A cadeia produtiva de hortaliças e o valor bruto da produção
Por Warley Marcos Nascimento, Chefe-geral da Embrapa Hortaliças
Uma das diversas propriedades que tornam a cana-de-açúcar tão competitiva entre as diversas matérias primas sucroalcooleiras e energéticas (tais como milho, sorgo sacarino, sorgo biomassa, beterraba açucareira, entre outras) é, sem dúvida, o vigor de suas rebrotas. Enquanto a maioria dessas culturas precisa de um plantio para cada colheita, a cana-de-açúcar, após ser cortada rente ao solo (e os colmos levados para industrialização, enquanto a palha, na maioria dos casos, é deixada sobre o solo), rebrota espontaneamente, formando um novo canavial para a próxima safra, conhecido como “cana soca”, que só precisa de alguns tratos culturais, mas não de um novo plantio.
A produtividade da cana, porém, tende a cair de um ano para outro, até que se torna tão baixa a ponto de demandar a reforma do canavial, que consiste em um novo plantio. A longevidade do canavial é o número de cortes (safras) que se consegue viabilizar, após um plantio, antes que a baixa produtividade imponha a necessidade de reforma. Usualmente, considera-se baixa a longevidade de 4 safras ou menos. 5 é aceitável em solos mais fracos, enquanto a longevidade ideal é 6 ou mais, desde que se mantenha produtividade em nível viável. A maior longevidade tem benefício econômico facilmente perceptível, já que dilui os custos de plantio entre um maior número de safras. Mas, além deste, proporciona também diversos benefícios ambientais.
De acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA), o etanol reduz cerca de 90% das emissões de CO2, comparado à gasolina. Se a gasolina é combustível fóssil derivado do petróleo, ou seja, todo o carbono que sua queima libera na atmosfera é proveniente do subsolo, enquanto o etanol é renovável, ou seja, todo o seu carbono foi captado da própria atmosfera pela fotossíntese da cana, seria natural perguntar: então por que o etanol não evita 100% das emissões? Desses 10% de emissões ainda restantes, a maior parte deve-se ao consumo de diesel nos processos agrícolas e nos transportes. Portanto, o aumento da longevidade dos canaviais, com consequente redução das área canavieiras em reforma, além da redução de custos, diminui também o consumo de diesel, o que por sua vez contribui para redução das emissões de gases do efeito estufa, tornando o etanol ainda mais eficiente do que já é em mitigar essas emissões.
Outro benefício ambiental decorrente do aumento da longevidade é a redução da erosão do solo. Na realidade, esse benefício é também econômico e ambiental, já que a erosão leva embora justamente o solo da camada mais superficial, que é a parte mais fértil. Felizmente, entre as práticas que contribuem para aumento da longevidade, inclui-se a redução da compactação do solo, podendo às vezes viabilizar que a reforma, além de ser realizada alguns anos depois, possa ser feita em sistema de plantio direto (ou seja, sem o preparo do solo por aração e gradagem), contribuindo também para controle da erosão. Porém, como o plantio necessita de sulcação, mesmo em sistema de plantio direto, a cana é plantada com maior movimentação de solo, comparativamente a outras culturas, o que se torna obviamente um problema menos significativo quanto maior for a longevidade, e menos frequentes as reformas.
A longevidade é aumentada pelo controle dos fatores que causam a redução da produtividade do canavial de um ano para outro. Entre esses fatores, três se destacam: os danos mecânicos às soqueiras por ocasião da colheita, a compactação e a fraca fertilidade química do solo.
Os dois primeiros fatores têm sido controlados com sucesso com a adoção, crescente na última década, do controle de tráfego, por meio do uso de GPS e piloto automático principalmente na operação de colheita. A maioria dos canaviais, e principalmente os mais produtivos, tendem a acamar antes da colheita, e num canavial acamado é difícil ao operador de colhedora acompanhar perfeitamente a linha de cana, caso tenha que se orientar apenas visualmente. Pilotos automáticos modernos usam um sistema informatizado que “conhece” o traçado exato da linha de plantio e, com o apoio de GPS, conseguem conduzir a colhedora com poucos centímetros de erro. Ao operador restam as manobras e o controle de outros aspectos da operação, enquanto a trajetória é controlada pelo sistema automático. Trajetória da colhedora, se tiver erros, causa perdas na colheita e danos severos à soqueira, às vezes até o arranquio de algumas moitas, resultando em falhas nas próximas socas. Já a compactação do solo, tanto pela colhedora quanto principalmente pelos transbordos (pois estes levam maior peso), pode ficar restrita ao centro das entrelinhas quando a trajetória é conduzida por piloto automático, com erros insignificantes. Além disso, a adoção de pneus mais largos para os transbordos tem também contribuído para reduzir a pressão que estes exercem sobre o solo, com consequente redução da compactação, aumento da longevidade e, em alguns casos, contribuindo também para a viabilização da reforma em plantio direto, principalmente porque, sendo a sulcação feita também com piloto automático, as linhas de cana poderão ficar na mesma localização anterior à reforma, ou seja, em solo livre de compactação.
Finalmente, a longevidade é impactada pela fertilidade do solo, inclusive em subsuperfície. A exigência da cana-de-açúcar em fertilidade do solo é menor, em certo sentido, do que da soja por exemplo. Isso quer dizer que há muitos solos inaptos para a cultura da soja, onde é viável o cultivo da cana. Porém, se a cana for plantada em área de baixa fertilidade natural, terá produtividade e longevidade maior ou menor em função da adoção ou não de boas práticas agrícolas, com alto potencial de melhorar a fertilidade do solo.
Por essa razão, na Embrapa Agropecuária Oeste, vêm sendo conduzidas pesquisas para determinar a eficiência de práticas, tais como adubação verde e rotação de culturas, aliadas às já tradicionais calagem, gessagem e fosfatagem, para melhorar a fertilidade em área de expansão canavieira. As pesquisas incluem também os impactos do manejo da palhada (resíduo de colheita), o qual também tem benefícios, quando feito da melhor forma, sobre produtividade da cana. Como pretende-se conhecer o impacto dessas práticas sobre a longevidade, trata-se de trabalho de longa duração, pois os experimentos vêm sendo avaliados ao longo de várias safras. Esperamos com isso, dentro de pouco tempo, disponibilizar recomendações com as quais o setor produtivo poderá viabilizar melhorias de produtividade, longevidade e redução dos custos de produção, e com maior sustentabilidade ambiental e econômica pelas razões acima apresentadas.
José Rubens Almeida Leme Filho, Embrapa Agropecuária Oeste
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