Meloidogyne enterolobii parasitando algodão no Brasil

Por Jorge Bleno da Silva Verssiani (Unicampo/BASF), Rafael Galbieri (IMAmt) e Juvenil Enrique Cares (UnB)

22.08.2024 | 16:48 (UTC -3)

O algodão é uma fibra natural versátil e durável, com uma longa história de uso na indústria têxtil. O algodão possui a fibra têxtil natural mais importante do mundo, representando cerca de 25% da produção mundial de fibras.

O Brasil é o segundo maior exportador mundial de algodão, com participação importante no PIB brasileiro. Dentre os principais agentes bióticos que acometem e reduzem o potencial produtivo do algodoeiro (Gossypium hirsutum L.), destacam-se os fitonematoides Meloidogyne incognita, Rotylenchulus reniformis, Pratylenchus brachyurus e Aphelenchoides besseyi.

O nematoides-das-galhas, gênero Meloidogyne Göldi, 1887, é conhecido como o mais importante por sua ampla distribuição mundial e por causar danos severos a uma extensa variedade de culturas agrícolas. Até o momento, apenas três espécies de nematoides-das-galhas são consideradas parasitas do algodoeiro, M. incognita, raças fisiológicas 3 e 4 de comum predominância em áreas de sucessão de algodão e soja, M. acronea, de ocorrência restrita relatada apenas no sul da África e M. enterolobii, uma espécie recém-detectada no algodão, relatada de maneira restrita no Brasil (Galbieri e colaboradores, 2020) e nos EUA (Ye e colaboradores, 2013).

A primeira cultura no nosso país a sinalizar ocorrência de M. enterolobii (sinonímia de M. mayaguensis) foi a goiabeira (Psidium guajava) na década de 1990. Em 2001, a pesquisadora da Embrapa, Regina Carneiro – referência nos estudos em taxonomia de Meloidogyne – e demais autores, relataram pela primeira vez esse nematoide como agente causal do declínio e morte de goiabeiras, a partir de amostras coletadas nos estados de Pernambuco e Bahia. Mais tarde, foi comprovado o envolvimento do fungo Fusarium solani na expressão dos sintomas observados nos pomares de goiabeira. Atualmente, sabe-se que o nematoide parasita uma extensa lista de hospedeiras, incluindo grandes culturas (commodities), hortaliças e fruteiras.

A infecção inicia quando os nematoides na fase de juvenil de segundo estádio (J2) penetram nas raízes e se desenvolvem em adultos (em sua maioria, fêmeas). As fêmeas assumem a forma de pera e podem atingir até 1 mm de comprimento. Elas depositam seus ovos nas raízes das plantas hospedeiras, em uma massa gelatinosa que os ajuda a sobreviver no solo. Cada fêmea pode produzir mais de 400 ovos que darão continuidade ao ciclo.

A população identificada em goiabeira foi disseminada para outros estados brasileiros por meio da comercialização de mudas de goiabeira contaminadas pelo nematoide na região do nordeste, onde se encontravam muitos viveiros comerciais (Carneiro e colaboradores, 2021). Nas raízes de goiabeira infectadas por M. enterolobii observa-se grande número de galhas, além de necroses. Para benefício dos produtores de goiaba, a Embrapa lançou em 2019 o porta enxerto resistente ‘BRS Guaraçá’, um híbrido resultante do cruzamento entre Psidium guajava e P. guineense, que mostrou resistência a diferentes populações de M. enterolobii (anais 38° CBN, n°78, Congresso Brasileiro de Nematologia, Cuiabá-MT).

Em soja, o nematoide M. enterolobii foi encontrado pela primeira vez em 2008 no estado de São Paulo pela equipe do professor Jaime Maia, e mais recentemente (2019) o pesquisador do IMAmt Rafael Galbieri detectou a presença desse nematoide superando a fonte de resistência M315 a M. incognita, presente em uma cultivar resistente de algodão. Vale ressaltar que a população de M. enterolobii de goiabeira não parasita o algodão, sendo, portanto, sugerido como uma nova raça do patógeno em recentes estudos desenvolvidos pela Universidade de Brasília e a Embrapa Cenargen (Souza, 2022; Verssiani, 2022).

Em estudo recente, diferentes cultivares de soja foram avaliadas quanto à resistência às duas populações (raças) de M. enterolobii (goiabeira, algodoeiro). Uma cultivar, BRS 7180 IPRO, foi considerada moderadamente resistente (MR) a ambas as raças; e BRS 7980 (MR) apenas para a raça de goiabeira. Ambas as cultivares apresentam resistência a M. javanica e M. incognita (Verssiani e colaboradores, 2023).

Um aspecto importante desse nematoide é a sua agressividade ao algodão, que se manifesta na formação de galhas de grandes dimensões nas raízes das plantas infectadas, em comparação com galhas causadas por outras espécies de nematoide-das-galhas.

Sabemos que o controle de nematoides com nematicidas químicos ou biológicos não é garantia de um controle eficaz. A melhor opção possível é o desenvolvimento de cultivares com resistência genética, quando disponível, para garantir um manejo eficiente do nematoide. O mercado atual de sementes de algodão dispõe de cinco cultivares com resistência a M. incognita. Trata-se de uma herança governada por genes de efeito maior (herança oligogênica), determinada por dois QTLs (locos gênicos que expressam características quantitativas) localizados no cromossomo 11 e 14.

Meloidogyne enterolobii caracteriza-se pela capacidade de causar doença em cultivares portadoras de genes de resistência aos principais nematoides-das-galhas, em culturas como, a batata, batata-doce, tomate, pimentão, feijão-caupi, soja e agora no algodão. No caso do algodão, mesmo em cultivares com genes de resistência a M. incognita, a nova variante de M. enterolobii é capaz de infectar e se multiplicar.

Nos EUA, a população de M. enterolobii foi encontrada parasitando algodão e soja no estado da Carolina do Norte. No Brasil, a recente variante populacional detectada em algodoeiro, é de ocorrência ainda restrita a nível de campo com quatro casos já confirmados. O pesquisador do IMAmt, Rafael Galbieri, apresentou os relatos de detecção dessa nova população do patógeno durante o 38° CBN.

Apenas algumas culturas de importância agrícola, como por exemplo, milho, sorgo, trigo, aveia, alho, amendoim, mamona, maracujá e Crotalaria spectabilis, foram relatadas como não hospedeiras ou más hospedeiras de M. enterolobii. Podendo ser recomendadas dentro de um manejo baseado em rotação de culturas em áreas infestadas. Nenhuma cultivar comercial de algodão com resistência a M. enterolobii está disponível neste momento. Também não estão disponíveis produtos nematicidas registrados para o manejo desse nematoide em grandes culturas, como algodão, soja e feijão.

A prevenção é a melhor alternativa para o controle do nematoide M. enterolobii em algodão. Para isso, é importante: evitar a entrada do nematoide nas áreas de cultivo de algodão, manter maquinários agrícolas limpos antes de entrar em outros talhões, destinar a água residual da lavagem de máquinas para um local seguro, limpar botas e sapatos pois podem ser fonte de inóculo para o nematoide e utilizar plantas de cobertura más hospedeiras para reduzir a multiplicação do mesmo.

Também é importante ressaltar a necessidade de inspeções periódicas nos plantios para a detecção precoce de eventuais focos do nematoide. Em caso de suspeita da presença do nematoide, a correta diagnose pode ser realizada por um laboratório especializado em análises de eletroforese de isoenzimas e marcadores moleculares.

Por Jorge Bleno da Silva Verssiani (Unicampo/BASF), Rafael Galbieri (IMAmt) e Juvenil Enrique Cares (UnB)

Artigo publicado na edição 293 da Revista Cultivar Grandes Culturas.

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