Como realizar o controle adequado de tripes em soja e algodão
Lavouras de soja e de algodão têm sido atacadas com alta frequência por elevadas infestações de tripes Frankliniella schultzei
A integração lavoura-pecuária (ILP), se bem manejada, permite diversificar e aumentar a produção de alimentos por área, melhorar a renda dos produtores rurais e a qualidade do ambiente. Na região Sul do Brasil, um sistema muito utilizado é o que alterna culturas para a produção de grãos no verão, especialmente a soja, com pastagens anuais de inverno para o pastejo dos bovinos, principalmente aveia preta em mistura ou não com azevém anual. Porém, dois aspectos podem afetar a sustentabilidade da ILP na região subtropical do Brasil: o cultivo continuado da sucessão soja/aveia e o excesso de carga animal na pastagem.
O plantio direto é utilizado pela quase totalidade dos produtores rurais, porém um princípio fundamental deste sistema, a rotação de culturas, tem sido negligenciada por motivos econômicos. Em aproximadamente 15 milhões de hectares há 20 anos têm sido cultivada a sucessão de soja/aveia preta na região Sul do Brasil. A falta de rotação de culturas tem resultado em diversos problemas, dentre os quais se destaca o aumento da ocorrência ou o surgimento de novas pragas, doenças e plantas daninhas, tanto na soja quanto na aveia. Um dos problemas mais graves é o aumento das áreas infestadas por fitonematoides, especialmente devido ao uso de cultivares de soja suscetíveis.
Outro problema observado com frequência nas propriedades que adotam a ILP é o excesso de carga animal na pastagem, que reduz a biomassa das plantas forrageiras, aumenta a compactação do solo, reduz a infiltração de água e a aeração, aumenta a erosão, reduz o teor de matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes etc. Tudo isto resulta em elevado estresse às plantas forrageiras e às plantas produtoras de grãos cultivadas em sucessão. Já foi comprovado que as plantas cultivadas em condições de estresses ambientais são menos tolerantes à incidência de fitonematoides.
Até o momento, nenhum estudo sobre a ocorrência dos fitonematoides em sistemas de ILP da região subtropical do Brasil havia sido realizado, por isto foi efetuada uma pesquisa para avaliar a infestação de nematoides em uma integração lavoura-pecuária, que há 15 anos é cultivada com a sucessão soja/aveia + azevém e manejada com quatro intensidades de pastejo.
O estudo foi realizado na Fazenda do Espinilho, que pertence a Agropecuária Cerro Coroado, localizada em São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul, em uma área exprimental de 22ha (Figura 1). O solo é classificado como Latossolo Vermelho, profundo, bem drenado e de textura argilosa (540, 270 e 190 g/kg de argila, silte e areia, respectivamente). Em 2001, o sistema ILP foi instalado e desde então a área é cultivada continuamente sob o sistema de plantio direto em uma sucessão de soja no verão (novembro a abril) e aveia preta + azevém no inverno (maio a outubro) para o pastejo de bovinos. A área foi dividida em 12 parcelas de 0,90ha a 3,53ha, onde o pasto é mantido nas alturas de 10cm, 20cm, 30cm ou 40cm no inverno pelo pastejo de três novilhos em cada parcela (peso vivo inicial médio de 200kg) (Figura 1). Há também duas parcelas sem pastejo no inverno, onde a aveia + azevém foi utilizada somente para a produção de palha para o plantio direto do verão.
As coletas de solo para a análise dos nematoides foram realizadas no verão e no inverno, no florescimento da soja e da aveia preta. Em cada parcela foram coletadas cinco amostras compostas (resultado da mistura de nove subamostras cada) com auxílio de um trado calador, até 20cm de profundidade. Os nematoides foram extraídos de 300cm3 de solo e identificados no Laboratório de Biologia do Solo da Universidade Federal de Santa Maria.
Foram identificados oito gêneros de fitonematoides no solo da ILP, todos abaixo do nível de dano econômico: Helicotylenchus, Xiphinema, Tylenchus, Hoplolaimus, Hemicycliophora, Meloidogyne, Pratylenchus e Trichodorus. O gênero Helicotylenchus foi o mais abundante, representando 77% dos fitonematoides coletados na pastagem e 82% da soja (Figura 3). Apesar da ampla dominância, somente a espécie Helicotylenchus dihystera foi detectada. O gênero Xiphinema representou 17% dos fitonematoides coletados na pastagem, mas somente 5% na soja. Comportamento contrário ao gênero Tylenchus, que abrigou 4% dos fitonematoides coletados na pastagem, mas 12% na soja. Os gêneros Meloidogyne e Pratylenchus representaram somente 1% das amostras da soja.
O nível de dano econômico de Helicotylenchus para a cultura da soja ainda não foi estabelecido. Mas pesquisas indicam que densidades populacionais de cerca de cinco mil espécimes por 100cm³ de solo não causaram danos econômicos. Ainda que Helicotylenchus seja considerado um parasita secundário para esta cultura, tem sido relatado com grande frequência em diversos sistemas de produção. Os danos secundários causados provêm de sua associação com outros fitonematoides e por facilitar a entrada de fungos e bactérias patogênicos nos ferimentos abertos no sistema radicular.
A intensidade do pastejo no inverno alterou a abundância dos fitonematoides da pastagem e da soja (Figura 4). A altura do pasto a 40cm e a área não pastejada apresentaram densidades elevadas no inverno. Por outro lado, os tratamentos com pastejo a 10cm e a 20cm apresentaram as menores densidades de fitonematoides.
Já nas análises realizadas no verão, observa-se que a área pastejada com a menor altura de pasto no inverno (10cm) resultou em maior densidade de fitonematoides na soja (Figura 4), a grande maioria destes do gênero Helicotylenchus. Apesar de a soja tolerar elevadas densidades deste fitonematoide, os dados indicam que o pastejo intenso no inverno aumentou em 374% a densidade de Helicotylenchus na soja. Se este manejo continuar a ser adotado, nos próximos anos estes nematoides poderão tornar-se um problema fitossanitário para a cultura da soja. Machado et al. (2019) consideram H. dihystera como um potencial patógeno da soja no Brasil, onde sua dispersão e densidade têm aumentado nas lavouras.
Esta ILP foi cultivada por 15 anos com a mesma sucessão de cultura (soja/aveia preta + azevém) e com cultivares de soja suscetíveis aos fitonematoides. Assim, era de se esperar que a infestação de fitonematoides fosse maior. Porém, as características desta ILP contribuíram para a redução da abundância dos nematoides. Pesquisas indicam que a aveia preta e o azevém não são bons hospedeiros de nematoides, então o cultivo destas plantas contribuiria para reduzir a reprodução dos nematoides durante o inverno. A textura argilosa (540kg) do solo também pode limitar o desenvolvimento das populações de fitonematoides. Diversos autores relatam que nematoides dos gêneros Meloidogyne e Pratylenchus têm preferência por solos com textura arenosa a franco-argilosa.
A deposição de esterco bovino no solo durante o pastejo no inverno também pode auxiliar no controle dos fitonematoides. A amônia é liberada durante a decomposição microbiana do esterco e tem efeito nematicida. Além disto, a deposição de esterco aumenta a atividade biológica do solo, aumentado a quantidade de predadores e parasitas dos fitonematoides (inimigos naturais). Nesta mesma área experimental, Da Silva et al. (2014) determinaram durante um ciclo da pastagem a produção de esterco de 669kg/ha 478kg/ha 366kg/ha e 213kg/ha (em massa seca) para as alturas de pasto de 10cm, 20cm, 30cm e 40cm, respectivamente. Assim, é possível que as menores abundâncias de fitonematoides nas áreas com 10cm, 20cm e 30cm tenham relação com a maior deposição de esterco no inverno.
As condições presentes na ILP contribuem para que a incidência de fitonematoides no solo não seja elevada, porém o ajuste da carga animal é fundamental para a sustentabilidade deste sistema. Diversos estudos realizados nesta área indicam que ao ser realizado o pastejo a 20cm e 30cm consegue-se aliar maior produção de carne, melhoria da qualidade do solo, redução dos impactos ambientais, sem prejuízos à produtividade da soja cultivada em sucessão. Os dados deste estudo confirmam isto, pois a maior altura de pasto (40cm) aumenta a densidade de fitonematoides na pastagem, enquanto a menor altura de pasto contribui para o crescimento da densidade de fitonematoides na soja.
Juliane Schmitt e Rodrigo Josemar Seminoti Jacques, Universidade Federal de Santa Maria; Paulo César de Faccio Carvalho, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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