Manejo do percevejo-barriga-verde

Manejo deste inseto precisa ser realizado de modo racional e com muito critério, para prevenir o agravamento de problemas de resistência e preservar as escassas tecnologias disponíveis para o controle

31.03.2022 | 16:32 (UTC -3)

Cultivos sucessivos de soja e milho tem favorecido a ocorrência de pragas no Brasil, por conta da oferta constante de alimento nas lavouras. É o caso do percevejo barriga verde, causador de danos em ambas as culturas. Além dos cultivos, plantas daninhas, como a trapoeraba, merecem especial atenção por servirem de hospedeiras. O manejo deste inseto precisa ser realizado de modo racional e com muito critério, para prevenir o agravamento de problemas de resistência e preservar as escassas tecnologias disponíveis para o controle.

O cultivo da soja (safra de verão) seguido imediatamente por milho (segunda safra: outono-inverno) é um sistema de produção muito utilizado no Brasil que vem favorecendo o crescimento populacional e a permanência de algumas espécies de percevejos nas lavouras. Tal ocorrência é justificada pelo fato de que esses insetos se beneficiam da oferta de alimento constante (ponte-verde). Há uma grande diversidade de percevejos que atacam a soja. Muitos migram para a cultura do milho de segunda safra quando a soja está sendo colhida. Um exemplo é o percevejo-barriga-verde. Na soja sua ocorrência é maior no final da fase reprodutiva e, no milho, já no início do desenvolvimento devido à população que cresceu no cultivo anterior. Em ambas as culturas os danos podem ser expressivos. Assim, pesquisas vêm sendo conduzidas na Embrapa Soja para aprimorar o manejo do percevejo-barriga-verde levando em consideração o sistema de produção como um todo, o que é um dos maiores desafios no correto manejo da praga.  

Diversas espécies de percevejos atacam a cultura da soja e posteriormente migram para a cultura do milho cultivado em sucessão. Dessas, o percevejo-barriga-verde (Figura 1A), merece destaque, apesar de geralmente apresentar população inferior a do percevejo-marrom (Figura 1B) (espécie atualmente mais abundante no sistema produtivo da soja). O percevejo-barriga-verde, habitualmente ataca o milho na base da planta próximo ao solo. Quando esse ataque ocorre nas primeiras semanas de desenvolvimento da cultura pode haver prejuízo ao meristema apical, com deformação nas plantas. Diferentemente, o percevejo-marrom prefere a parte superior das plantas sugando-as mais perto do cartucho, o que proporciona ataque com menor potencial de injúria às plantas de milho. Por isso é de grande importância o agricultor diferenciar o percevejo-marrom do percevejo-barriga-verde (Figura 1), pois enquanto precisa se preocupar mais com o percevejo-barriga-verde no milho, a ocorrência do percevejo-marrom não exige o mesmo cuidado e a planta de milho usualmente tem maior capacidade de tolerar o seu ataque. Diferentemente, na soja, ambas as espécies causam o mesmo dano à planta.

Figura 1 - Diferenciação entre o percevejo-marrom (A) e o percevejo-barriga-verde (B). Setas vermelhas indicando as diferenças na região da cabeça com o percevejo-barriga-verde à esquerda com estrutura da cabeça bifurcada entre as antenas e o percevejo-marrom à direita com estrutura da cabeça arredondada entre as antenas (C). Setas azuis indicando as diferenças na região do abdômen com o percevejo-barriga-verde à esquerda com abdômen verde e o percevejo-marrom à direita com o abdômen marrom (C). (Fotos A e B: Jovenil J. Silva. Foto C: Adair V. Carneiro).
Figura 1 - Diferenciação entre o percevejo-marrom (A) e o percevejo-barriga-verde (B). Setas vermelhas indicando as diferenças na região da cabeça com o percevejo-barriga-verde à esquerda com estrutura da cabeça bifurcada entre as antenas e o percevejo-marrom à direita com estrutura da cabeça arredondada entre as antenas (C). Setas azuis indicando as diferenças na região do abdômen com o percevejo-barriga-verde à esquerda com abdômen verde e o percevejo-marrom à direita com o abdômen marrom (C). (Fotos A e B: Jovenil J. Silva. Foto C: Adair V. Carneiro).

O percevejo-barriga-verde pertence ao gênero Dichelops, sendo as espécies Dichelops melacanthus e Dichelops furcatus as mais importantes no Brasil. D. melacanthus é mais comum, por abranger uma extensão territorial maior que D. furcatus, concentrando-se nas áreas agrícolas mais quentes das regiões subtropicais e tropicais. No norte do Paraná D. melacanthus foi a única espécie encontrada em levantamentos realizados entre 1998 e 2001. De modo diverso, no Rio Grande do Sul D. furcatus é a espécie mais importante, pois se concentra em áreas com temperaturas amenas. Estas duas espécies são muito semelhantes entre si e seu nome comum se dá por apresentarem a parte dorsal do corpo de cor marrom e a parte ventral verde (Figura 1A e 1C). Entretanto, em algumas situações de estresse ambiental, principalmente na entressafra, o percevejo-barriga-verde pode apresentar variações de cores, com um abdômen menos esverdeado que usualmente encontrado, podendo ser confundido com o percevejo-marrom. Por isso é importante observar a estrutura na cabeça entre as antenas destacado pelas setas vermelhas na Figura 1C. Enquanto no percevejo-barriga verde é bifurcada, no percevejo-marrom apresenta-se arredondada.

Danos e manejo no sistema soja: milho

O percevejo-barriga-verde pode ocorrer durante todo o ciclo da soja e milho. Entretanto, a planta de soja tolera os ataques de percevejos na fase vegetativa sem qualquer redução de produtividade, sendo, portanto, desnecessária qualquer medida de controle nessa fase de desenvolvimento da lavoura. Infelizmente, alguns agricultores e técnicos preconizam o uso de inseticidas na fase vegetativa da soja para controle de percevejos com o objetivo de reduzir seu aumento populacional na fase reprodutiva da lavoura. No entanto, é importante ressaltar que essas aplicações de inseticidas, realizadas na fase vegetativa, trazem apenas malefícios para condução da lavoura. Entre os malefícios da aplicação antecipada do controle de percevejos na soja (no período vegetativo) destaca-se a seleção de insetos resistentes aos inseticidas utilizados e a eliminação dos inimigos naturais.

Todo agricultor sabe o quanto difícil é controlar os percevejos com os inseticidas disponíveis no mercado atualmente. Entre as causas estão a ocorrência de populações cada vez mais resistentes. O desenvolvimento da resistência dos percevejos deve-se ao uso excessivo de inseticidas para o seu controle ao longo dos anos. Por isso, devido à escassez de diferentes modos de ação de inseticidas para controle de percevejos é importante preservar as poucas ferramentas disponíveis.

Não é aconselhável o uso de inseticidas recomendados para percevejos na fase vegetativa da soja ou para outras pragas que não sejam os percevejos de acordo com os níveis de ação (Tabela 1). Usar inseticidas de forma racional irá retardar a evolução da resistência e preservar as poucas ferramentas disponíveis para o controle dessa praga.

Tabela 1
Tabela 1

Diferentemente da soja, no cultivo de milho o percevejo-barriga-verde é considerado praga-chave no início do desenvolvimento da cultura, com prejuízos significativos na implantação da lavoura, reduzindo o estande, prejudicando o vigor das plântulas e provocando perfilhamento quando o ataque é severo. Esse inseto utiliza a palhada como local de abrigo e sobrevivência. Assim a sucessão com a soja favorece o desenvolvimento, por permitir uma ponte-verde entre essas culturas pela oferta de alimento durante o ano todo. Por isso, o monitoramento indicado na cultura do milho se dá mesmo antes da semeadura, através da vistoria na palhada, com continuidade após a germinação das plantas (Tabela 1).

Apesar da principal forma de controle disponível para D. melacanthus ser baseada na aplicação de inseticidas, é importante o desenvolvimento de métodos alternativos de manejo desta praga para auxiliar na redução do impacto desse inseto no cenário agrícola em um contexto mais sustentável. Isto é ainda mais importante em um cenário em que altas populações da praga estão chegando com maior intensidade e mais cedo nas lavouras de soja e milho. Fato que tem levado os agricultores a aumentar o uso de inseticidas, muitas vezes, sem obter resultados satisfatórios.

Uso de “vespinhas”

Um método de controle de pragas agrícolas que tem crescido muito em todo o mundo é o uso do controle biológico aumentativo. Essa tática de manejo consiste na liberação de um agente de controle biológico da praga no ambiente, para combater essas pragas naturalmente. Entre os inimigos naturais potencialmente úteis no controle de percevejos na cultura da soja, o parasitoide de ovos Telenomus podisi (Figura 2) mostra grande desempenho e eficiência no combate de ovos de percevejos. Recentemente,estudos realizados demonstraram que esse parasitoide apresenta preferência por parasitar ovos de D. melacanthus em relação a outros percevejos estudados (Tabela 2), mostrando o seu grande potencial biológico para ser utilizado no manejo sustentável dessa praga. O parasitoide, ao encontrar os ovos do percevejo, oviposita dentro destes ovos, e após aproximadamente 14 dias, emergem outros adultos do parasitoide que darão continuidade ao controle proporcionando um efeito duradouro, comparado ao controle químico convencional. Outra vantagem da utilização de parasitoides de ovos no Manejo Integrado de Pragas (MIP) está no fato do controle ser exercido sobre o ovo, antes de qualquer dano ocorrer. Isso permite que, caso haja alguma falha, outra medida de manejo possa ser adotada sem prejuízos à produção da lavoura.

Figura 2 - Ovos de D. melacanthus (A) e E. heros (B) não parasitados (Fotos: Jovenil J. Silva); Telenomus podisi parasitando ovos de E. heros (C) e ovos de E. heros parasitados (D) (Fotos: Adair V. Carneiro).
Figura 2 - Ovos de D. melacanthus (A) e E. heros (B) não parasitados (Fotos: Jovenil J. Silva); Telenomus podisi parasitando ovos de E. heros (C) e ovos de E. heros parasitados (D) (Fotos: Adair V. Carneiro).
Tabela 2
Tabela 2

A utilização comercial desse parasitoide ainda depende de registro nos órgãos competentes, além de pesquisas que estabeleçam definitivamente todas as recomendações para a sua utilização (pacote tecnológico) como a quantidade necessária em cada liberação, formas de liberação adequadas e baratas, entre outras. Apesar de ainda não disponível comercialmente, sua ocorrência natural em campo precisa ser preservada. Sendo assim, devem-se evitar aplicações desnecessárias de inseticidas, preventivamente antes da ocorrência de pragas ou quando a praga estiver abaixo do nível de ação. Priorizar o uso dos produtos mais seletivos a parasitoides e outros agentes de controle biológico, que são aqueles que causam menos danos à sobrevivência desses inimigos naturais (Tabela 3). A preservação desses insetos benéficos (inimigos naturais) irá auxiliar a reduzir a pressão de percevejos observada nos últimos anos no sistema produtivo soja: milho.

Tabela 3
Tabela 3

Como é possível observar na Tabela 3, os inseticidas para controle de percevejos são pouco seletivos ao Telenomus podisi. Sendo assim, uma estratégia para preservar esses inimigos naturais é aplicar inseticidas quando for estritamente necessário, ou seja, quando o nível de ação for atingido (Tabela 1). Além disso, como os percevejos são maus voadores, usualmente iniciam a colonização pelas bordaduras. Em um sistema de monitoramento bem efetuado é muitas vezes possível verificar esse início de infestação. Nesse caso a aplicação de inseticidas pode ser feita apenas na bordadura ou em regiões restritas da área, preservando os inimigos naturais do centro da lavoura. Essa recomendação é mais fácil de ser realizada em grandes áreas, onde o efeito da bordadura é mais facilmente notado.

Colheita da soja e manejo de invasoras

A maioria dos percevejos se alimenta de plantas na fase reprodutiva, por serem sugadores de sementes. Portanto, apesar da ocorrência de D. melacanthus na fase inicial das culturas de milho, resultados preliminares de pesquisas indicam que este inseto não consegue se desenvolver e se reproduzir alimentando-se unicamente dessas plântulas. Nesse contexto, avaliando a preferência alimentar de D. melacanthus foi possível verificar que, plântulas de milho, não são hospedeiros preferenciais da praga, sendo apenas utilizadas durante a safra de outono/inverno (segunda safra) possivelmente para garantir a sobrevivência do inseto na ausência de hospedeiros no estágio reprodutivo. Restos culturais (sementes de soja caídas no chão, vagens secas, soja voluntária) além da presença de plantas invasoras (como trapoeraba entre outras) podem possuir um papel importante para o desenvolvimento e reprodução desses percevejos nesse cenário em campo. Essa informação é importante na formulação de algumas hipóteses para o manejo dessa praga no milho que precisam ser confirmadas em experimentos futuros:

1) É importante reduzir perdas na colheita da soja, pois grãos caídos no chão poderão favorecer o desenvolvimento do inseto na segunda safra (milho);

2) É importante realizar um manejo adequado de plantas daninhas, visto que a trapoeraba é hospedeiro preferencial em relação a plântulas de milho.

No intuito de controlar a população de percevejos e de plantas invasoras no final do ciclo da soja, justamente no momento em que há crescimento acentuado da população do percevejo-barriga-verde, muito agricultores vêm dessecando a soja para colheita em misturas com inseticidas.  No entanto, o uso de inseticidas na dessecação de colheita pode acarretar problemas de resíduo do inseticida utilizado nos grãos, como verificado em experimentos preliminares realizados na Embrapa Soja (Tabela 4). Uma alternativa para se evitar o problema de manejo do percevejo em infestações tardias na soja pode ser mesmo o seu manejo no milho, com o uso de tratamento de sementes com inseticidas adequados, aplicações foliares se necessário e uma maior distância entre a colheita da soja e o estabelecimento da cultura do milho, quando a janela de semeadura da segunda-safra permitir. Além disso, é importante salientar que em áreas com bom controle de plantas invasoras, a população de percevejos foi reduzida assim como quando houve a aplicação de inseticidas na dessecação, indicando a importância do bom manejo dessas ervas daninhas hospedeiras do percevejo.

Tabela 4
Tabela 4

Artigo publicado na edição 218 da Cultivar Grandes Culturas, mês julho, ano 2017. 

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