Anomalia da soja ou podridão ou necrose da haste e da vagem?

Por Fernando Cezar Juliatti (Juliagro B,G & P Ltda), Iara Gonçalves Guerin, Gustavo Mendes Espíndola e Roberto Resende dos Santos (UFU)

21.08.2024 | 13:31 (UTC -3)

Nas últimas três safras tem-se percebido o aumento de quebramento da soja, com consequente acamamento e tombamento de plantas. Atribuiu-se inicialmente o problema aos percevejos que atacam a cultura na fase inicial ou a problemas climáticos e nutricionais da planta, como por exemplo, potássio, nitrogênio, boro, cálcio, devido uma taxa de absorção diferenciada em função de estresse hídrico e outros.

Na safra 2021/2022 foram coletadas mais de 100 amostras nos municípios do estado do Mato Grosso, ao longo da BR 163 (Nova Mutum, Sorriso e Sinop), com o apoio da Aprosoja-MT, em campos de cultivares (vitrines) e ou área de produtores com o problema. Também foi amostrada a região de Alta Floresta e adjacências. Naquela oportunidade percebeu-se na grande maioria das vezes a presença da necrose interna da medula, associada ou não ao quebramento da haste e ao acamamento. A partir daquele momento suspeitou-se, dada a semelhança de sintomas, de algo semelhante ao cancro da haste (complexo Phomopsis phaseoli, Diaporthe phaseolorum, e suas diversas subespécies) que assolou o Brasil em 1988 e 1989, sendo responsável por grandes perdas naquela época.

Algo semelhante também foi observado em Goiás, nos pivôs centrais, na região de Bom Jesus (GO), e Ibiá (MG), safra (2017/2018), com patogenicidade comprovada na cultivar BMX Desafio RR, uma das mais cultivadas na região e no Brasil, naquele momento.

O complexo Diaporthe Nitschke, com mais de 800 nomes específicos, constitui o estado teleomórfico de Phomopsis (Sacc.) Bubák, um gênero anamórfico com mais de 900 espécies registrados no mundo. Um número importante de espécies dentro deste grupo tem sido relatado como patógenos destrutivos causando cancros, morte, podridão de raízes, podridão de frutas, manchas foliares, apodrecimento de sementes e murchas em uma ampla gama de hospedeiros de plantas em todo o mundo, incluindo espécies de várias culturas.

D. phaseolorum var. batatas (Crall, 1950) é o agente causal da raiz seca em batata-doce (Ipomea batata L.). Hobbs e Phillips (1985) propuseram a diferenciação entre cancros do caule do norte dos EUA e cancros do caule do sul. Morgan-Jones (1989) decidiu transformá-los em formae speciales, com base em características morfológicas e diferenças fisiológicas, designando D. phaseolorum f. sp. meridionalis para o teleomórfico sul dos EUA isolados; e D. phaseolorum f. sp. caulivora para os isolados do norte dos EUA.

Fernández e Hanlin (1996), com base nas diferenças no número e tipo de lesões mostradas por plantas cultivadas adotou o conceito de “variedade”. Desde então, a denominação aceita foi D. phaseolorum var. caulivora e D. phaseolorum var. meridionalis. Baseado em dados de sequência de nucleotídeos, culturais, fitopatológicos e evidência morfológica, Rensburg et al. (2006) propôs que D. phaseolorum var. meridionalis deve ser tratado no nível de espécie junto com o agente causal, Diaporthe aspalathi. Como pode ser observado a complexidade da espécie com suas subespécies é muito grande levando a dificuldade de sua real e correta diagnose.

Nos isolamentos realizados das amostras da BR 163, comprovou-se a presença dos gêneros do complexo Fusarium spp (80% das amostras) e Phomopsis / Diaporthe (20%). Isolamentos em BDA (batata-dextrose-ágar), diretamente das hastes amostradas e retirando pequenas secções das medulas e necroses internas levantaram a suspeita de envolvimento duplo, do complexo Fusarium spp e Diaporthe / Phomopsis, no complexo da doença. Descartou-se o envolvimento de outros fungos como Cadophora e Colletotrichum spp. A partir desse apontamento inicial, cerca de 50 isolados do fungo foram encaminhados para o Laboratório da Agronômica – Porto Alegre (RS) para identificação molecular. Das 50 amostras das culturas obtidas no Laboratório de Micologia e Proteção de Plantas da UFU (LAMIP-UFU), apenas 8 comprovaram ser da espécie Diaporthe phaseolorum, e suas subespécies. Duas confirmaram ser D. miriciae / ueckerae. Em relação ao complexo Fusarium foram identificadas espécies do complexo F. fujikuroi, F. solani e F. oxysporum.

A tabela 1 apresenta o complexo de fungos obtidos, com as respectivas patogenicidades em plantas de soja da cultivar BMX Desafio aos 100 dias de ciclo. A visualização foi por meio da extensão em centímetros (cm) da necrose interna da haste por meio de inoculações por palito colonizado pelos micélios dos fungos, ou com corte do ápice de plantas com três trifólios, e em seguida a deposição de um disco do micélio do fungo. O experimento foi repetido por mais de três vezes em épocas diferentes durante as safras de 2021/22 e 2022/23.

A figura 1C apresenta as sintomatologias das plantas inoculadas, após 100 dias.

Em função da patogenicidade comprovada apresentada pelo complexo Fusarium spp e alguns isolados do complexo Phomopsis / Diaporthe propõe-se algumas estratégias e manejo para minimizar os danos e perdas que os agricultores estão sofrendo no Mato Grosso e em todo o Brasil, notadamente nas regiões mais quentes que se cultiva soja no Brasil:

1 - Escolha da cultivar: Dar preferência para cultivares que não apresentaram nenhum relato com o problema no campo, e realizar a análise sanitária das sementes para averiguar a incidência do complexo Phomopsis / Diaporthe e Fusarium spp. nas sementes, uma vez que existem várias formas e ou espécies patogênicas na soja. Também existe a transmissão semente-planta-semente (uma vez que os fungos podem ser sistêmicos na planta a partir de sementes infectadas ou contaminadas).

2 - Urge avaliar o germoplasma brasileiro de soja para analisar a reação de resistência ao complexo usando isolados mais agressivos das duas ou mais espécies (complexos), com seleção dos mesmos (mais agressivos) a partir de testes prévios de patogenicidade e não análise molecular.

3 - Utilizar tratamentos de sementes que envolvam formulações a base de protioconazol e thiran. A utilização de organismos biológicos como Trichoderma spp e Bacillus subtilis poderão ser úteis por apresentarem antibiose para o segundo e hiperparasitismo para o primeiro, via solo e via sementes ou sulco de semeadura, caso o solo esteja úmido.

4 - Adubações com potássio e cálcio via solo e via foliar podem ajudar a reduzir os danos por aumento da resistência na lamela média e maior resistência do caule e infecção sistêmica na medula, se os níveis de ambos os nutrientes forem adequados no solo e nas plantas.

5 - Quanto à população de plantas no dossel, não adianta nada reduzi-la se o complexo de fungos está no sistema ou presente nos restos culturais. O acamamento é mais um fator adaptativo da cultivar ou do background genético ao solo-clima, principalmente quando os patógenos estão ausentes no sistema.

6- A aplicação aérea de fungicidas em combinações contendo difeconazol, solatenol e protioconazol nos estádios iniciais da cultura, até a fase de formação de vagens e em combinações com multissítios (mancozeb e clorotalonil), pode reduzir o avanço da doença, mas fundamental é a qualidade das sementes e o tratamento das mesmas.

7 - Finalmente, devem ser utilizadas boas práticas agronômicas de manejo integrado, para evitar problemas na hora da colheita e frustração dos agricultores com quebra de máquinas (plataforma de corte quebra as hastes quando se colhe plantas tombadas rente ao solo) e perda do seu capital e investimento.

As figuras 2, 3 e 4 apresentam a extensão do problema em áreas dos estados de Goiás e Minas Gerais (2017/2018) e do Mato Grosso e Rondônia, nas safras 2021/2022.

A figura 5 apresenta sintomas dos fungos nas hastes colonizadas, com sua esporulação abundante (conídios) (figura 6), após incubação na temperatura de 25 ºC por 10 dias e com turno de 12 horas de luz e 12 horas de escuro (lâmpadas luz do dia).

A figura 8 apresenta a análise molecular realizada para os diferentes isolados de Phomopsis/Diaporthe envolvidas no complexo.

A figura 9 apresenta a reação de suscetibilidade da cultivar BMX Desafio RR (necrose interna da haste), frente ao patógeno inoculado seja ele pertencente ao complexo Fusarium spp ou Diaporthe / Phomopsis, aos 100 dias após a inoculação, pelo método “straw test” ou ponteiras com micélio do fungo.

Todos os isolados que foram patogêrnicos na cultivar BMX desafio RR foram reisolados em BDA (batata-dextrose-ágar) foram reinoculados novamente em plantas com três trifólios e novamente foram comprovados os sintomas de podridão interna da haste.

A figura 10 apresenta a presença de Phomopsis spp nas vagens e sementes/grãos o que direciona o patógeno (A- picnídios próximos ao tegumento da futura sementes - pontos escuros (negros), para infecção inicial nas plantas recém emergidas. B – Crescimento micelial de Phomopsis spp e suas subespécies ou variedades (sintomas após inoculação nas). C e D sintomas após a inoculação nas vagens.

Concluindo: o que é a anomalia? A anomalia é um problema fitopatológico de causa fúngica. Está associada à suscetibilidade do genótipo ou cultivar. Erros iniciais de diagnose no campo, por três safras seguidas, levaram ao entendimento de outros fatores envolvidos; e não uma causa envolvendo micro-organismos fitopatogênicos. Na quebra simples da haste sem necrose não temos patógenos envolvidos por outros fatores.

Quando ocorre a necrose interna e externa da haste ou do caule principal em qualquer estádio da planta e da formação das vagens, em diferentes momentos, aí teremos o agente causador ou etiológico. Isso explica o envolvimento de fungos como Fusarium spp. (complexo múltiplo de espécies) e Diaporthe / Phomopsis (complexo múltiplo de espécies).

Por isso, é importante usar sementes sadias e tratadas, de cultivares tolerantes ou resistentes (alvo de pesquisa). E adotar manejo cultural com nutrição balanceada, com níveis adequados no solo e na planta de potássio (K) e de cálcio (Ca).

A eficácia de fungicidas químicos e biológicos no tratamento de sementes e em pulverizações está vinculada ao ingrediente ativo e sua penetração nos tecidos da planta. O momento ou estádio da planta e intervalo de aplicações influenciarão no resultado final e na produção de grãos. Daí a necessidade de se usar programas robustos e bem estruturados por especialistas ou consultores.

Portanto, o correto é caracterizar o problema como podridão ou necrose interna da haste e da vagem e não anomalia da soja.

Por Fernando Cezar Juliatti (Juliagro B,G & P Ltda), Iara Gonçalves Guerin, Gustavo Mendes Espíndola e Roberto Resende dos Santos (UFU)

Artigo publicado na edição 289 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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