Resistência à proteína Vip3Aa pode comprometer lavouras

Múltiplos mecanismos genéticos ampliam o risco para culturas com transgênicos

08.08.2025 | 08:35 (UTC -3)
Revista Cultivar
Foto: Jack Dykinga / USDA
Foto: Jack Dykinga / USDA

A proteína inseticida Vip3Aa tornou-se uma barreira essencial contra lagartas que já superaram outras toxinas produzidas por Bacillus thuringiensis (Bt), como as do grupo Cry. Após mais de uma década de uso comercial, há eficácia em seu desempenho. No entanto, sinais consistentes de resistência começam a surgir em populações de pragas-chave, aumentando o risco de falhas no controle. O assunto foi analisado por pesquisadores da Universidade do Tennessee (EUA).

Monitoramentos de campo revelaram frequências de alelos resistentes mais altas que as estimadas como seguras para a estratégia de manejo baseada em alta dose e refúgio. No Brasil, a frequência de resistência em Spodoptera frugiperda aumentou de 0,0009 para 0,0033 entre 2015 e 2017. Nos Estados Unidos, estimativas variaram de 0,0048 a 0,0072. Em Helicoverpa zea, os valores atingiram 0,0155 em testes F2, chegando a 0,032 em parcelas-sentinela em determinadas localidades.

doi.org/10.3390/insects16080820
doi.org/10.3390/insects16080820

Esse aumento preocupa porque, em diversas regiões, Vip3Aa já representa a única toxina eficaz contra certas pragas. No sul dos EUA, a resistência prática a proteínas Cry1A deixou Vip3Aa como último recurso contra H. zea. No Brasil, produtores relatam queda de eficiência da tecnologia frente a S. frugiperda.

Diversidade genética da resistência

Pesquisas indicam que a resistência a Vip3Aa pode evoluir rapidamente em laboratório a partir de populações coletadas no campo. Linhagens altamente resistentes já foram obtidas em Helicoverpa spp., Spodoptera spp., Mythimna separata e Chloridea virescens. Em muitos casos, a resistência apresentou herança monogênica e recessiva, mas também surgiram padrões poligênicos, alguns com influência materna ou paterna na transmissão.

Ao contrário da resistência a Cry, que frequentemente envolve alterações em receptores específicos do intestino médio, a resistência a Vip3Aa apresenta um mosaico de mecanismos genéticos, mesmo em populações da mesma espécie e coletadas em áreas próximas.

Estudos em S. frugiperda no Brasil, EUA e China identificaram diferentes loci associados à resistência, sem sobreposição clara. Em H. zea, pesquisas com populações do Texas, Louisiana e Mississippi revelaram três loci distintos, com indícios de dispersão geográfica de alguns deles.

Mecanismos identificados

A diversidade de mecanismos confirma que a resistência à proteína Vip3Aa pode ocorrer em várias etapas do seu modo de ação, o que dificulta o desenvolvimento de uma única estratégia de monitoramento ou mitigação. Entre os mecanismos documentados, destacam-se:

1. Processamento de protoxina no intestino: a Vip3Aa é ingerida na forma de protoxina, um tetrâmero solúvel de cerca de 89 kDa, que precisa ser processado por proteases séricas no intestino médio para se tornar ativa. Larvas resistentes apresentam redução na expressão de genes de proteases específicas, diminuindo a taxa de processamento. Isso impede a formação da estrutura “agulha” responsável por perfurar a membrana das células do intestino.

Casos em S. frugiperda, H. armigera, C. virescens e S. litura mostraram que, ao pré-processar a protoxina com fluido intestinal de indivíduos suscetíveis, a toxicidade contra resistentes aumentava significativamente. Essa evidência confirma que o processamento é um ponto crítico da suscetibilidade.

Tentativas de superar esse obstáculo por engenharia de proteínas resultaram em mutantes da Vip3Aa com sítios adicionais de clivagem para proteases, acelerando a ativação. Em alguns casos, a toxicidade aumentou contra S. frugiperda e H. armigera, mas o desempenho contra linhagens resistentes ainda não foi plenamente avaliado.

2. Interação com a matriz peritrófica: após a ativação, a toxina interage com a quitina da matriz peritrófica — uma barreira semipermeável que reveste o epitélio intestinal. Alterações no gene da quitina sintase-2 (CHS-2) reduzem a formação dessa matriz, bloqueando ou dificultando o contato da toxina com os receptores celulares.

Experimentos com edição genética CRISPR/Cas9 mostraram que a eliminação de CHS-2 gera resistência quase total a Vip3Aa em diversas espécies de lepidópteros. No entanto, esse tipo de alteração traz custos adaptativos severos — desenvolvimento mais lento, menor taxa de reprodução e redução na sobrevivência — o que pode limitar sua disseminação natural.

3. Ligação a receptores de membrana: a etapa seguinte envolve a ligação da toxina a receptores específicos no epitélio do intestino médio. Embora nenhum receptor tenha sido confirmado in vivo, estudos in vitro apontam proteínas candidatas, como RBS-2, scavenger receptor-C, prohibitin-2 e fibroblast growth factor receptor.

Em linhagens resistentes de H. zea e S. frugiperda, observou-se ligação reduzida, mas não ausente, sugerindo que mutações, deleções ou regulação negativa de receptores podem afetar a suscetibilidade. A ausência de confirmação funcional in vivo dificulta a criação de marcadores moleculares confiáveis para monitoramento.

4. Genes críticos de suscetibilidade: recentemente, foi identificado o gene VipR1, presente em lepidópteros, cuja interrupção confere alta resistência à proteína Vip3Aa em H. armigera e S. frugiperda. A função exata dessa proteína ainda é desconhecida, mas a previsão é de que atue no espaço extracelular, possivelmente em etapas prévias à ligação aos receptores.

Além disso, outros genes, como o da fosfatase alcalina de membrana e o fator de transcrição SfMyb, aparecem alterados em linhagens resistentes, embora seu papel direto na resistência permaneça incerto.

Foto: Tim McCabe / USDA
Foto: Tim McCabe / USDA

Custo adaptativo e manejo no campo

Em condições de laboratório, várias linhagens resistentes mostraram custos adaptativos: menor fecundidade, peso pupal reduzido, crescimento mais lento e menor taxa de acasalamento. Esses custos podem frear a disseminação da resistência em condições naturais.

No entanto, fatores como alta pressão de seleção, baixa adoção de refúgios e monocultivos extensivos podem acelerar a evolução da resistência, superando essas barreiras biológicas.

Atualmente, a estratégia de manejo mais utilizada é a piramidação de toxinas Bt com diferentes modos de ação, como Vip3Aa associada a Cry1 ou Cry2. A ausência de resistência cruzada positiva entre Vip3Aa e Cry favorece essa abordagem. Em alguns casos, inclusive, a resistência a Vip3Aa aumenta a suscetibilidade a certas Cry, fenômeno chamado resistência cruzada negativa.

Novas perspectivas tecnológicas

Para prolongar a vida útil da Vip3Aa, pesquisadores avaliam novas proteínas com eficácia contra linhagens resistentes. Entre elas, destacam-se:

  • eCry1Gb.1Ig – proteína quimérica com atividade contra S. frugiperda resistente a Cry1F, Cry1A.105, Cry2Ab2 e Vip3Aa.
  • Cry1Da_7 e Cry1B.868 – com locais de ligação distintos, atuam sobre S. frugiperda e H. zea resistentes a Vip3Aa e Cry1F.

A incorporação dessas toxinas em novos eventos transgênicos pode reforçar as barreiras contra a evolução da resistência.

Lacunas de conhecimento e urgência de ação

Apesar dos avanços, ainda há áreas críticas sem respostas:

  • Como exatamente ocorre a interação da Vip3Aa com a quitina da matriz peritrófica.
  • Qual o receptor funcional da toxina no intestino médio.
  • Qual o papel da apoptose celular no efeito letal in vivo.

A identificação de marcadores genéticos confiáveis permitiria o desenvolvimento de sistemas rápidos e baratos de detecção da resistência no campo. Isso reforçaria os programas de monitoramento, permitindo ajustes mais ágeis nas estratégias de manejo.

A evolução da resistência a Vip3Aa, sustentada por múltiplos mecanismos e dispersa em diferentes populações, sugere que não haverá solução única. A resposta exigirá a combinação de inovação biotecnológica, políticas públicas de manejo integrado e adesão dos produtores às boas práticas.

O cenário atual repete um padrão já observado com as proteínas Cry: a tecnologia é lançada com alta eficácia, mas, sem gestão adequada, as pragas encontram caminhos para sobreviver. A diferença é que, desta vez, a janela de ação para preservar Vip3Aa pode ser menor, já que existe maior diversidade genética desde o início.

Outras informações em doi.org/10.3390/insects16080820

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