Projeto de bioinformática é premiado

05.11.2009 | 21:59 (UTC -3)

Muito se discute sobre interdisciplinaridade, mas nem todas as frentes de pesquisa conseguem de fato unir o conhecimento de grandes áreas em favor da ciência. No entanto, essa não é uma tarefa tão complicada assim para quem lida com a bioinformática, vertente científica que agrupa biólogos, matemáticos e estatísticos com intuito de responder problemas biológicos complexos.

“O Brasil está entre os países de vanguarda em bioinformática, desenvolvendo aplicações em várias áreas e as agências de fomento passaram a considerá-la como área de interesse estratégico, mas ainda há demanda por recursos humanos”, conta Marcelo Brandão, biólogo formado pela Unesp, responsável pela bioinformática do laboratório de Biologia Molecular de Plantas, do departamento de Genética (LGN), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ) e autor do projeto “AtPIN: Arabidopsis thaliana Protein Interaction Network”.

O projeto é um sistema que interliga bancos de dados de interações protéicas em Arabidopsis thaliana, uma planta modelo para várias pesquisas científicas por ter seu genoma totalmente seqüenciado e apresenta crescimento rápido com cultivo relativamente simples. A partir desses estudos é possível inferir interações protéicas em outros organismos como a cana-de-açúcar, por exemplo. “Há na comunidade científica uma crescente busca por aumento na produtividade da cana, uma destas pesquisas procura identificar genes ligados à fotossíntese e nosso sistema vem auxiliando pesquisas nesse sentido, a partir de uma das mais de 95 mil interações já registradas no AtPIN”, revela o pesquisador. Os dados têm origem em cinco repositórios internacionais: the Arabidopsis thaliana Protein Interactome Database (China), the Predicted Interactome for Arabidopsis (Canadá e Estados Unidos), Arabidopsis protein-protein interaction data curated from the literature by TAIR curators (Consócio internacional), BIOGRID (Canadá) e IntAct (ligado ao European Molecular Biology Laboratory – EMBL – que integra estudos feitos na área por toda a comunidade européia).

Prêmio Internacional

O sistema desenvolvido na ESALQ integra cinco bancos de dados, já disponíveis à comunidade científica, para desenvolver cálculos de confiabilidade dessas interações bem como localizar estas dentro dos múltiplos compartimentos celulares. Várias dessas interações já estavam descritas em outros bancos de dados, mas era complicado, para um pesquisador, buscar de forma aleatória o local exato no qual essas informações estavam depositadas. Esse é um dos grandes objetivos do AtPIN, que recebeu o prêmio de Melhor Ferramenta em Bioinformática e Banco de dados durante a 5ª Conferência Internacional da Associação Brasileira de Bioinformática e Biologia Computacional, realizada de 18 a 22 de outubro, em Angra dos Reis/RJ. “Durante o evento, apresentamos esse software pela primeira vez. Foram duas etapas, uma demonstrativa e outra entrevista com a comissão organizadora que detalhou cada aspecto do nosso trabalho com intenção de verificar o mérito. É um prêmio importante para a ESALQ, pois mostra que as pesquisas em Biologia Computacional realizadas aqui estão ao nível de competição com grupos no exterior”, salienta Brandão.

Na finalização do projeto, coube a pesquisadora Luiza Barros Dantas verificar experimentalmente se algumas das interações preditas depositadas no AtPIN eram válidas. Assim Luiza testou modelos fornecidos pelo sistema desenvolvido por Brandão em ensaios com as mesmas proteínas. “O sucesso não poderia ter sido maior”, revela a mestranda do programa de pós-graduação em Genética e Melhoramento de Plantas da Escola, que vem pesquisando o duplo direcionamento protéico e tem nas informações do AtPIN um dos seus pontos de partida. “Unir informática com biologia é a melhor forma de auxiliar nossa busca por respostas que, de forma experimental, demoraríamos um tempo infinitamente maior e com um índice de confiança relativamente mais baixo”, afirma.

Benefício acadêmico-científico

Uma das grandes vantagens proporcionadas pelo AtPIN é que há outros métodos biológicos para identificar relações protéicas, mas que são caros e demandam quantidade elevada de proteínas para identificar quais são aquelas que de fato promovem a interação. Com o AtPIN, os pesquisadores conseguem focar suas atividades em sistemas que já estão preditos na literatura ou em banco de dados. Então o sistema confirma suas buscas e agiliza as pesquisas na área da genômica, por exemplo. “A quantidade de dados hoje disponíveis não pode mais ser processada apenas em um caderno de laboratório e a demanda por cálculos gera uma infinita necessidade pelo agrupamento em banco de dados. Na década de 1970, surgem os primeiros repositórios de informações referentes às estruturas protéicas, mas o boom da bioinformática aconteceu com o genoma”, explica o criador do AtPIN.

No laboratório de Biologia Molecular de Plantas, do departamento de Genética (LGN), a bioinformática é um suporte de bancada que acelera a seleção das seqüências genéticas a serem observadas. Marcelo Brandão comenta que “há com isso diminuição de gastos e uma agilidade de cálculo espantosa e uma convergência disciplinar para o mesmo foco. Não só os matemáticos e os profissionais da computação se voltaram para a biologia, mas os biólogos acabaram se envolvendo com a informática. Esse motivo me trouxe para a ESALQ e acabamos de completar um ano no laboratório”.

A mesma linha entusiasta é seguida por Marcio de Castro Silva Filho, professor do LGN e coordenador do laboratório supervisionado por Brandão. “Hoje é fundamental a introdução da bioinformática nas pesquisas da área biológica, genética, genômica funcional. A abordagem que não se resume à bancada e considera a biologia computacional tem como razão principal a capacidade de operação. Há uma capacidade de processamento de informações incrível, contribuindo sobremaneira para respondermos questões de pesquisa”. O professor lembra que outros grupos dentro da ESALQ já empregam a bioinformática, salientando que a união entre matemáticos e biólogos é um processo irreversível e contribui com grandes áreas da pesquisa no país. “Essa é uma ferramenta cada vez mais utilizada no mundo, incorporada às linhas de pesquisas regulares. A interação entre profissionais das áreas biológica e matemática é um processo sem retorno que só traz vantagens para qualquer laboratório, já que permite o trânsito em esferas como a agropecuária, pesquisa básica, medicina”, destaca Silva Filho, lembrando que, atualmente, o AtPIN é o banco referência em interações de proteínas listado no TAIR, um consórcio internacional de curadores dos dados moleculares de Arabidopsis.. “O prêmio recebido pelo AtPIN é o reconhecimento da comunidade internacional da qualidade desse trabalho. Alcançar esse nível de detalhamento de informação nas pesquisas jamais seria possível somente nas bancadas. Sem o desenvolvimento matemático, não estaríamos vivendo hoje a era da genômica, tal a grandeza de processamento de dados permitida a partir da biologia computacional”, conclui.

Caio Albuquerque

Esalq

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