Bioinsumos: importância da avaliação qualificada das políticas públicas agropecuárias
Por Luís Eduardo Pacifici Rangel, engenheiro agrônomo
Em 1917, Elmer Drew Merrill, em observância às regras internacionais de nomenclatura botânica, propôs que o nome científico correto da soja deveria ser Glycine max (L.) Merrill. A palavra Glycine, é um termo derivado da raiz grega glyks, significando doce, provavelmente em alusão ao tubérculo doce produzido por Apios, a planta na qual Linnaeus originalmente baseou-se na descrição do gênero. Mais tarde, foi movido para outro gênero.
Hoje, a teoria mais aceita referente ao centro de origem da soja é a de que ela emergiu como planta domesticada no meio este do norte da China no século XII (início da dinastia Chou). "O primeiro relato escrito da soja foi feito nos livros de Pen Ts'ao Kang Mu, contendo a descrição da planta pelo imperador Shen Nung, em 2838 AC."
Em 1931, os botânicos japoneses Makino e Nemoto, pela primeira vez, propuseram que a soja teve sua origem na Manchúria.
A soja foi primeiramente mencionada nos Estados Unidos, numa publicação de 1804, por James Mease, e os primeiros relatos de sua introdução na América do Sul são de 1882, no Brasil.
Hoje, a área cultivada de soja no Brasil é superior a 48 milhões de hectares.
No Brasil, são relatadas 40 doenças causadas por fungos, bactérias, nematoides e vírus. As principais são causadas por fungos e nematoides.
Os patógenos que atacam os órgãos aéreos da soja (folhas, hastes e vagens) foram primeiramente relatados no Japão e na Coreia (próximos ao centro de origem), após nos Estados Unidos e, finalmente, no Brasil.
O transporte de material genético da soja (sementes) disseminou os patógenos da cultura em todas as áreas onde ela hoje é cultivada. Alguns patógenos foram relatados, pela primeira vez, em casa de vegetação de institutos de pesquisa.
Os serviços quarentenários nos países para onde a soja foi levada, foram e têm sido eficientes em detectar e evitar a sua entrada em continentes e países? Além disso, programas destinados à produção e manutenção de sementes indenes não têm sido vistos como ferramenta útil ao manejo integrado de doenças da soja?
Uma vez introduzida nos países, e como seu cultivo é altamente atrativo aos produtores (preço e liquidez), a soja é cultivada em monocultura. O velho problema da erosão dos solos foi quase totalmente resolvido com o plantio direto.
No entanto, a associação destas duas práticas - monocultura e plantio direto - contribui para a sobrevivência dos fitopatógenos e o consequente agravamento da intensidade e dos danos causados pelas doenças.
Controle - “É o emprego de medidas que visam impedir ou diminuir a incidência/severidade de doenças de plantas, de modo a evitar ou reduzir os prejuízos causados”.
O controle envolve o conjunto de táticas para minimizar os danos causados pelas doenças. Quando se decide controlar uma doença, se deve ter em mente qual a eficácia de controle esperada. Por exemplo, o objetivo seria reduzir a intensidade da doença e o dano em aproximadamente 40, 50, 60, 70, 80, 90 ou > 90%?
Controle integrado (CI) - segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) (1968), CI “é um sistema de manejo de organismos nocivos que utiliza todas as técnicas e métodos apropriados, da maneira mais compatível possível, para manter as populações de organismos nocivos em níveis abaixo daqueles que causem injúria econômica”.
Manejo integrado de doenças (MID) - um ano mais tarde, a National Academy of Science dos Estados Unidos (NAS) (1969) apresentou o conceito oficial de MID como sendo “a utilização de todas as técnicas disponíveis, dentro de um programa unificado, de tal modo a manter a população de organismos nocivos abaixo do LDE e a minimizar os efeitos colaterais deletérios ao meio ambiente”. O MID satisfaz as exigências técnicas de sustentabilidade da agricultura.
Dano - é qualquer redução na quantidade (kg/ha) e/ou qualidade da produção (Nuter et al., 1993).
Perda - redução financeira (R$/ha) por unidade de área, devido ao dano (Nuter et al., 1993).
Os cientistas concluem que o procedimento mais racional é praticar o manejo integrado de doenças. Para tal, é indispensável saber o dano que a doença causa. O dano depende da quantidade de doença, expressa por uma função matemática que contém o coeficiente de dano (Cd).
Eliminação do inóculo primário - as fontes de inóculo primário dos patógenos da soja são as sementes, os restos culturais, as plantas voluntárias, os hospedeiros alternativos e os reservatórios de vírus. No caso dos fungos de solo, com habilidade de competição saprofítica, o local onde se encontram é o solo, contendo matéria orgânica vegetal.
Portanto, no MID, os patógenos devem ser reduzidos ou eliminados das fontes citadas.
Produção e manutenção de sementes indenes - o centro de origem da soja, segundo Nikolai Ivanovich Vavilov (1887-1943,) é a região da Manchúria, na China. A partir desse centro, as sementes de soja foram levadas para todo o mundo.
A principal fonte de sementes de soja para o Brasil continua a ser os Estados Unidos. No entanto, foi grande o fluxo de sementes de cultivares de sojas transgênicas RR, introduzidas no Brasil, de procedência argentina. A introdução de cultivares RR da Argentina ainda continua intensa.
A literatura confirma que as principais doenças dos órgãos aéreos da soja foram primeiramente descritas nos Estados Unidos, e, após, no Brasil. Algumas exceções são o crestamento de cercospora, o olho-de-rã, a septoriose e o míldio, descritos primeiramente no Japão, mas sempre antes nos Estados Unidos e só depois no Brasil. Se pode inferir que a fonte de inóculo dos patógenos foi a semente de soja introduzida no Brasil. Da mesma maneira, foram e estão sendo levados para estados, municípios e lavouras.
Pode-se deduzir que os patógenos da soja têm acompanhado a cultura onde quer que ela seja cultivada, graças a sua associação com as sementes.
No quadro abaixo, apresenta-se um histórico de ocorrência das principais doenças da soja com relação ao país, ano e autor da primeira descrição.
Há dificuldade na coleta de dados sobre patologia de sementes da soja, sobretudo nos trabalhos feitos no Brasil. A maioria dos relatos não se refere à prova de patogenicidade, seguindo-se os postulados de Koch (Agrios, 2004). Normalmente, são relativos à descrição da doença, numa lavoura ou região, às vezes mimiografados e/ou escritos à máquina (relatórios).
Alguns patógenos da cultua não apresentam dependência das sementes para serem transportados para todos os lugares onde a soja será cultivada. Nesse caso, enquadram-se os fungos do solo, geralmente polífagos, como Sclerotium rolfsii, Rhizoctonia solani, Fusarium tucumaniae, F. cuneirostrum, F. virguliforme, F. brasiliensis e Macrophomina phaseolina. É difícil resgatar a história desse grupo, identificando o ano e o autor da descrição de sua ocorrência no Brasil. O mesmo ocorre com Sclerotinia sclerotiorum, que pode estar veiculado às sementes como esclerócios entre as mesmas, ou como micélio infectante dos cotilédones.
“Na natureza, os patógenos não se separam dos hospedeiros de quem dependem nutricionalmente.” “Todos os parasitas necrotróficos de órgãos aéreos estão presentes nas sementes.” Por isso, “em toda lavoura originada de semente infectada ocorrerá manchas foliares, cancros e antracnose nos órgãos aéreos” (Reis e Casa, 1998; Reis et al., 2004).
Para se produzir sementes indenes é necessário manter continuamente gerações de semente fundação (pequenas quantidades), produzidas em casa de vegetação (UR < 70%), sem molhamento foliar (respingos de chuva ou água de irrigação). Não havendo ciclos secundários, a semente produzida será indene.
O tratamento de sementes de soja com fungicidas não é suficientemente eficaz para evitar a transmissão semente-cotilédone-órgãos aéreos. Após a transmissão, sob ambiente favorável, desencadeiam-se os ciclos secundários, a partir de cada foco, resultando no crescimento da doença na lavoura.
Se a semente apresenta baixa incidência de um patógeno, provavelmente necessite de vários anos de cultivo repetido na mesma área (monocultura), para que haja tempo para o aumento do inóculo e, assim, cause epidemia. Isso deve ter ocorrido nas primeiras lavouras cultivadas no Brasil, com semente procedente dos Estados Unidos. O inóculo é aumentado, principalmente, nos restos culturais, pelos anos sucessivos de monocultura, sob ambiente favorável. É a densidade de inóculo na palha que causa epidemia, dano e necessidade de controle químico. Com alta incidência em sementes, talvez seja necessário menor número de safras de monocultura para a doença atingir a classificação de epidemia.
Na situação presente, com a maioria da área cultivada sob plantio direto e monocultura de soja, a adoção do MID fica limitada.
Numa área nova, no primeiro ano de cultivo, a doença surge ou se manifesta em focos localizados, onde a semente infectada foi posicionada. Ocorre a transmissão e vários ciclos secundários se sucederão.
Na direção e no local para onde as sementes são levadas, os patógenos as acompanham.
O que foi e está sendo feito para evitar a introdução de patógenos da soja, de outros países, no Brasil? As ações nesse sentido (legislação e fiscalização) foram e têm sido eficientes?
Por Erlei Melo Reis (Universidade de Buenos Aires, Instituto Agris) e Andrea Camargo Reis (Instituto Agris)
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