Ferrugem da soja, uma velha conhecida que não pode cair no esquecimento

Por Caroline Wesp Guterres, Professora Adjunta no Departamento de Fitossanidade da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

23.01.2024 | 14:36 (UTC -3)

A ferrugem asiática da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, segue sendo uma das, se não a principal preocupação dos produtores, especialmente na região Sul do Brasil. Os danos causados pela doença são variáveis entre cultivares, regiões e safras, mas podem atingir até 90%. Na média das últimas 10 safras, a cada 1% de incremento na severidade de ferrugem foram perdidos entre 20 e 50 kg ha-1. Apesar de a doença estar um pouco esquecida na região Sul, em função de três safras subsequentes sob influência do fenômeno La Niña, a ferrugem retorna na safra 23/24 com força total.

Isto porque o El Niño, fenômeno predominante desde o mês de setembro de 2023, resulta em maior distribuição de chuvas na região Sul e menor na região Centro-Oeste. As primeiras colheitas de soja no Mato Grosso registram baixas produtividades em função de uma das maiores secas já observadas. No Sul, a elevada precipitação, associada à ausência de geadas e a presença de soja voluntária no campo, favoreceu a manutenção de inóculo de ferrugem na entressafra. Pelo excesso de chuvas no Rio Grande do Sul, a colheita do trigo foi atrasada e consequentemente, a semeadura de soja, que se concentrou em janela curta, praticamente no mês de dezembro de 2023, coincidindo com os primeiros casos de ferrugem em lavouras comerciais do RS. O triângulo de doenças para a safra 23/24 está completo, resultando em maior favorabilidade para ocorrência de epidemias na região Sul, não só da ferrugem asiática, mas de outras doenças importantes para a soja, como as manchas foliares.

Cenário similar foi observado na safra 18/19, que teve expressiva ocorrência de ferrugem em diversos estados brasileiros. No RS, que contou com níveis de chuva acima da média na primavera de 2018, a ferrugem também foi identificada no mês de dezembro, o que levou o RS a ser o estado recordista nos casos de ferrugem relatos no site do Consórcio Antiferrugem daquela safra (RS 127 vs. 58 do PR e 54 do MS).

O gráfico abaixo traz as ocorrências de ferrugem da soja reportadas no site do Consórcio entre os meses de outubro e janeiro, a partir da safra 18/19. A análise dos primeiros casos reportados corrobora com a expectativa de grande pressão de ferrugem no RS na safra 23/24, visto que o número de casos reportados agora em dezembro foi similar ao de casos reportados em dezembro de 18/19 (27 vs. 25) (Figura 1). Soja no início do ciclo de desenvolvimento, a presença de inóculo de ferrugem e altas temperaturas aliadas às chuvas frequentes tornam o cenário desafiador para o produtor, uma vez que este ainda tem na memória safras recentes em que a ferrugem não foi a principal doença. 

Figura 1: número de casos de
Ferrugem Asiática reportados no site do Consórcio Antiferrugem entre as safras
18/19 e 23/24, nos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro
Figura 1: número de casos de Ferrugem Asiática reportados no site do Consórcio Antiferrugem entre as safras 18/19 e 23/24, nos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro

Os esporos de P. pachyrhizi disseminam-se facilmente a longas distâncias através de correntes de vento. Em condições favoráveis, cerca de sete dias separam o contato dos esporos com as folhas das primeiras lesões esporulantes, o que torna a evolução rápida e a doença extremamente destrutiva. Por isto, o controle de ferrugem deve ser, sempre que possível, preventivo, ainda no estádio vegetativo e antes do fechamento de linhas. Atrasos nas aplicações podem levar a dificuldades no manejo da doença e perdas certeiras na produção.

Os fungicidas utilizados para controle da ferrugem enquadram-se em quatro grupos químicos distintos, sendo três deles de fungicidas sítio-específicos (que atuam sobre processos metabólicos específicos do fungo) e um de fungicidas multissítio (atuantes em mais de um processo metabólico). Os sítio-específicos incluem os fungicidas que atuam na biossíntese de esteróis na membrana, como triazóis (Inibidores da Desmetilação - IDM) e morfolinas, que apresentam ação principalmente curativa; as estrobilurinas (Inibidores da Quinona externa - IQe) e as carboxamidas (Inibidores da Succinato Desidrogenase - ISDH) que atuam na respiração e possuem ação preventiva. Os fungicidas multissítio incluem os fungicidas inorgânicos, as isoftalonitrilas e os ditiocarbamatos, também de ação preventiva.

A combinação de distintos grupos químicos, que atuam em diferentes fases do ciclo de desenvolvimento do fungo, contribui para o melhor controle de doenças, além de auxiliar no manejo de resistência. Isto é extremamente relevante, visto que o controle da ferrugem da soja está cada vez mais difícil em razão do fungo P. pachyrhizi apresentar menor sensibilidade aos principais fungicidas sítio-específicos utilizados no manejo (triazóis, estrobilurinas e carboxamidas).

Em trabalho recente, Stilgenbauer et al., (2023) relataram novas mutações (V130A, I145V e F154Y) aos fungicidas IDM, que incluem os ingredientes ativos mais efetivos dentro deste grupo, o protioconazol e o tebuconazol. Agora, um total de nove mutações foram identificadas no gene cyp51 (necessário para a rota de síntese de ergosterol em fungos) de P. pachyrhizi (F120L, V130A, Y131F/H, K142R, I145V/F, F154Y, I475T), presentes em diferentes combinações. As combinações de mutações recentemente identificadas F120L + V130A + Y131F, F120L + Y131H + I145V e F120L + Y131H + F154Y estão associadas a diferentes sensibilidades aos IDM. O reflexo na variação de eficiência dos fungicidas triazóis entre distintas regiões reforça a necessidade de rotação desses dois ingredientes ativos em programas de controle da ferrugem.

Diante destas e das demais mutações que conferem menor sensibilidade aos fungicidas dos grupos IQe (F129 L) e ISDH (C-I86F), a recomendação do FRAC-BR vai além de rotacionar diferentes mecanismos de ação ou grupos químicos, inclui a importância de rotacionar os ingredientes ativos dentro do mesmo mecanismo de ação ou grupo químico (rotação entre distintos triazóis, estrobilurinas e carboxamidas).

Apesar dos relatos de menor sensibilidade, todos os grupos químicos são úteis no manejo de ferrugem. Quando utilizados em associação há sinergismo, maior residual e complementação dos modos de ação, com efeito sobre diferentes fases do processo infecioso do fungo (Figura 2). 

Figura 2: fases do processo infecioso da Ferrugem Asiática e momento de ação dos principais grupos químicos utilizados no manejo de Phakopsora pachyrhizi
Figura 2: fases do processo infecioso da Ferrugem Asiática e momento de ação dos principais grupos químicos utilizados no manejo de Phakopsora pachyrhizi

A utilização de fungicidas multissítio (com efeito protetor) em associação aos fungicidas sítio-específicos em todas as aplicações é imprescindível, não apenas por contribuir no manejo de resistência, mas por reforçar o controle de doenças, atuando de forma direta sobre o principal componente de progressão da ferrugem, a formação e germinação de esporos, contribuindo para a redução da taxa de infecção de P. pachyrhizi. A rotação de distintos multissítios também é interessante, visto que existem diferenças no espectro de controle entre os fungicidas mais utilizados em soja: mancozebe, clorotalonil e oxicloreto de cobre. A ferrugem não é a única doença a incidir na soja e o espectro de ação dos produtos deve ser levado em consideração na escolha dos melhores parceiros para cada fase do ciclo da cultura. Atualmente, a existência de produtos já contendo multissítios na formulação facilita a rotina das aplicações.

Além das medidas já citadas, o vazio sanitário, a utilização de cultivares de ciclo precoce, semeadas no início do período recomendado para plantio, o uso de cultivares com genes de resistência, o monitoramento da doença, a utilização de fungicidas nas doses e intervalos recomendados pelos fabricantes e a adoção de tecnologia de aplicação adequada, contribuem para o manejo mais eficiente da ferrugem da soja (Godoy et al., 2023).

A cada ano ajustes são necessários. Fica claro que esta não é uma safra para olhar pelo retrovisor. As semeaduras tardias e a grande pressão de inóculo de ferrugem requerem manejos antecipados, robustos e assertivos a fim de manter bons níveis de produtividade nas regiões em que a chuva não faltará. 

*Por Caroline Wesp Guterres, Professora Adjunta no Departamento de Fitossanidade da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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