-se apenas da parte externa, deixando cicatrizes externas visíveis da injúria do inseto; nesta região, pode ocorrer a formação de um calo com tecido frágil, que pode se quebrar facilmente pela ação do vento. A intensidade de danos de elasmo na soja é maior e mais frequente em condições de alta temperatura e déficit hídrico no solo, especialmente em solos arenosos ou mistos conduzidos em plantio convencional, especialmente nas áreas de primeiro cultivo, como eventualmente ocorre na região do Cerrado.

Lagarta-do-cartucho

Os danos nas plântulas de soja, causados pela lagarta-do-cartucho, Spodoptera frugiperda, ocorrem quando esta praga já está previamente presente na cultura utilizada como cobertura e que será dessecada para o plantio da soja, adaptada ao sistema de produção com plantio direto. De modo geral, as gramíneas utilizadas como cobertura para produção de palha no sistema plantio direto (exemplo: milheto, aveia, trigo, braquiária etc) podem proporcionar o desenvolvimento de altas populações de S. frugiperda, especialmente nos períodos mais secos do ano. Caso o plantio da soja seja realizado imediatamente após a dessecação dessa cobertura, as lagartas de S. frugiperda presentes na área, se não forem controladas, podem cortar as plântulas de soja rente ao solo ou alimentar-se de sua folhagem, causando a sua morte e, consequentemente, redução do estande da cultura. Embora S. frugiperda tenha sido a principal praga encontrada nestas condições, outras espécies como S. eridania, S. cosmioides e até mesmo a lagarta-rosca, Agrotis ipsilon, podem, eventualmente, ocorrer. Durante o dia estas lagartas ficam normalmente abrigadas sob a palhada ou torrões, saindo para se alimentar nas plântulas de soja em dias nublados ou durante a noite.

Lesmas e caracóis

As lesmas e os caracóis são moluscos da classe Gastropoda, que ocorrem, com maior frequência, em ambientes úmidos e frescos. As lesmas apresentam o corpo nu, mas os caracóis carregam sobre o seu dorso uma capa ou concha de carbonato de cálcio, que lhe confere abrigo e proteção. Esses organismos são muito sensíveis à desidratação e nos períodos secos ficam inativos enterrados no solo ou sob a palhada de lavouras implantadas em semeadura direta. Essas pragas apresentam maior abundância em solos com elevada quantidade de palha ou de matéria orgânica e têm forte associação com plantas do grupo das leguminosas e crucíferas (exemplo: feijão, soja, ervilhaca, nabo-forrageiro, serralha etc). Tanto as lesmas quanto os caracóis raspam o tecido do caule, dos cotilédones ou até mesmo das folhas de plântulas de soja, sendo as injúrias semelhantes àquelas causadas por insetos, podendo destruir a sua porção apical e causar a sua morte, reduzindo, assim, o estande da cultura. Em Mato Grosso do Sul, as espécies de caracóis e lesmas encontradas na cultura da soja foram identificadas, respectivamente, como Drymaeus interpunctus (Molusca: Bulimulidae) e Sarasinula linguaeformis (Molusca: Veronicellidae).

 

Piolhos-de-cobra

Os piolhos-de-cobra são organismos pertencentes à classe Diplopoda e se caracterizam por apresentarem o corpo cilíndrico e dividido em vários segmentos (de 20 a 100 segmentos). Apresentam dois pares de pernas em cada segmento do corpo, característica que difere dos artrópodos da Ordem Quilopoda, conhecidos como lacraia e centopeias, que apresenta apenas um par de pernas em cada segmento do corpo.

Os piolhos-de-cobra ocorrem normalmente em áreas com abundância de palha, matéria orgânica morta e de tecido vegetal vivo, como prevalece nas áreas em que se faz o plantio direto. Essas pragas concentram-se na linha do sulco de semeadura da soja, onde o solo é mais solto devido à ação do sulcador e do picador de palha, podendo periodicamente penetrar nas camadas superficiais do solo. Quando perturbados, se protegem retraindo-se e enrolando o corpo formando uma espiral plana; apresentam maior atividade no período noturno e abrigam-se debaixo da palhada nas horas mais quentes do dia, sendo seus danos mais severos quando o ataque ocorre na fase inicial do desenvolvimento da cultura. Os piolhos-de-cobra alimentam-se de matéria orgânica morta e de tecido vegetal vivo jovem, danificando sementes de soja em fase de germinação ou em emergência no solo, bem como plântulas recém-emergidas, ingerindo partes dos cotilédones ou as folhas novas, podendo matar as plantas e causar acentuada redução do estande nas lavouras. As espécies de piolhos-de-cobra mais conhecidas pertencem à família Julidae, sendo Plusioporus e Julus os gêneros mais abundantes nos cultivos de soja da região Centro-Sul do Brasil.

Outras pragas que atacam plântulas e hastes

Eventualmente, outros insetos-praga podem atacar as plântulas e as hastes da soja, dependendo da região de cultivo, como é o caso do cascudinho-da-soja, Myochorus armatus, e do torrãozinho, Aracanthus mourei. O torrãozinho tem sido observado com frequência em lavouras de soja do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. O adulto apresenta a mesma coloração do solo em que vive, pelo fato das partículas de terra aderirem ao seu corpo, quando se abriga sob torrões e folhas secas, o que explica a origem do seu nome popular. Quando presente na planta de soja, ao ser tocado ou perturbado, o inseto deixa-se cair no solo, permanecendo imóvel como que “fingindo-se” de morto. No passado, o torrãozinho era considerado uma praga secundária da soja, porém, nos últimos anos, o seu nível populacional tem aumentado notadamente em lavouras de soja do Paraná, gerando preocupação de técnicos e agricultores. A injúria do torrãozinho na soja é caracterizada por pequenos cortes nas bordas das folhas e dos cotilédones, conferindo-lhe um aspecto serrilhado.

Manejo de pragas que atacam plântulas e hastes

Para o manejo do tamanduá-da-soja, antes de planejar o cultivo da próxima safra, devem ser realizadas amostragens nos talhões em que, na safra anterior, foram observados ataques da praga. Essa amostragem deve ser feita preferencialmente na entressafra, entre os meses de maio e setembro, abrindo-se trincheiras no solo sobre as fileiras de soja da safra anterior. No exame da amostra de solo deverá ser contado o número de larvas hibernantes. Caso forem encontradas de duas larvas/m2 a seis larvas/m2 de solo do tamanduá, a soja deve ser substituída na área por uma cultura não hospedeira como milho, algodão, sorgo, girassol, milheto, Crotalaria juncea ou mucuna preta, onde o inseto não se desenvolve, o que, consequentemente, interromperá o seu ciclo biológico. Para aumentar a eficiência de controle da praga, esse talhão de plantas não hospedeiras do inseto deverá ser circundado por uma faixa de plantas hospedeiras preferenciais, como soja, feijão, lab-lab e guandu-anão, que atuarão como cultura armadilha, atraindo os adultos do tamanduá quando emergirem do solo na área adjacente. Nesta ocasião, os adultos devem ser controlados periodicamente com inseticidas químicos, para evitar a sua disseminação para as outras áreas de cultivo. Como medida complementar, a cultura armadilha pode ser destruída com roçadeira ou triton na fase de florescimento para eliminar larvas do tamanduá que eventualmente estejam se desenvolvendo nestas plantas. Com esse procedimento, o produtor “limpa” o tamanduá da sua área problema, podendo realizar normalmente o plantio de soja nesta área na safra seguinte. Quando não existe o inseto na área, mas o vizinho o tem, o controle do tamanduá pode ser realizado através de inseticidas aplicados nas sementes de soja (exemplo: fipronil, tiametoxam), planejando uma faixa de plantas tratadas na bordadura da lavoura de 40m a 50m para contenção dos adultos que chegarem à lavoura.

No caso da lagarta-elasmo, tem sido comprovado que chuvas bem distribuídas, durante os primeiros 30 dias de desenvolvimento da cultura, praticamente eliminam a infestação do inseto nas lavouras de soja. A pulverização de inseticidas na parte aérea da soja tem proporcionado baixa eficiência de controle da lagarta-elasmo, em razão da posição em que a praga fica alojada na planta. O tratamento de sementes com inseticidas sistêmicos (exemplo: fipronil, imidacloprido + tiodicarbe e clorantraniliprole) pode ser utilizado em áreas que tradicionalmente essa praga tem sido problema ou que requerem ressemeadura.

O início do manejo integrado de pragas (MIP) na cultura da soja ocorre por ocasião da dessecação da espécie utilizada como cobertura para produção de palha no sistema plantio direto. Nessa ocasião, é necessário fazer uma pergunta: existem lagartas na cobertura a ser dessecada? Em caso negativo, deverá ser realizada a pulverização visando apenas à dessecação da cobertura com herbicida e não colocar um “cheirinho” de inseticida, como normalmente é feito pelo produtor. No caso de existirem lagartas na cobertura, há necessidade de outra pergunta: a semeadura da soja na área vai ser realizada logo após a dessecação ou é possível esperar para realizá-la? Retardando a semeadura depois da dessecação, em cerca de 20 dias, mesmo tendo lagartas na cobertura, na ausência de alimento, após o efeito do herbicida, as lagartas podem pupar ou morrer. No entanto, caso haja lagartas na cobertura e a semeadura for realizada logo após a dessecação, recomenda-se então aplicar um produto lagarticida em pulverização, mas que tenha pouco ou nenhum efeito sobre os inimigos naturais como são os inseticidas tiodicarbe, metomil, clorantraniliprole, flubendiamida, espinosade e os reguladores de crescimento de insetos (fisiológicos).

Para o controle de lesmas e caracóis são sugeridos produtos à base de metaldeído e a dessecação prévia da cobertura infestada com essas pragas. Essa é uma medida auxiliar para reduzir a sobrevivência dessas pragas, uma vez que tal operação diminui a umidade e o teor de água na superfície do solo, além de extinguir a fonte de alimento. Trabalhos preliminares conduzidos pela cooperativa Coamo, em Campo Mourão, Paraná, evidenciaram que a mistura de abamectina + leite integral, colocadas em quirelas de milho constituiu uma isca efetiva para o controle de caramujos na cultura da soja. Sugere-se, então, que as aplicações de inseticidas ou iscas nas lavouras de soja para o controle de lesmas e caramujos sejam realizadas durante a noite, período em que essas pragas apresentam maior atividade devido às condições favoráveis de umidade e de temperatura e, dessa forma, mais vulneráveis à ação dos produtos químicos.

O controle do piolho-de-cobra pode ser realizado, com relativo sucesso, aplicando-se inseticida nas sementes ou realizando-se pulverizações sobre as plantas. Os ingredientes ativos mais eficazes para o controle de piolhos-de-cobra pertencem aos grupos dos carbamatos e fenil-pirazóis. Quando forem realizadas pulverizações sobre a soja, para o controle do piolho-de-cobra, sugere-se que sejam à noite, período em que essas pragas apresentam maior atividade, empregando-se pontas de pulverização do tipo leque em alto volume de calda (mínimo de 200L/ha).

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